19 Agosto 2022
"A festa da Dormição da Mãe de Deus é apresentada nos textos litúrgicos e nas representações iconográficas como uma verdadeira Divina Liturgia celebrada por Cristo, concelebrada pelos anjos e pelos apóstolos, que tem como altar o leito fúnebre de Maria que é levada ao sepulcro e acolhida na glória pelo próprio Cristo".
O comentário é do teólogo e padre Manuel Nin, Exarca Apostólico e professor do Pontifício Colégio Grego, de Roma e publicado no seu blog, 14-08-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Hoje a fonte da vida é deposta em um sepulcro.
A tradição bizantina celebra como uma das doze grandes festas a Dormição da Mãe de Deus, no dia 15 de agosto, a celebração da sua morte e seu glorioso trânsito da terra para o céu. Os textos a festividade têm um sentido mistagógico e catequético muito forte: de fato, a liturgia é sempre uma mestra na fé dos fiéis, está impregnada de elementos que os instruem nas verdades da fé. A presença da Mãe de Deus marca os diferentes momentos do ano litúrgico das Igrejas de tradição bizantina: a primeira grande festa do ciclo litúrgico é a de 8 de setembro, ou seja, o nascimento da Mãe de Deus, e o ano litúrgico termina precisamente com a festa de hoje da sua Dormição e da sua plena glorificação no céu. Gostaria de destacar alguns aspectos teologicamente relevantes que encontramos em alguns dos tropários da festa.
Nos textos litúrgicos encontramos sempre imagens contrastantes que assumem uma força especial ao realçar, ao colocar em evidência, por oposição, a verdadeira comunhão, união entre as realidades terrestres e celestes, e assim apresentam o sepulcro como lugar de vida, o túmulo como escada para o céu: o lugar de morte e de encerramento torna-se um lugar de vida e de ascensão ao topo. Também encontramos um paralelo entre as imagens que podemos chamar de “pascoais” referentes a Cristo e aquelas referentes à Mãe de Deus: “Ó extraordinário prodígio! A fonte da vida é deposta em um sepulcro, e o túmulo torna-se escada para o céu. Alegra-te, Getsêmani, santo sacrário da Mãe de Deus. Aclamemos, ó fiéis, liderados por Gabriel: ‘Alegra-te, cheia de graça, convosco está o Senhor que por vós concede grande misericórdia ao mundo’”.
Outro dos tropários das Vésperas compara o ventre de Maria que deu à luz ao Filho, com o céu que ao acolhê-la abre por sua vez seu próprio ventre: “Hoje, de fato, o céu abre o seu ventre para receber a ela, que deu à luz àquele que o universo não pode conter; e a terra, entregando a fonte da vida, veste-se de bênção e decoro. Os anjos fazem coro junto com os apóstolos, fixando, repletos de temor, ela, que deu à luz o autor da nossa vida, enquanto passa de vida a vida”.
A festa da Dormição da Mãe de Deus é apresentada nos textos litúrgicos e nas representações iconográficas como uma verdadeira Divina Liturgia celebrada por Cristo, concelebrada pelos anjos e pelos apóstolos, que tem como altar o leito fúnebre de Maria que é levada ao sepulcro e acolhida na glória pelo próprio Cristo. Um dos tropários da Vésperas mostra essa celebração litúrgica do trânsito de Maria alternando as imagens e os "concelebrantes" terrestres com os celestes:
“Os apóstolos teóforos, elevados sobre as nuvens pelo ar de todas as partes do mundo, a um aceno do divino poder, tendo chegado junto ao teu corpo imaculado, origem de vida, tributavam-lhe as mais calorosas manifestações do seu amor”. Os primeiros concelebrantes a iniciar a liturgia são os próprios apóstolos que vêm venerar o corpo de Maria, fonte, origem de vida, daquele que é vida.
“As supremas potências dos céus, apresentando-se ao seu soberano, escoltam, repletos de temor, o corpo puríssimo que acolheu a Deus; precedem-no na ascensão ultramundana e, invisíveis, gritam às fileiras que estão mais acima: ‘Eis, chegou a Mãe de Deus, rainha do universo.”. As hostes celestes também se tornam concelebrantes da liturgia, escoltando, carregando para o alto, oferecendo com suas mãos angelicais o corpo e a alma de Maria Àquele que recebe a oferenda. O tropário continua com a citação do Salmo 23: "Levantem as portas ...", texto do salmo que também encontramos muitas vezes citado na Ascensão de Cristo, e que foi lido pelas tradições litúrgicas e patrísticas de forma claramente cristológica e na liturgia de hoje também mariológica. E, sempre o texto litúrgico, continua com a lista dos dons recebidos por meio da Mãe de Deus, aquela que é a Mãe da luz, realização da salvação: "Levantem as portas e acolham-na com honras dignas do reino ultramundano, ela que é a mãe da eterna luz. Graças a ela, de fato, realizou-se a salvação de todos os mortais. Nela, não temos a força de fixar o olhar, e é impossível tributar-lhe uma honra digna.
Afresco de Maria e Jesus, pintado na Abadia da Dormição, em Israel
A sua sobre-eminência excede todas as mentes.”. O tropário termina com uma oração à Maria para que ela se torne sempre aquela que intercede pelo povo, pela Igreja:
“Tu, portanto, ó imaculada Mãe de Deus, que sempre vives junto com o teu rei e filho doador de vida, incessantemente intercede para que seja preservado e salvo de todos os ataques adversos o teu povo novo: de fato, nós gozamos da tua proteção e, pelos séculos, com todo o esplendor, proclamamos-te bem-aventurada”.
Finalmente, em nível musical na celebração das vésperas da festa, este é um tropário que alterna os oito tons musicais da tradição bizantina que por sua vez dividem o texto litúrgico em oito partes, cantando cada uma dessas partes num tom diferente, do primeiro ao quinto, do segundo ao sexto, do terceiro ao sétimo e do quarto ao oitavo, retomando o primeiro no final.
Outro dos tropários das Vésperas, atribuído a São João Damasceno (+749), coloca o mistério da morte e glorificação de Maria de forma bela e profunda dentro do próprio mistério de Cristo:
"A Esposa imaculada e Mãe do beneplácito do Pai, aquela que por Deus foi escolhida como lugar de sua união sem confusão, entrega hoje a alma imaculada a Deus Criador: a acolhem de forma divinamente digna as fileiras dos incorpóreos, e é transferida à vida aquela que é verdadeiramente Mãe da vida, lâmpada da luz inacessível, salvação dos crentes e esperança das nossas almas”.
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A festa da Dormição da Mãe de Deus na tradição bizantina - Instituto Humanitas Unisinos - IHU