09 Novembro 2023
"Melloni coloca a ênfase na primazia do texto, preeminência que se materializa na busca da palavra e na língua para alcançar uma essencialidade não diferente daquela que caracterizava as reflexões de Bonhoeffer: entre a essencialidade buscada na meditação, nas cartas e na produção poética não há, portanto, nenhuma descontinuidade".
O texto é de Enrico Paventi, comentando a obra Pesias de Dietrich Bonhoeffer (Marietti 1820, pp. 105), publicado por Il manifesto, 08-11-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Lucidamente apresentada e meticulosamente editada por Alberto Melloni, essa nova versão italiana das Pesias de Dietrich Bonhoeffer (Marietti 1820, pp. 105, 10 euros) pretende propor plenamente a musicalidade e a riqueza lexical dos textos originais. Textos compostos entre junho e dezembro de 1944, quando o autor estava preso na prisão Tegel de Berlim, testemunham como ele depois de se expressar através de ensaios e missivas sentiu a necessidade de usar a linguagem densa dos versos.
De substancial importância, a esse respeito, é o que o teólogo escreveu ao seu amigo fraterno Eberhard Bethge em 5 de junho de 1944: “Parece que sou um garoto tolo se continuo a te esconder que às vezes me entrego a tentativas poéticas. Até agora eu escondi isso de todos... Então hoje vou te enviar uma prova." A lírica em questão, intitulada Passado, é a primeira de um corpus formado por dez poemas compostos por um intelectual que mostra ter sido profundamente influenciado por algumas lembranças e algumas leituras: dos Lieder de Paul Gerhardt (1607-1676), dos Salmos e do Apocalipse.
Melloni coloca a ênfase na primazia do texto, preeminência que se materializa na busca da palavra e na língua para alcançar uma essencialidade não diferente daquela que caracterizava as reflexões de Bonhoeffer: entre a essencialidade buscada na meditação, nas cartas e na produção poética não há, portanto, nenhuma descontinuidade. Também deve ser notado como seus versos devem ser colocados na escuridão da prisão de onde provêm, no sofrimento padecido por aquele que teme por sua vida e aguarda angustiado, esperando que talvez se abra uma fresta de esperança, a evolução dos eventos.
Apesar de tudo, o que se destaca – razão fundamental – é a presença de Deus, entidade capaz de contrabalançar todas as atrocidades da história e da existência. O teólogo escreve sobre isso em Ventura e desventura: “A ventura é cheia de medo, / a desventura é cheia de doçura. / Indivisíveis parecem vir, uma da outra, da eternidade". E então conclui: “Esta é a hora da fidelidade, / a hora da mãe e da amada,/ a hora do amigo e do irmão./ Fidelidade que ilumina cada desventura/ e leve a recobre / de clemente esplendor sobrenatural ."
O canto de Bonhoeffer parece, portanto, permeado de Deus. E talvez não seja por acaso que – à luz da sua condição – compôs dois poemas dedicados a figuras bíblicas como Moisés e Jonas. A morte de Moisés parece, portanto, espelhar o destino do autor, o sacrifício de quem é suprimido a um passo da libertação, o seu abandono ao Ser Supremo: “Segure-me agora, pegue-me! / Meu cajado cai, / Deus Fiel, prepara o meu sepulcro."
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Bonhoeffer e os versos dolorosos da escuridão da prisão de Tegel - Instituto Humanitas Unisinos - IHU