22 Dezembro 2023
“É um passo importante, ainda que tardio, no qual não posso deixar de perceber um sinal de esperança. O Papa Francisco é um grande reformador.” Católico, homossexual, pai de um menino que ele teve na Califórnia com seu companheiro graças à gestação em útero alheio, presidente do partido Sinistra Italiana, que agora voltou à política ativa, Nichi Vendola comenta assim a abertura da Igreja à bênção aos casais “em situação irregular e formadas por parceiros do mesmo sexo”.
A reportagem é de Viola Giannoli, publicada em La Repubblica, 19-12-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A decisão do Dicastério para a Doutrina da Fé é finalmente um passo à frente?
É uma medida significativa, ainda que tardia. Abençoar o amor em todas as suas expressões é um ato evangélico. Em vez disso, o Deus que agrada aos tradicionalistas e aos clericais, isto é, o juiz e algoz dos nossos sentimentos de amor, é um trágico paradoxo. É o Deus invocado pelas polícias morais. Em seu nome, foram levantadas as fogueiras purificadoras de bruxas e sodomitas. Não há nenhum vestígio no Evangelho dessa divindade punitiva e obcecada pelo sexo. No entanto, sua sombra pode ser entrevista nos comícios fascistas-populistas da direita mundial. O Papa Francisco, embora com toda a prudência de quem deve reger um governo bastante contestado, tenta obstinadamente reconduzir a Igreja ao caminho da boa nova: que é um anúncio de esperança para todos.
No entanto, na luz verde do Vaticano, existem limites precisos para prevenir a reivindicação de um status próprio e evitar equívocos com o sacramento do matrimônio, que a doutrina rejeita, assim como as relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo. Falta coragem à Igreja?
É melhor uma abertura tímida do que a violência homofóbica que trovejava com tons vetero-testamentários dos púlpitos sagrados até muito recentemente. A Igreja que se faz companheira da humanidade, que dialoga com a modernidade, que não foge das demandas de liberdade é a herança daquele Concílio Vaticano II que Bergoglio está fazendo viver em seu incômodo magistério.
Não é a primeira abertura de Bergoglio para tornar a Igreja mais acolhedora para as pessoas LGBT+. Desde o “quem sou eu para julgar?”, em resposta às perguntas sobre a suposta homossexualidade de um padre, ao “sim” às uniões civis, até à possibilidade de as pessoas transexuais receberem o batismo e serem testemunhas dos sacramentos religiosos. Francisco, então, não é um progressista apenas em palavras?
Ele é um grande reformador. Defronta-se com uma Igreja poluída por uma pesada história de temporalismo e de hipocrisia: quantas vezes o chicote dos moralistas foi a arma dos corruptos e dos hipócritas? Quantos cruzados contra a comunidade LGBTQ+ eram pedófilos em série? Muitas vezes, eu me pergunto contra quantos sepulcros caiados o pontífice que veio “do fim do mundo” teve que combater.
Como católico, você disse várias vezes que a Igreja deveria se pôr de joelhos e pedir perdão aos homossexuais. É ainda assim?
Sim, seria um gesto muito cristão. Pedir perdão a todas aquelas e aqueles que foram crucificados em nome dos dogmas da doutrina, da pureza de uma moral religiosa interpretada como uma cátedra de ódio e de morte.
Enquanto isso, na Itália, ainda falta uma lei contra a homotransfobia, e ataques, discriminações e negações dos direitos sobre a homoparentalidade vêm de expoentes da direita. Como você vê isso?
A liberdade feminina, a autodeterminação de cada um e de cada uma, o direito à identidade de gênero e à orientação sexual, a pluralidade das formas de amor, as famílias arco-íris são os inimigos de uma direita que está revelando em sua verdadeira natureza: ferozmente liberalista e ao mesmo tempo ferozmente iliberal.
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“Um passo que dá esperança, mas que chega depois de séculos de homofobia” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU