04 Janeiro 2024
"Se as religiões muitas vezes dividem, a espiritualidade, que as permeia e as transcende sem exigir necessariamente a adesão a um credo, pode mais facilmente dar uma alma, ou como dizia Marx, um coração, a um mundo que se revela desprovido disso, valorizando assim aquela dimensão do sagrado que Eliade considerava primeiramente uma estrutura da consciência", escreve Moreno Montanari, filósofo italiano, em artigo publicado por La Repubblica, 02-01-2023.
“O século XXI será místico ou não será”, argumentava Raimon Panikkar, porque na época da globalização, nada mais nos é realmente estranho, tudo depende de todo o resto e isso nos diz respeito pessoalmente - como bem sabem os nossos bolsos e como ainda temos dificuldade para entender do ponto de vista climático e humanitário. Por isso precisamos de um olhar capaz de transcender toda autorreferencialidade para nos reconhecermos como parte de algo maior do que nos mesmos e mais profundo do que vemos. Um olhar dedicado ao universal que se mostre capaz de manter juntos os diferentes aspectos da realidade que, por mais estridentes e contraditórios, revela como distintos, mas inseparáveis, segundo uma lógica não binária que parece ter perdido o direito à cidadania no principais debates sócio-políticos do nosso tempo, nos quais quem não se posiciona acriticamente com um lado é imediatamente acusado de estar com o outro (seja Putin, o Hamas ou os novax).
Manter juntas as diferentes tramas da complexidade que nos inerva e desenvolver um sentido de profundida comunidade com a vida e com todos os seus atores: seria esta, em última análise, a missão de cada religião, como também sugere sua etimologia (religio da religere, ligar, manter cuidadosamente junto).
É por isso que é precioso O breviário espiritual de Massimo Diana publicado pela Rizzoli: um texto que consiste de 365 orações e leituras vindas das principais tradições sapienciais do nosso patrimônio cultural, religioso e não, propostas como exercício de meditação e discernimento que convida - graças também às chaves de leitura filosóficas e psicanalíticas - a cultivar uma espiritualidade que podemos definir como radical pela sua capacidade de conduzir à raiz do humano e à essencialidade da vida.
DIANA, Massimo. Breviario Spirituale. Rizzoli, 2023 (Foto: Divulgação)
Retomando e desenvolvendo a intuição original de Il libro della preghiera universale do Padre Giovanni Vannucci (1978), o autor dedica o domingo e a segunda-feira aos textos das diferentes tradições cristãs; a terça-feira, aos gnósticos, taoístas e zen; a quarta-feira, ao ensinamento hindu; a quinta-feira às tradições budistas; a sexta-feira às diferentes almas do Islã e o sábado à polimorfa tradição judaica, às quais acrescenta um apêndice de textos e meditações criados para celebrar as principais festividades do calendário inter-religioso.
A intenção é múltipla: por um lado, fazer com que as pessoas entendam que se se conhece apenas uma cultura, na realidade não se conhece nenhuma, porque só o confronto com o outro nos ajuda a entender quem somos; por outro, relançar um espírito dialógico e ecumênico que possa interessar e incluir até mesmo aqueles que não pertencem a nenhum credo, como Leopardi que em sua introdução Romano Màdera reconhece como expressão de uma espiritualidade não religiosa que educa “ao sentimento, à contemplação, à reflexão apaixonada, desejante em direção ao ilimitado e inatingível horizonte do Todo, para voltar a morar no Infinito."
Ao mesmo tempo, como escreve no prefácio Luigi De Salvia, Presidente italiano e europeu da Religions for Peace, esse livro “não para ler, mas para praticar” pretende ser um antídoto contra os fanatismos que, traindo o autêntico espírito religioso, são fatores de tensões sociais internacionais.
Mas se as religiões muitas vezes dividem, a espiritualidade, que as permeia e as transcende sem exigir necessariamente a adesão a um credo, pode mais facilmente dar uma alma, ou como dizia Marx, um coração, a um mundo que se revela desprovido disso, valorizando assim aquela dimensão do sagrado que Eliade considerava primeiramente uma estrutura da consciência - e Jung da psique - e que segundo Bateson consiste essencialmente em reintegrar o que foi separado, superando identidades e tomadas de posição perigosamente polarizadas e unilaterais em favor de um exame mais lúcido da realidade.
Nesse sentido, as orações, as meditações e as reflexões que compõem o livro constituem um convite a participar com um renovado espírito de verdade e um empático impulso emotivo na sacralidade da vida que abraça tudo e todos para valorizá-la em todas as suas formas. Precisamos realmente disso.
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Manual espiritual para o ano novo. Artigo de Moreno Montanari - Instituto Humanitas Unisinos - IHU