A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo Mateus 21,33-43, que corresponde ao 27º Domingo do Tempo Comum, ciclo A do Ano Litúrgico. O comentário é elaborado por Ana Maria Casarotti, Missionária de Cristo Ressuscitado.
Neste domingo a liturgia oferece-nos uma nova parábola, comumente chamada de parábola dos vinhateiros assassinos. É dirigido aos líderes religiosos que rejeitam Jesus e as suas ações. No domingo passado meditamos na parábola dos dois filhos e nas suas diferentes respostas e atitudes ao convite do pai para trabalhar na sua vinha. O evangelho de Mateus nos apresenta esta nova parábola. Detenhamo-nos na pessoa do proprietário e no processo que ele realiza para plantar a sua vinha.
Lembremos que a vinha é uma das imagens mais utilizadas no Antigo Testamento para se referir ao povo eleito. Antes de plantar a sua vinha, o proprietário possivelmente procurava terrenos férteis que preparou com dedicação e esforço para que a sua vinha crescesse e desse frutos. Podemos imaginar o tempo que antecede o plantio da sua vinha, a procura de um solo adequado e fértil para que ela dê frutos. Na Palestina, no tempo de Jesus, as vinhas eram plantadas nas encostas dos morros ou, em alguns casos, também nas encostas. Eles precisam de muito sol e cuidados. O terreno é preparado escavando o local, retirando pedras grandes para que não atrapalhem o crescimento da vinha.
Se seguirmos a ação do proprietário, ele nos diz que depois de “plantar” a vinha, “cercou-a com um muro, cavou um lagar e construiu uma torre”. Quatro ações fundamentais realizadas pelo proprietário: plantar, cercar com muro, cavar um lagar e construir uma torre. Quatro momentos que se complementam e enriquecem. Como dissemos antes, o proprietário procura um determinado terreno e podemos imaginá-lo andando, observando, vendo as condições do terreno. Ele não faz isso ao acaso, mas leva tempo para encontrar o terreno que deseja. Ele conhece as condições do terreno que são necessárias para que a vinha cresça e dê muitos frutos. Ele também conhece todo o processo que uma vinha exige para ter uma boa colheita.
Após o plantio, “ele o cerca com um muro”, ou seja, o protege daquilo que pode impedir o bom crescimento, seja dos animais que nele entram, sejam das pessoas que podem tirar os primeiros frutos da sua colheita. A cerca faz parte do processo que envolve a guarda do que é seu. Construir o muro ou colocar uma cerca são ações que levam tempo e que, no olhar atento do proprietário em busca do terreno, já estavam incluídas.
Em terceiro lugar, “cavar um lagar”, que é o local onde as uvas foram pisadas para extrair o suco. Os lagares eram geralmente escavados no chão da rocha e era deixado um buraco para o suco fluir. Em geral, as uvas que eram colocadas no lagar eram pisadas e assim esmagadas por dois ou três homens. O proprietário dá continuidade ao processo que a sua vinha necessita para obter uma boa colheita. Uma nova condição que o proprietário deve considerar ao procurar um terreno para plantar a sua vinha: tem que ter pedras nas proximidades do seu terreno para nelas cavar o lagar, pois é essencial como etapa após a vindima.
Ele conclui este processo com uma quarta ação: “construir uma torre”. A importância desta torre é zelar e cuidar da vinha, estar atento aos detalhes do seu crescimento e também a possíveis vagabundos que se encontrem na zona. No evangelho de Lucas (14,28-30) Jesus fala à multidão que o seguia e menciona uma torre que não pode ser concluída porque não foram calculadas as despesas necessárias. No nosso texto, o proprietário deve procurar o terreno com as condições anteriormente mencionadas, sem omitir nenhuma delas, pois cada uma é de vital importância para a fertilidade da vinha.
Embora cada ação seja independente e tenha características próprias, elas devem ser realizadas no tempo necessário e não podem ser realizadas de passagem e muito menos evitadas. Plantar, cercar com muro, cavar um lagar e construir uma torre nos levam a pensar em ações coordenadas e, ao mesmo tempo, complementares entre si. Podemos assim entrar no coração do proprietário que progressivamente se afeiçoa à sua vinha, como um tesouro que cuida cuidadosamente ao realizar todo o processo que a sua plantação exige. É algo muito querido para ele, ao qual dedicou seu tempo com muito cuidado.
A história prossegue dizendo que “ele alugou a vinha a alguns arrendatários e foi-se embora”. O proprietário confia e entrega o tesouro da sua vinha a um grupo de viticultores para posteriormente recolherem os frutos da sua colheita. O texto evangélico apresenta-nos agora outra sequência de ações, que é a dos proprietários das vinhas: “espancam, matam e apedrejam” os servos. Ações que se repetem com os dois grupos de colaboradores enviados. São ações violentas que terminam finalmente com a morte do filho que é morto fora da cidade com a intenção de ficar com a vinha.
Lendo esta segunda parte do texto, podemos pensar que o proprietário é ingênuo, pois poderia tê-los expulsado e deixado-os fora de sua propriedade. Mas sua ação continua a ser motivada pelo mesmo sentimento que o motivou a plantar aquela vinha: o amor, que se traduz em amor ao seu povo, a cada um em particular. Esse amor não depende da resposta obtida, e por isso tenta várias vezes colher o fruto da sua vinha. É um amor livre e confiante. Segundo o relato do Evangelho, Jesus termina a parábola perguntando: “Quando o dono da vinha voltar, como tratará aqueles vinhateiros?”
E obtém a resposta: “Ele acabará com esses malvados e alugará a vinha a outros vinhateiros que lhe darão o seu fruto no devido tempo”.
A resposta dada pelos líderes religiosos do templo é uma ação cheia de violência que de alguma forma revela a sua agressividade para com Jesus. Evidentemente não compreenderam que foram eles que “espancaram e apedrejaram” aqueles que foram enviados para colher os frutos da colheita. Continuam a considerar-se guardiões zelosos da lei e das ações divinas, embora tenham sido eles que se apropriaram da vinha que lhes foi confiada. Mas eles são surdos à mensagem anunciada porque permanecem cegos pela sua própria perfeição. São considerados a única porta pela qual entra o curral, ao contrário do que João dirá no seu Evangelho (cf. Jo 10).
Jesus continuará dizendo que a pedra que eles rejeitaram se tornou a pedra angular e então ele diz: “eles tirarão o Reino de Deus e o darão a um povo que produzirá frutos”. É aqui que os lideres religiosos entendem que ele está se referindo a eles e sua reação é mais uma vez motivada pela violência: "tentam prendê-lo", mas não o fazem porque têm medo da multidão - como já havia acontecido quando questionados sobre o batismo de João.
O grupo que detém o poder religioso e procura repudiar Jesus, tanto nas suas práticas como nas suas palavras, é um grupo violento mas cheio de medos e motivado pelo medo da opinião pública. Em diversas ocasiões, seus membros sabem o que precisam fazer mas não o fazem por “medo da multidão”. As suas convicções não têm uma base sólida, mas são passageiras e inconsistentes. Construíram uma estrutura religiosa sem alicerce na “rocha que os salva” e por isso não conseguem ver a “pedra angular” em Jesus.
Neste domingo o texto nos convida a perguntar: quais são os alicerces sobre os quais construímos a nossa vida cristã?
Estamos a cuidar de uma vinha que não nos pertence e que o seu dono ama e cuida com muito carinho? Somos colaboradores e sentinelas daquela vinha para que na época da colheita os seus frutos sejam abundantes?
Como diz o Papa Francisco no fim da sua nova exortação apostólica Laudate Deum: um ser humano que procura ocupar o lugar de Deus torna-se o pior perigo para si mesmo (LD, 73).