13 Janeiro 2024
"A oração comum é um dos principais sinais visíveis da unidade invisível da Igreja de Jesus Cristo", escreve Pawel Andrzej Gajewski, professor de Teologia das Religiões na Faculdade Valdense de Teologia de Roma, em artigo publicado por Riforma, 12-01-2024.
“Ama o Senhor teu Deus (…) e ama o teu próximo como a ti mesmo" (Lucas 10, 27): essas palavras serão a principal referência da próxima Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos (1). O “mandamento do amor” insere-se no quadro de uma das parábolas mais incisivas de Jesus, aquela do bom samaritano (Lucas 10, 25-37). É uma passagem evangélica que desperta (e deve despertar) acesos debates sobre o empenho cristão no mundo, sobre a diaconia, sobre o amor ao próximo concebido como serviço. Os textos das orações e da liturgia foram elaborados em Burkina Faso.
Trata-se de um país e um povo gravemente feridos. Em 30 de setembro de 2022 ocorreu um golpe de estado militar. Os grupos armados não estatais de Burkina Faso estão expandindo a sua influência no todo o país, mesmo na capital Ouagadougou. A situação da segurança continua piorando. O estado de emergência foi declarado em diversas regiões e em 14 de abril de 2023 o governo emitiu uma ordem de mobilização geral para combater os terroristas jihadistas.
Comparar Burkina Faso ao homem agredido por bandidos é uma nossa reação natural que nos leva a identificar-nos com o bom samaritano. É justo reagir assim, esperando que a comunidade internacional faça a sua parte para trazer a verdadeira paz a esse canto pouco conhecido da África e “fazendo todo o possível para ajudá-lo” (cf. Lc 10, 34).
No entanto, no que diz respeito às igrejas cristãs (no Burkina Faso e noutros lugares), não é suficiente para a nossa reação natural. Na tensão dialética entre natureza e Graça devemos reconhecer a soberania desta última. Nessa perspectiva a pessoa ferida deveria ser identificada com a Igreja de Jesus Cristo nas suas múltiplas realizações históricas.
Tais realizações são obras humanas e, portanto, sujeitas ao pecado. Nelas a sincera vontade de melhoria se mistura com ambições, rivalidades, conflitos, desejo de poder. Nenhuma igreja, entendida como instituição, pode se considerar perfeita e nenhuma representa plenamente a única, indivisa e indestrutível Igreja de Jesus Cristo.
Então, qual é o sentido da oração pela unidade dos cristãos? É mais fácil responder a essa pergunta de forma negativa. O propósito da Semana não é pedir a Deus o “retorno de todas as outras ovelhas ao rebanho de Pedro, o único pastor", como sugeria em 1908 o pastor James Francis Wattson (bispo estadunidense). Na época pós-conciliar, em particular a partir de 1968, essa orientação mudou radicalmente, pelo menos em termos de declarações oficiais. No entanto, ainda hoje algumas celebrações ecumênicas organizadas em sedes católicas transmitem implicitamente a mensagem do reverendo Wattson: o bispo católico (episcopus loci) no centro, representantes das outras confissões cristãs à sua direita e à sua esquerda.
Voltemos à questão sobre o significado da oração pela unidade dos cristãos, mas desta vez de modo positivo. A oração comum é um dos principais sinais visíveis da unidade invisível da Igreja de Jesus Cristo. Seria importante que a oração ecumênica estivesse no centro da vida comunidade de todas as igrejas cristãs. Eventualmente isso acontece, na maioria das vezes nos contentamos com a Semana, chamada justamente “ecumênica”.
Neste ponto gostaria de lembrar novamente a Igreja “ferida”, identificada com a pessoa que jaz na estrada de Jericó. Uma das feridas mais graves do cristianismo contemporâneo é a impossibilidade de viver plenamente a hospitalidade à mesa do Senhor. No mundo esse problema - gerado pela rigidez do magistério católico – afeta milhões de casais e famílias interconfessionais.
Hoje a igreja católica fala muito (até mesmo recentemente) da chamada "abordagem pastoral" que permitiria a realização de algumas ações que ainda não são permitidas pelo Código de Direito Canônico. Seria importante que, pelo menos por ocasião da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, as autoridades católicas quisessem permitir uma forma “extraordinária” de compartilhamento do pão e do vinho. Seria mais um sinal visível da invisível unidade da única Igreja de Jesus Cristo. Independentemente de isso acontecer ou não, continua sendo válida a afirmação evangélica de que a cura das feridas confessionais e, portanto, a plena manifestação visível da unidade da Igreja, dependem somente da Graça e não das nossas obras.
1.- A Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos na Europa ocorre sempre de 17 a 25 de janeiro. No Brasil, a Semana se realiza na semana que precede a Festa de Pentecostes. Neste ano, 2024, a Semana inicia no dia 12 de maio. (Nota do Instituto Humanitas Unisinos - IHU)
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Graça e unidade dos cristãos. Artigo de Pawel Andrzej Gajewski - Instituto Humanitas Unisinos - IHU