27 Outubro 2023
Os compromissos em nome de uma Igreja sinodal são credíveis quando um padre acusado de repetidos abusos sexuais encontra uma nova diocese?
O comentário é de Katie Prejean McGrady, publicado por La Croix International, 26-10-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Quase todas as manhãs, a caminho da escola, minhas filhas acenam para a Igreja Católica pela qual passamos e dizem: “Oi, Jesus!”. É um pequeno gesto de sua fé profunda e que me dá grande esperança. Mesmo com apenas seis e três anos, elas sabem que o Senhor está ali, Jesus está presente na Eucaristia, dentro do sacrário, atrás do altar da igreja por onde passamos.
Mas, em algumas manhãs, como no dia 25 de outubro, essa grande esperança na jovem fé delas e no meu amor pela Igreja durou pouco. Porque às vezes a Igreja me decepciona, e mesmo a fé crescente das minhas duas filhinhas parece não conseguir reanimá-la.
Eu esperava que minha quarta-feira seria passada lendo a Carta ao Povo de Deus do Sínodo dos Bispos, animada para ver o que um mês de encontros havia apresentado como um caminho a seguir para a nossa Igreja. E eu a li, entusiasmada por encontrar referências ao testemunho das famílias, à necessidade de homens e mulheres leigos se envolverem na liderança dentro da Igreja e ao incentivo a escutar até mesmo aquelas pessoas que se sentem descartadas e excluídas.
Mas, então, uma frase se destacou para mim. Uma frase que eu fiquei feliz em ver:
“Acima de tudo, a Igreja do nosso tempo tem o dever de escutar, em espírito de conversão, aqueles que foram vítimas de abusos cometidos por membros do corpo eclesial e de se empenhar concreta e estruturalmente para que isso não volte a acontecer.”
Palavras poderosas, pensei eu. A Igreja tem o dever de escutar as vítimas de abuso, a Igreja deve estar empenhada em garantir que isso não volte a acontecer. Deus seja louvado!, pensei eu. Palavras sólidas que declaram um compromisso firme de combater, erradicar e corrigir os abusos do passado.
É triste, então, que essa carta destacando o trabalho do Sínodo tenha sido divulgada no mesmo dia em que surgiu a notícia de que o Pe. Marko Rupnik, um abusador em série acusado de forma credível, talvez até protegido pelo Papa Francisco, foi incardinado na Diocese de Koper, na Eslovênia.
Essas palavras da carta sinodal soam vazias agora, porque parece não haver nenhum compromisso para garantir que esse abuso não ocorra de novo, quando o ex-jesuíta de 68 anos recebe uma nova diocese para viver, trabalhar e servir como padre após acusações credíveis de abuso espiritual e sexual contra mulheres religiosas durante décadas.
Como é possível que esse seja um compromisso firme de lutar contra qualquer coisa que não seja a dignidade das vítimas de abuso? O que é a sua nova incardinação, senão uma erradicação da nossa confiança no compromisso da Igreja de retificar e prevenir os abusos? O que é o Pe. Rupnik na Diocese de Koper, senão uma correção dos nossos pressupostos de que a Igreja está profundamente comprometida em corrigir os erros do passado e em proteger dos abusos as crianças e os adultos vulneráveis?
Amo a minha fé e amo a nossa Igreja, e queria muito que os últimos dias do Sínodo sobre a Sinodalidade fossem uma celebração do bom trabalho que tantos fizeram este mês para trazer à tona a conversa, o diálogo e a escuta na nossa Igreja. Tenho grande esperança na Igreja e pela Igreja quando olho para a fé das minhas duas meninas que acenam alegremente para a igreja paroquial quando passamos de carro.
Mas tenho dificuldade em expressar esse amor ou em me firmar nessa esperança quando, no mesmo dia, somos informados de que o trabalho sinodal da Igreja está tão profundamente comprometido em acabar e erradicar o abuso a ponto de um abusador acusado de forma credível ser incardinado em uma nova diocese e poder continuar sendo padre.
Como é possível que isso seja uma escuta sinodal das pessoas que foram feridas por abusos? Como é possível que essa seja uma Igreja sinodal que reserva espaço para as vítimas feridas física e espiritualmente pelo abuso? Na verdade, parece que ninguém está sendo cuidado nas margens, mas, ao invés disso, as vítimas de abuso estão sendo empurradas para elas.
Quando a nossa atenção poderia ter se concentrado no bom trabalho do Sínodo, no documento vindouro e no diálogo contínuo durante o próximo ano, em vez disso, todo o mundo nas mídias católicas e nas mídias sociais foram (com razão) tomados de raiva frente à nova atribuição de Rupnik.
Aquele que poderia ter sido um dia em que celebramos e acreditamos em declarações sólidas sobre o bom trabalho do Sínodo e da Igreja que somos, foi, em vez disso, um dia consumido por uma fúria justificada sobre o aparente “passe livre para sair da prisão” de um acusado de abuso.
O católico normal que vai à missa aos domingos e que não está constantemente navegando nas redes sociais digitais pode não saber quem é o Pe. Marko Rupnik, do que ele foi acusado ou por que é um escândalo muito grande o fato de ele receber uma nova atribuição sem quaisquer repercussões aparentes. Talvez sejam apenas as pessoas antenadas e constantemente conectadas às notícias católicas que conhecem essa história e estão irritadas com ela.
Mas, quer isso vire manchete na grande mídia ou no boletim paroquial, ou não, é realmente um dia triste quando o bom trabalho da Igreja é totalmente ignorado (e com razão) devido à terrível decisão de transferir os abusadores e de achar que ninguém vai notar.
Podemos não saber toda a história do Pe. Marko Rupnik, embora boas reportagens tenham revelado muito sobre as denúncias, sobre os supostos encobrimentos, sobre a remoção dos jesuítas e sobre a tentativa de reabilitação de sua reputação. Podemos não saber todo o espectro do que está por vir, já que (espero) mais coisas serão investigadas para saber toda a extensão do que ele fez e como podemos ajudar as pessoas a se curarem dos erros e das ações dele.
Mas sei que a presença do Pe. Rupnik nas manchetes e sua nova atribuição frustraram grande parte da minha esperança na Igreja hoje, assim como da esperança de muitas pessoas, e será um longo caminho de volta a partir das margens para as quais as pessoas que se preocupam com a erradicação do abuso pela Igreja foram empurradas.
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O Sínodo e o escândalo Rupnik - Instituto Humanitas Unisinos - IHU