11 Novembro 2023
Gaza pertence à humanidade, toda Gaza: seu patrimônio cultural e suas vidas. Vidas humanas: exatamente como as israelenses.
O comentário é do historiador da arte Tomaso Montanari, professor da Universidade Federico II de Nápoles. O artigo foi publicado pelo caderno Il Venerdì, do jornal La Repubblica, 10-11-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Enquanto escrevo esta coluna, não sei se os mosaicos dos quais gostaria de falar ainda existem. Porque se encontram (ou se encontravam) em Jabalia, na Faixa de Gaza. Precisamente onde, no dia 9 de outubro passado (no início da monstruosa represália ao monstruoso pogrom do Hamas, dois dias antes), os aviões israelenses bombardearam o mercado de frutas e vegetais, matando 50 civis que faziam as compras.
Mosaicos do século IV d.C., igreja bizantina de Jabalia, Gaza.
Nesse rio infindável de homicídios, deliberadamente perpetrados por ambos os lados, parece absurdo preocupar-se com “coisas” sem vida.
No entanto, é precisamente aí – nessas “coisas” que chamamos de obras de arte, que chamamos de “patrimônio cultural” – que parece se adensar aquilo que resta de humano no ser humano, quando isso parece ter desaparecido totalmente nos humanos vivos.
Em janeiro de 2022, esses mosaicos do século VI d.C. haviam sido abertos ao público. Mosaicos cristãos, em um território onde quem governa é o Hamas. Mosaicos de uma igreja bizantina descoberta debaixo do solo densissimamente habitado de Gaza em 1997 e depois finalmente restaurados e abertos ao público.
Oitocentos metros quadrados de mosaicos, que mostram tamareiras, árvores frutíferas, cachos de uvas, leões, gazelas, cavalos, vacas e outros animais. Um retrato da vida cotidiana daquela terra, há 15 séculos.
É um ciclo de mosaicos de extraordinária importância, porque contém também retratos, nomes e datas dos bispos de Gaza (incluindo um Zanobi, mais ou menos contemporâneo do bispo Zanobi de Florença...), e porque está assinado: “Obra dos mosaicistas Vítor e Cosme, de Ashkelon”.
Por isso, havia sido restaurado e reaberto à visitação graças à ONG francesa Première Urgence Internationale, em colaboração com a École Biblique et Archéologique Française de Jerusalém, com um financiamento de 250 mil dólares do British Council.
Tudo isso nos lembra que Gaza pertence à humanidade, toda Gaza: seu patrimônio cultural e suas vidas. Vidas humanas: exatamente como as israelenses. Esses mosaicos pertencem ao século VI, mas também ao nosso tempo. O patrimônio cultural é um além misturado no aqui e agora: um patrimônio que vive e morre com as comunidades dos vivos que o conservam.
No entanto, ele transcende a experiência de vida desses indivíduos e, assim, dá a essa vida uma projeção para o passado e para o futuro. Enquanto os filhos do mesmo Deus (o Deus de Abraão) se matam em uma luta desenfreada, aqueles mosaicos cheios de vida parecem ser o único lugar material possível de comunhão entre os vivos e os mortos. Entre os vivos de ontem e os vivos de amanhã: se permitirmos que haja um amanhã.