28 Outubro 2023
A pesquisadora do Instituto Espanhol de Oceanografia de Málaga estuda os micro-organismos do oceano, que produzem metade do oxigênio do planeta. Ela reclama a regulamentação da mineração incipiente que pode alterar os ecossistemas do fundo do mar.
A entrevista é de Elisenda Pallarés, publicada por La Marea/Climática, 26-10-2023. A tradução é do Cepat.
Os oceanos são fonte de vida, fornecem alimentos, capturam carbono e absorvem 89% do excesso de calor acumulado. São também uma fonte infinita de inspiração artística. Por todas estas razões, a relação entre o ser humano e o oceano é um dos eixos da programação da nova edição ampliada do festival de literatura Kosmopolis do Centro de Cultura Contemporânea de Barcelona (CCCB).
Este encontro reúne em Barcelona criadores como Enrique Vila-Matas ou David Abulafia, mas também cientistas que estudam a vida marinha e o impacto da ação antropogênica sobre ela. É o caso da ecologista microbiana Isabel Ferrera, que dialogará com a artista e oceanógrafa Cristina Romera – ambas pioneiras no estudo do fundo do mar – sobre o estado atual dos oceanos.
Antes do evento, conversamos com Isabel Ferrera via Zoom para saber em que consiste o seu trabalho de pesquisa, que realiza no Instituto Espanhol de Oceanografia de Málaga do CSIC. Ela é uma das poucas pessoas que desceu a 2.600 metros de profundidade a bordo do Alvin, o submarino que descobriu os restos do Titanic. Ela olha para onde poucos conseguem olhar. Estuda a vida de micro-organismos imperceptíveis a olho nu na imensidão do oceano, local praticamente desconhecido do ser humano mas que já está previsto para ser explorado através da mineração subaquática.
O que você sentiu na expedição a bordo do Alvin que desceu até 2.600 metros de profundidade?
Muita emoção e muito privilégio. E um pouco a sensação de que se está pousando na Lua. Estes sistemas são tão desconhecidos… Estima-se que apenas 1% do fundo dos oceanos tenha sido explorado. Sabemos mais sobre a superfície da Lua do que sobre o fundo do oceano. No fundo do oceano há muita planície abissal, mas os sistemas hidrotermais são tão estranhos e diferentes de todo o resto que creio que tive a sensação de que o próximo passo seria ser astronauta.
Comecei a trabalhar nisso porque me fascinou desde que fiz a licenciatura e nos falaram sobre a vida em ambientes extremos, que esses ecossistemas poderiam estar relacionados com a origem da vida, sobre formas estranhas como vermes gigantes e coisas um pouco alienígenas. Mas aí lembro que o que mais me impressionou foi a geologia, mais do que a biologia. Você vê as placas tectônicas e tem a sensação de estar no eixo da Terra e vê aquela magnificência da natureza.
O que uma ecologista microbiana estuda no oceano?
Assim como se estuda a ecologia das florestas ou de diferentes ecossistemas, a ecologia microbiana visa estudar os sistemas dominados por micro-organismos. Um deles é o oceano, porque embora imaginemos o oceano cheio de baleias, peixes e outros, o que mais nele há são micro-organismos. É bastante novo, o estudo dos micro-organismos está sempre atrasado em relação aos outros organismos porque é difícil observá-los e identificá-los. E é importante porque a maior parte da biodiversidade do planeta é microbiana; os micróbios dominam todos os ecossistemas.
Somos um ser humano carregado de micro-organismos. Simplesmente por serem o maior reservatório de biodiversidade é interessante estudá-los, mas também porque são responsáveis pelo funcionamento do planeta em geral. Fala-se muito agora sobre o conceito de uma só saúde. É a mesma coisa, a saúde dos oceanos depende dos micro-organismos e a nossa saúde depende dos micro-organismos.
Os micro-organismos produzem metade do oxigênio do planeta e reciclam todos os nutrientes do oceano e são os motores dos ciclos biogeoquímicos, permitindo que o planeta continue a funcionar. No atual contexto de mudança global, os micro-organismos podem ser a fonte do problema e a solução para o problema ao mesmo tempo. Geram gases de efeito estufa, quando respiram produzem CO2, metano e óxido nitroso, e também os consomem. Então, dependendo da sua atividade, serão mais um problema ou uma solução. E a sua atividade dependerá de como as condições mudam naturalmente e de como alteramos essas condições.
Os micro-organismos também são encontrados em grandes profundidades oceânicas?
Sim, existem os micro-organismos das partes mais rasas e os de grande profundidade. Na verdade, agora temos aqui o vulcão El Hierro, um sistema vulcânico submerso. Estudei aqueles de grandes profundidades que estão nas dorsais oceânicas e que geralmente ficam entre 2.000 e 5.000 metros de profundidade. Existe também a Fossa das Marianas a mais de 10.000 metros. Estes ecossistemas foram descobertos em 1977 e foi uma revolução porque ninguém esperava que pudesse existir vida naquelas condições. São condições extremas com alta pressão (se for a 3.000 metros são 300 atmosferas, é como ter 300 vezes o seu próprio peso sobre você), em água com temperatura muito fria e com um fluido que costuma ser muito ácido.
A primeira fonte foi descoberta nas Galápagos e chamaram-na de Jardim do Éden porque era como um oásis ou jardim de vida estranha para nós. Até então, pensava-se que toda a vida no planeta dependia de alguma forma da luz solar. As plantas terrestres ou as microalgas e bactérias do mar utilizam a luz e através da fotossíntese geram matéria orgânica, alimentos para outros organismos, e pensava-se que toda a vida dependia desta produção primária. Mas nestes ecossistemas descobriu-se que a vida é gerada não apenas com a energia solar, mas também com a energia química proveniente dos fluidos hidrotermais. É a base da cadeia alimentar para que toda uma vida possa ser gerada ao seu redor.
Você disse que metade do oxigênio do planeta depende dos micro-organismos marinhos. O oceano absorveu quase 90% do calor acumulado no sistema Terra entre 1960 e 2020. Como pode este aquecimento afetar a atividade destes micro-organismos?
Depende de muitos fatores. Como você disse, o oceano sequestra CO2 através de organismos fotossintéticos, como as pradarias submersas ou os manguezais, que são sumidouros de carbono. E os micro-organismos em geral também fazem parte da chamada bomba biológica de carbono. Se essa bomba estiver muito ativa, o carbono desce para o fundo e permanece sequestrado e não retorna à atmosfera durante milhares de anos. Se a bomba for alterada por qualquer motivo, pode ser uma fonte de carbono e emitir CO2. Ainda não se sabe muito sobre como o aquecimento global os afeta, mas se observam mudanças a longo prazo nas espécies que existem e na sua atividade.
Em março, a ONU alcançou o consenso para aprovar o Tratado Global dos Oceanos. Acha que é importante conhecer melhor os oceanos para conseguir uma maior proteção dos seus ecossistemas?
Claro. Trabalhando com os micro-organismos também acontece um pouco isso. Agora as pessoas começam a discutir se a biodiversidade microscópica deve ou não ser protegida. No final das contas, tudo o que nós, humanos, fazemos tem um ponto de vista antropocêntrico. Para nós, uma baleia ou um pinguim têm uma função muito importante porque, pela nossa percepção, são o que chamamos de espécies carismáticas. Obviamente, estas espécies têm um papel importante no ecossistema, mas existem outras espécies menos carismáticas, como os micróbios, que têm um papel muito mais importante. Agora as pessoas começam a falar sobre o seu papel na “solução” para as mudanças climáticas e a necessidade da sua conservação.
O problema é que grande parte do oceano está em águas internacionais e é difícil criar parâmetros de proteção. O maior problema dos ecossistemas hidrotermais atualmente é a questão da mineração oceânica, algo de que se fala pouco. A Espanha não está muito envolvida nisto porque não temos a tecnologia necessária, mas a França e os Estados Unidos pretendem explorar estes ecossistemas para extrair minerais que estão se esgotando em outros sistemas.
Isto é difícil de proteger, porque as dorsais meso-oceânicas não pertencem a ninguém. Não sou especialista em política, mas imagino que, a longo prazo, isto terá de ser regulamentado, tal como o Tratado da Antártida foi assinado na sua época. Entendo o interesse na extração de minerais, mas essa mineração oceânica deveria ter um estudo de impacto ambiental.
O Instituto Espanhol de Oceanografia também pesquisa o Mar Menor. Por quê? O que você destacaria sobre seu estado de conservação?
O Mar Menor é muito controverso… É surpreendente que não tenha sido estudado antes. É um ecossistema icônico e único que tínhamos na Espanha e o conhecimento científico que existia sobre ele era muito pequeno. Em 2016, quando ocorreu a famosa sopa verde e o sistema entrou em colapso, o Instituto Espanhol de Oceanografia iniciou um programa de monitoramento e parte das análises foram realizadas a partir de Málaga. Os responsáveis pelas transformações dos nitratos que entram na lagoa são principalmente micro-organismos. Meu trabalho consiste em tentar decifrar como se transformam esses nitratos que entram no Mar Menor e que efeito isso tem no funcionamento do ecossistema.
Há um efeito negativo nas imagens de peixes mortos que vimos, certo?
Houve dois eventos massivos de mortandade de peixes: um em outubro de 2019 e outro em agosto de 2021, cujo efeito visual foi o mesmo – diminuição do oxigênio e consequente mortandade dos peixes. Ao estudar os micro-organismos, o que posso afirmar hoje é que os mecanismos que deram origem a esses eventos são diferentes. Você tem que entender quais são as causas e as consequências.
Ainda existe algum lugar intocado no planeta?
A pegada humana está em toda parte. Está na atmosfera, no fundo do oceano e em praticamente todas as espécies, na Antártica, no Polo... Isso tem que nos fazer refletir: o mundo é um só e tudo está interligado. Às vezes você pensa que o que acontece em outro lugar não importa para você porque não o afeta, mas afeta. Na verdade, uma das coisas que conecta praticamente tudo são os oceanos, e se os alterarmos estamos alterando um pouco todo o planeta.
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“Sabemos mais sobre a superfície da Lua do que sobre o fundo do oceano”. Entrevista com Isabel Ferrera - Instituto Humanitas Unisinos - IHU