06 Setembro 2023
"Em alguns lugares, há hesitação em buscar a intercessão de Santa Febe, uma hesitação em reconhecê-la como diácona. Sabemos que os diáconos de hoje não são os mesmos diáconos dos primeiros séculos. Mas por que temos medo desse sonho de mulheres recebidas como diáconas? Mulheres como eu já estão fazendo esse trabalho – só que sem o título", escreve Marie Philomène Péan, originária do Haiti e graduada pela Andover Newton no programa Doctor of Ministry e atualmente servindo como associada pastoral, bem como diretora espiritual e capelã, no South Boston Seaport Catholic Collaborative em Massachusetts, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 02-09-2023.
Quando era uma menina que crescia no Haiti, lembro-me de me sentir como se vivesse em um paraíso enquanto descansava tranquilamente no colo de minha mãe. Ela e nossa comunidade me fizeram sentir segura, amada e vista. Não foi difícil para mim conhecer a Deus como uma mãe amorosa que cuida de todos os seus filhos. Senti que Deus me conhecia e me chamou pelo nome para sair e proclamar sua palavra.
Aos 8 anos, eu servia como leitora em nossa paróquia e, aos 18, liderava retiros para a Legião de Maria e falava para grupos de todas as idades. Me senti acolhida para compartilhar quem eu era e trazer meus dons.
Recebi uma visão de Jesus quando tinha cerca de 15 anos, vendo-o como um belo homem negro que pacientemente me fez a mesma pergunta que fizera a Pedro no Evangelho de João (21,15-17): "Você me ama?" Senti então que Jesus estava pedindo por toda a minha vida.
Não tem sido um caminho simples. Atingi a maioridade na década de 1990, quando a maneira mais clara de uma mulher viver um chamado e compromisso mais profundos com a Igreja era através da vida religiosa. Passei anos discernindo me tornar freira – primeiro me voluntariando com uma comunidade de irmãs, depois entrando como noviça.
A oração, a irmandade e os estudos regulares eram animadores. Mas eu lutava, especialmente quando o serviço à Igreja parecia servidão. Havia restrições reais que limitavam a forma como podíamos desenvolver nossos dons e capacidades como mulheres.
Senti que Jesus estava me chamando para sair e lutei para tomar essa decisão. Nos três anos seguintes, vaguei por um deserto espiritual, experimentando uma longa noite escura da alma.
Outros olhavam e faziam julgamentos sobre por que eu saí da vida religiosa – eu devia querer um marido ou uma família, eles supunham –, mas não era onde eu me sentia chamada. Me senti incompreendida, nadando constantemente contra a correnteza.
A diácona bíblica Febe me inspirou e consolou. São Paulo assim a descreve:
"Recomendo-vos Febe, nossa irmã, diaconos da igreja de Concreia, para que a recebais no Senhor de maneira digna dos santos, e a assistais de qualquer maneira que ela vos peça, porque ela tem sido benfeitora de muitos e de mim também" (Romanos 16,1-2).
A festa de Febe é 3 de setembro, e há muito tempo encontrei uma devoção e um senso de conexão com essa antiga mulher da Igreja cristã primitiva.
Hoje, nossa igreja está procurando encontrar uma maneira de receber mais plenamente a dignidade batismal de todos os homens e mulheres. Em alguns lugares, há hesitação em buscar a intercessão de Santa Febe, uma hesitação em reconhecê-la como diácona. Sabemos que os diáconos de hoje não são os mesmos diáconos dos primeiros séculos. Mas por que temos medo desse sonho de mulheres recebidas como diáconas? Mulheres como eu já estão fazendo esse trabalho – só que sem o título.
Durante minha noite escura da alma depois de deixar o noviciado, irmãos da comunidade de Taizé nos visitaram no Haiti e me convidaram para passar um tempo com eles como membro permanente na França, onde fui encorajada a compartilhar minhas próprias experiências da Igreja e da vida no Haiti para audiências grandes e pequenas.
Algo foi reacendido quando experimentei a alegria de servir a Deus e de estar em uma comunidade que vivia uma visão tão ampla do Evangelho. Experimentei um desejo renovado de servir, e Taizé me ajudou a recuperar uma vocação como leiga na Igreja.
Senti-me enviada, pronta para ser recebido onde Jesus me enviou.
Ao retornar ao Haiti, liderei o trabalho de transformação de uma paróquia missionária abandonada em Luly em uma vibrante comunidade católica, onde pude colocar tudo o que tinha em pregação e ensino. E, no entanto, o caminho do acolhimento foi tingido de perseguição.
Líderes políticos haitianos me ameaçaram porque eu vivia a opção preferencial pelos pobres. Membros do clero planejaram me expulsar assim que eu estabelecesse uma congregação.
Depois de passar dez anos pastoreando a Igreja de Luly, e com a bênção de nosso falecido Dom Joseph Serge Miot, de Porto Príncipe, senti o espírito missionário me conduzir a uma nova terra: o clima frio do norte de Boston, Massachusetts.
Em Boston, acompanhei haitianos na Imaculada Conceição, em Everett, e a comunidade cresceu exponencialmente. Criamos um lugar de lar e pertencimento para a comunidade haitiana, pois vivíamos no que poderia ser um lugar estranho e hostil.
Aqui, fui recebida e acolhida para aprimorar minha prática ministerial como capelã certificad pelo conselho, agente pastoral e diretora espiritual. Para aprofundar ainda mais minha fome intelectual, fui incentivada a concluir o doutorado em ministério, o que fiz.
Atualmente vejo como Jesus esteve próximo, servindo-me no meu caminho e chamando-me para um serviço que não nega quem eu sou, mas o amplia. Sou capaz de fazer mais do que poderia imaginar sozinha, trazendo à tona a plenitude dos dons que Deus plantou em mim.
Visito famílias em suas casas; ofereço luto e aconselhamento espiritual, partilha da fé; ouço confissões nos leitos de morte sem oferecer o ritual da absolvição; presido funerais e velórios. Celebro com as pessoas as alegrias e milagres da vida.
Continuo a acolher ativamente meus irmãos e irmãs haitianos, muitos que vêm a Boston como refugiados e procuram a Igreja como um lugar de acolhimento e apoio. Ajudo a suprir as necessidades de moradia, alimentação, saúde e serviços jurídicos – e me sento à mesa da cozinha, chorando enquanto eles compartilham a jornada angustiante que fazem, lembrando a violência da qual fugiram.
Cada um de nós precisa de um Paulo em nossa vida, recomendando-nos que sejamos acolhidos e recebidos em lugares novos e estranhos. Precisamos daqueles que nos enviarão, dando-nos autoridade para pregar e ministrar em nome da Igreja de Jesus.
Minha própria oração é para que nossa Igreja seja tão corajosa quanto Paulo e Febe, confiando um no outro, caminhando em um mundo perigoso para trazer à tona a promessa de boas novas, acompanhando-se mutuamente na esteira de nossos encontros com Jesus ressuscitado que nos chama a amá-lo e cuidar de suas ovelhas. Acolhamos as mulheres, chamadas diáconas, como santas, iguais no ministério aos nossos irmãos e ansiosas e prontas a oferecer os nossos dons por causa do Evangelho.
Santa Febe, diácona, rogai por nós.
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Sou uma mulher que serve como diácona. Será que um dia vou compartilhar o título de Santa Febe? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU