07 Dezembro 2023
O presidente venezuelano nomeia um deputado do partido no poder como autoridade provisória do território disputado.
A reportagem é de Cantora Florantônia, publicada por El País, 06-12-2023.
Dois dias depois do referendo sobre Essequibo, território que a Venezuela disputa com a Guiana, o governo de Nicolás Maduro avança para tentar fazer cumprir o que foi aprovado no domingo num referendo que mostrou pouco interesse nas ruas, mas que o chavismo classificou como uma vitória com 10,4 milhões de eleitores, que despertou mais uma vez uma crise de credibilidade nas autoridades eleitorais do país. Nesta terça-feira, Maduro apresentou na televisão o novo mapa oficial do país com o Essequibo incorporado, sem a delimitação reivindicada, durante um Conselho de Estado e Defesa da Nação em que anunciou uma série de medidas e legislação futura para finalizar a posse do território e dos seus recursos. Anteriormente, o presidente enviou um contingente militar para Puerto Barima, no estado de Delta Amacuro, na fronteira atlântica da Venezuela, muito próximo dos limites da área de selva de 160 mil quilômetros quadrados que a Guiana reivindica e administra de fato.
A guerra da história começou. A Guiana levantou uma bandeira há algumas semanas numa pequena colina em Essequibo. No dia do referendo, o Ministério das Comunicações venezuelano divulgou um vídeo em que alguns indígenas baixavam a bandeira da Guiana e hasteavam a da Venezuela. Maduro agora contra-ataca com tudo. Através de uma lei especial anunciada esta terça-feira, será criada uma nova província ou Estado no território e já foi nomeada uma única autoridade provisória. Trata-se do major-general Alexis Rodríguez Cabello, deputado pelo Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), que atuará a partir de Tumeremo, município foco da exploração mineira no estado de Bolívar, no sul do país, a apenas 100 quilômetros e a duas horas da cidade de San Martín de Turumbang, na área em disputa com a Guiana e pendente de litígio no Tribunal Corte Internacional de Justiça (TIJ).
“Queremos o resgate pacífico da Guiana Essequiba. “Vamos começar a responder a um povo que se manifestou no dia 3 de dezembro!”, proclamou o presidente. “Nossa Guiana Essequiba foi ocupada de fato pelo Império Britânico e seus herdeiros e eles destruíram a área”, acrescentou depois de lembrar os acordos que foram feitos para criar a Petrocaribe na época de Hugo Chávez. A Venezuela ofereceu então petróleo com desconto aos países da Caricom (Comunidade das Caraíbas) em troca de apoio diplomático à sua revolução bolivariana. Contudo, nesta disputa histórica esses países apoiaram a Guiana. “Somos um povo de paz, sindicalista, demonstramo-lo desde o Petrocaribe, que permitiu a estabilidade social e econômica do Caribe, em particular da Guiana, que tinha os maiores índices de desenvolvimento naquela época e hoje está na miséria”, acrescentou.
O presidente ordenou à PDVSA que elaborasse um mapa de prospecção e aproveitamento de recursos e também ordenou ao Parlamento que elaborasse uma lei que proíbe que as concessões petrolíferas concedidas pela Guiana no mar territorial sejam delimitadas, como a empresa americana Exxon Mobil, que tem uma atividade marítima plataforma na área. “Damos três meses às empresas que exploram recursos lá sem permissão da Venezuela para agirem em conjunto”. Da mesma forma, solicitou à Assembleia Nacional a criação de áreas de proteção ambiental e parques nacionais no território.
Anteriormente, um contingente militar tinha-se mobilizado para Puerto Barima, no Estado do Delta Amacuro, na fronteira atlântica da Venezuela, muito perto dos limites da zona que enfrenta a Venezuela e a Guiana. Trata-se de um processo que remonta a 1777, quando a Capitania Geral da Venezuela incluiu no mesmo mapa aquele pedaço de 160.000 quilômetros quadrados, apesar de não o ter ocupado nem quando estava sob o reino de Espanha nem após a independência, o que fez a Guiana Inglesa, que em 1899 conseguiu estabelecer limites no chamado Prêmio Arbitral de Paris, num processo que foi descrito como fraudulento. Dois séculos depois, o chefe do Comando Operacional Estratégico das Forças Armadas Nacionais, Domingo Hernández Lárez, difundiu nas suas redes sociais imagens de soldados venezuelanos prestando cuidados de saúde às comunidades indígenas que vivem na região. Em uma das mensagens que publicou postou fotos de caminhões com materiais de construção e a mensagem: “Rumo ao Escudo das Guianas em apoio ao desenvolvimento integral da nação”.
“Estamos muito preocupados que o presidente Maduro e o governo da Venezuela usem a sua política interna para criar instabilidade na região, medo e terror nos países vizinhos”, afirmou esta terça-feira o presidente da Guiana, Mohamed Irfaan Ali, numa entrevista ao canal France 24. O presidente destacou que estão aderidos ao processo do Tribunal Internacional de Justiça, onde o chamado Acordo de Genebra de 1966 levou a marcar os passos de uma resolução do conflito por decisão da ONU, após décadas de negociações infrutíferas e apesar de a Venezuela ter insistido que o Tribunal não tem competência para resolver esta polêmica.
“A comunidade internacional tem uma grande responsabilidade em garantir que a paz prevaleça. Muitos países estão apoiando a Guiana numa resolução pacífica que deve emergir do processo da CIJ”, instalou o presidente guianense. “Estamos trabalhando com nossos parceiros do Departamento de Estado e Defesa dos Estados Unidos para garantir que a Guiana não fique desprevenida e esteja preparada e também para agir como um país que respeita o Estado de direito e a ordem internacional”, alertou.
Irfaan disse que apesar da tensão gerada pelo referendo venezuelano em que foi aprovada a anexação do território – que no papel já consta do novo mapa apresentado por Maduro – investidores de empresas como a Exxon Mobil não deixaram de trabalhar nas áreas de concessão de Guiana. “A Exxon faz parte de um consórcio no qual estão empresas chinesas e muitas outras do Hemisfério Ocidental, do Reino Unido, da União Europeia, do mundo árabe, que recentemente participaram de um novo leilão de blocos. Apesar do comportamento da Venezuela, a atitude dos nossos investidores não mudou conosco".
Também no Brasil, que faz fronteira com a Venezuela e a Guiana, há preocupação com a dimensão que está tomando a disputa pela região de Essequibo. Para começar, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva conversou com Nicolás Maduro e Irfaan Alí. Mas Brasília não quer surpresas e também reforçou o destacamento militar na fronteira. O Ministério da Defesa aumentou o contingente do Destacamento Boa Vista (no Estado de Roraima) de 70 para 130 uniformizados. Sua missão é “monitorar e proteger o território nacional”, segundo nota do ministério. Após o referendo consultivo aos venezuelanos sobre a anexação do território, Lula também decidiu enviar vinte veículos blindados para a tríplice fronteira, relata Naiara Galarraga.
“Estamos acompanhando a situação com preocupação, mas não acho que chegaremos a isso [um confronto armado]”, disse a embaixadora Gisela Padovan, responsável pela América Latina no Itamaraty, à Reuters nesta terça-feira. A diplomata confia que os bons ofícios do Brasil e dos demais países vizinhos conseguirão “esvaziar esse processo”.
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Tensão entre Venezuela e Guiana: Maduro mobiliza o Exército e anuncia a anexação por lei de Essequibo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU