"A parábola da vinha, vista na perspectiva contemporânea, nos chama a atuar como cuidadores fiéis da criação e uns dos outros. Ela questiona se estamos sendo verdadeiros "frutos" no vinhedo do Criador, honrando o investimento e o amor que foram depositados em nós.
Isso implica uma vida impregnada de justiça ativa, expressando amor não apenas em palavras, mas também por meio de ações impactantes que visem tanto o bem-estar coletivo quanto a proteção meticulosa da criação. Em um planeta assolado pela crise climática, com a degradação ambiental tocando todos os recantos do nosso ecossistema global, somos conclamados a manifestar o Reino de Deus em nossas vidas, escolhendo e adotando práticas sustentáveis que reverberem os valores do Evangelho. Essa abordagem intencionalmente ecológica é vital, adotando uma ética de sustentabilidade que confronta diretamente as questões climáticas, promove a biodiversidade e assegura a viabilidade dos recursos naturais para as gerações futuras. Assim, nossa fé e atuação se entrelaçam na construção de uma sociedade que seja não apenas mais justa e amorosa, mas também ecologicamente responsável e sustentável, pautando cada decisão e ação na manutenção consciente da casa comum que compartilhamos."
A reflexão é de Gisele Canário, leiga. Ela possui graduação em teologia pelo Instituto São Paulo de Estudos Superiores e é mestra em teologia com ênfase em exegese bíblica (Antigo Testamento) pelo Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Atualmente é assessora no Centro Bíblico Verbo, onde atua na confecção de materiais para estudos bíblicos, formação em comunidades eclesiais e cursos bíblicos online. É analista de pastoral na rede Marista de colégios. Ela também desenvolve materiais didáticos para cursos de Teologia - UNIASSELVI e participa do grupo de pesquisa “Tradução e Interpretação do Antigo Testamento” (TIAT).
1ª Leitura - Is 5,1-7
Salmo - Sl 79,9.12.13-14.15-16.19-20 (R. Is 5,7a)
2ª Leitura - Fl 4,6-9
Evangelho - Mt 21,33-43
As leituras desse domingo nos inserem nas reflexões sobre a vinha e a Vida na palavra de Deus.
Isaías 5,1-7 inaugura as leituras desse domingo com uma metáfora poderosa sobre as expectativas de Deus em relação ao Seu povo. O contexto histórico de Isaías 5,1-7 encontra-se inserido no período da monarquia em Israel, especificamente durante os reinados de Uzias, Jotão, Acaz e Ezequias, reis de Judá, no 8º século a.C. Este foi um período turbulento e de significativas tensões políticas e sociais. O reino de Israel (ao norte) e o reino de Judá (ao sul) estavam frequentemente em conflito com as nações vizinhas e, internamente, a sociedade estava saturada com disparidades econômicas e injustiças sociais. Os profetas, incluindo Isaías, surgem nesse contexto como vocais críticos contra as práticas injustas, advogando pela observância das leis divinas, justiça e integridade moral.
A metáfora da vinha em Isaías 5 é uma crítica insistente à infidelidade de Israel e Judá à aliança com Deus, denunciando a corrupção, a injustiça social e a idolatria que prevaleceram na sociedade da época, e ao mesmo tempo, é um doloroso lembrete das expectativas não correspondidas de Deus quanto à justiça e retidão por parte do Seu povo. A vinha, plantada com zelo e cuidado, representa a casa de Israel. Deus, o viticultor, cria um ambiente propício para o florescimento da vinha, esperando que ela produza bons frutos. A reviravolta é quando, ao invés de uvas suculentas e saudáveis, a vinha gera uvas selvagens, um símbolo de injustiça e iniquidade na sociedade.
O Salmo 79(80) ecoa o sentimento do trecho de Isaías. Ilustra um diálogo direto entre o povo e Deus, onde a videira – Israel, é descrita em seu estado vulnerável e necessitando de proteção e cuidado. Há um pedido de restauração, um chamado à interferência divina para salvar a vinha da desolação.
Filipenses 4,6-9 é parte de uma carta do apóstolo Paulo escrita enquanto ele estava na prisão, provavelmente em Roma, por volta de 60-62 d.C., e é dirigida à comunidade cristã na cidade de Filipos, uma colônia romana significativa na Macedônia. Este contexto prisional dá à carta uma tonalidade única de alegria e encorajamento, apesar das circunstâncias adversas do apóstolo. A comunidade em Filipos era caracteristicamente diversificada e enfrentava desafios internos, como disputas e desentendimentos, além de pressões externas, oriundas tanto do ambiente socio-político romano quanto da população pagã circundante. As palavras de Paulo em 4,6-9 servem como um lembrete e encorajamento para que os filipenses permaneçam firmes, sejam alegres, gentis, e mantenham suas mentes focadas no que é verdadeiro e nobre, promovendo a paz de Deus em meio aos desafios e perseguições que poderiam enfrentar.
A parábola dos vinhateiros assassinos em Mateus 21,33-43 é apresentada num contexto crucial da vida e ministério de Jesus: Sua última semana em Jerusalém, pouco antes de Sua paixão e morte.
Este período é marcado por crescentes tensões entre Jesus e as autoridades religiosas judaicas, como os fariseus e os sumos sacerdotes. Jesus já era visto como uma ameaça ao status quo religioso e político, e suas parábolas eram frequentemente carregadas de críticas à liderança religiosa e à maneira como lidavam com a "vinha", isto é, o povo de Deus. A parábola é uma alegoria clara do desagrado de Deus com os líderes religiosos da época, que haviam falhado em sua missão de guiar o povo na justiça e na verdade, e também prefigura o evento iminente da rejeição e crucificação de Jesus. Portanto, o contexto histórico aqui é um de confronto iminente, onde Jesus, ciente de seu destino, denuncia corajosamente a falha e a corrupção da liderança judaica.
O encadeamento que une estes textos bíblicos se desenha claramente: Deus cria, investe, e espera que os beneficiados por Sua generosidade e misericórdia produzam frutos positivos, éticos e justos. Deus espera de nós ações que reflitam Sua bondade, justiça e amor.
Na sociedade contemporânea, a mensagem repercute com a necessidade de uma reflexão crítica sobre nossa atitude enquanto “vinha”. Será que estamos produzindo os frutos que Deus espera? Será que estamos agindo de forma justa, promovendo a paz e auxiliando o próximo? Paulo nos lembra que a paz de Deus, que ultrapassa todo entendimento, guarda os corações e pensamentos daqueles que estão em Cristo Jesus. Entretanto, essa paz não é passividade, mas sim um chamado para a ação alinhada com os valores divinos.
Assim, na ótica exegética, os textos nos convocam a uma autêntica vida de fé, que não é exclusivamente pietista e reservada, mas socialmente engajada e eticamente responsável. A vinha do Senhor, seja ela representando Israel ou a Igreja contemporânea, deve produzir frutos de justiça e amor. Tal expectativa divina não é somente um padrão antigo, mas uma constante, eterna esperança de Deus na humanidade.
Portanto, em nossos dias, tal reflexão se torna imperativa: cada pessoa, como parte dessa vinha global, é chamada a uma profunda reflexão e a consequentes ações práticas que reflitam os ensinamentos e o amor de Jesus de Nazaré, sendo instrumentos de justiça e paz no mundo. Nossa resposta ao amor e investimento de Deus deve ser uma vida que honre esses dons sublimes, produzindo, assim, os frutos desejados pelo Divino Viticultor.
Em um mundo cada vez mais complexo e frequentemente focado em interesses próprios, que a nossa vinha seja fértil em generosidade, justiça e amor ao próximo, testemunhando os valores do Reino que, segundo a promessa de Jesus, certamente virá.
A parábola da vinha, vista na perspectiva contemporânea, nos chama a atuar como cuidadores fiéis da criação e uns dos outros. Ela questiona se estamos sendo verdadeiros "frutos" no vinhedo do Criador, honrando o investimento e o amor que foram depositados em nós.
Isso implica uma vida impregnada de justiça ativa, expressando amor não apenas em palavras, mas também por meio de ações impactantes que visem tanto o bem-estar coletivo quanto a proteção meticulosa da criação. Em um planeta assolado pela crise climática, com a degradação ambiental tocando todos os recantos do nosso ecossistema global, somos conclamados a manifestar o Reino de Deus em nossas vidas, escolhendo e adotando práticas sustentáveis que reverberem os valores do Evangelho. Essa abordagem intencionalmente ecológica é vital, adotando uma ética de sustentabilidade que confronta diretamente as questões climáticas, promove a biodiversidade e assegura a viabilidade dos recursos naturais para as gerações futuras. Assim, nossa fé e atuação se entrelaçam na construção de uma sociedade que seja não apenas mais justa e amorosa, mas também ecologicamente responsável e sustentável, pautando cada decisão e ação na manutenção consciente da casa comum que compartilhamos.