Gisele Dhein, em evento promovido pelo IHU, traz sua experiência sobre os cuidados com atingidos pelas enchentes a partir da cheia no Vale do Taquari
Segundo dados do Banco Central, a enchente de setembro no Vale do Taquari já repercute sobre o produto interno bruto (PIB) do Rio Grande do Sul. O Índice de Atividade Econômica, considerado uma prévia do PIB, registrou queda de 1,2% na comparação com agosto de 2023. Em relação a setembro de 2022 a queda é de 5,2%. Vale ressaltar que os números foram apurados ainda antes das enchentes de novembro, que também atingiram fortemente o Vale do Caí e região metropolitana de Porto Alegre.
No entanto, estes números não representam nada para aquelas pessoas que tiveram as casas tomadas pelas águas. Se em setembro a cheia do Rio Taquari veio como uma enxurrada, em novembro ela veio lentamente, como que se torturasse as pessoas bem devagar, ao rememorar um pesadelo já vivido. Em cidades como Muçum e Roca Sales, ver a água entrando em casa era o pior dos cenários que se poderia imaginar. Muitas daquelas pessoas nem sequer haviam curado as feridas que foram abertas deste a perda de amigos e parentes até a destruição de tudo o que conseguiram construir até então. A imagem das pessoas vagando pela cidade atônitas dias depois da enxurrada de setembro é emblemática e revela o quanto tragédia como estas impactam a saúde física e mental das pessoas.
Na ocasião, tão urgente quanto a saúde física e bem-estar destas pessoas, é preciso haver a atenção à saúde mental de toda a população. Diversas ações foram desencadeadas e à frente de uma delas estava Gisele Dhein, professora do curso de Psicologia da UNIVATES. Durante essa fase inicial, segundo ela, as redes de saúde dos municípios desempenharam um papel fundamental na garantia da eficácia do trabalho voluntário, direcionando a equipe para as áreas mais necessitadas, conforme as orientações de profissionais de referência em cada município. É desta experiência que a professora traz seu relato em evento promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, nesta quinta-feira, 30-11-2023, às 17h30. A atividade é gratuita, com transmissão pelo canal do IHU no YouTube.
O que a população do Vale do Taquari vem sentindo, infelizmente, não é uma exclusividade deles. Se formos levar em conta somente as recentes enchentes de novembro, este sentimento também passou a ser realidade por quem vive na região do Vale do Caí, Delta do Jacuí e até em Porto Alegre. Ver-se diante de um desastre ambiental como as enchentes é, de forma abrupta, sentir a insignificância do ser humano diante do poder e força da natureza, que reage diante de uma crise climática. Submetidas a estas condições, pessoas podem ter as reações mais diversas. Observe este homem, diante da sua casa, na cidade de Eldorado do Sul, bem próximo de Porto Alegre.
Essa é a situação de Eldorado do Sul. Enquanto o povo sofre com água no pescoço, Eduardo Leite quer destinar R$ 50 mil para o aparelhamento da Defesa Civil e R$ 40 mil para situações de calamidade. Esse é o orçamento dele, que também não cumpre o mínimo para saúde e educação.… pic.twitter.com/LcgQlo4TdB
— Laura Sito ? (@laurasito) November 21, 2023
O sujeito consegue elaborar o que sente e partilha isso em rede social. Mas não conseguimos imaginar o que passa em seu coração neste momento. Embora não possamos imaginar, isso já tem nome e vem sendo considerado por muitos como um luto ecológico. Segundo a Associação Americana de Psiquiatria, eventos climáticos extremos, sejam as traumáticas enchentes, sejam as tempestades tropicais, e até mesmo calor extremos e seca, geram um estresse psicológico semelhante a quem viveu evento traumáticos como ter sido vítima de acidentes de trânsito, assaltos violentos ou perda de familiares por outro tipo de morte violenta. “As projeções assustadoras sobre o futuro do clima na Terra estão deixando os jovens cada vez mais alarmados sobre seu próprio futuro, especialmente em lugares que já estão convivendo com eventos extremos catastróficos, como incêndios florestais massivos, ondas de calor e enchentes-relâmpago”, aponta a nota da Associação publicada pelo IHU.
Isso se formos considerar apenas a ação direta destes eventos climáticos extremos. Mas outra reportagem publicada no IHU revela que a iminência deste eventos já gera muita ansiedade, especialmente entre os mais jovens, pois sabem que, dada a crise climática, terão de conviver com aumento de doenças infecciosas, enchentes, incêndios florestais e escassez de alimentos. Como aponta a reportagem, estes fatores “pintam futuro sombrio para uma criança nascida hoje caso o ritmo de emissão de carbono continue nos níveis atuais”.
Assim, se já convivíamos com a fragilização da saúde mental em decorrência de sistemas como o capitalismo, agora a humanidade se vê diante de outro desafio: enfrentar a crise climática que afeta também a sua saúde física e mental. “À medida que o mundo enfrenta a tríplice crise planetária de mudança climática, perda de natureza e biodiversidade, poluição e resíduos, há uma preocupação crescente com o impacto que essas crises têm na saúde mental”, indica mais uma reportagem sobre o tema publicada pelo IHU.
Graduada em Psicologia pela Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, é mestre em Psicologia, área de concentração Psicologia Social, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS. Doutora em Educação pela UNISC, é docente na Universidade do Vale do Taquari - UNIVATES, onde também atua como coordenadora de estágios do curso de Psicologia.
Gisele Dhein (Foto: acervo pessoal)
Já trabalhou como coordenadora de curso na mesma universidade (2015-2020). Tesoureira da Associação Brasileira de Ensino de Psicologia (ABEP, 2021-2023), tem experiência em pesquisa nas áreas de saúde coletiva, políticas públicas de saúde, migrações e infância. É membra da Câmara Técnica da CIRHRT/CNS, por indicação da ABEP (2022-2024). Integrante dos Grupos de Pesquisas Políticas Públicas, Inclusão e Produção de Sujeitos - PPIPS, Juventudes, Imagem e Educação - JImE e Grupo de Estudos em Desenvolvimento de Sistemas de Saúde - GEDESS.