28 Setembro 2023
"Em suma, a 'margem' pode ser considerada uma categoria teológica irrenunciável pelo seu peso eclesiológico, ético e missionário. Indica um movimento que é ao mesmo tempo centrífugo e centrípeto, uma dinâmica intrínseca ao próprio Evangelho e à história da sua difusão no mundo", escreve Marinella Perroni, biblista, fundadora da Coordenação de Teólogas Italianas, em artigo publicado por Donne Chiesa Mondo, setembro de 2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
A obra de John P. Meier, Um judeu marginal: repensar Jesus Cristo, teve um grande sucesso.
Publicada entre 1991 e 2016, é a monumental pesquisa (cinco volumes, cada um com centenas de páginas) do sacerdote católico estadunidense - biblista, que faleceu aos 80 anos em 18 de outubro de 2022, antes de completar o sexto volume - que nos faz considerar pela primeira vez Jesus na maneira como devem tê-lo considerado os seus contemporâneos: "um judeu marginal", título deliberadamente provocador.
O tema da marginalidade e, de forma muito particular, da marginalidade de Jesus, animou acesas discussões entre estudiosos de textos bíblicos.
Para Maria-Luisa Rigato, como eu, biblista teóloga e autêntica católica romana, a primeira mulher a ter tido acesso imediatamente após o Vaticano II no Pontifício Instituto Bíblico e que sentia todo o peso específico daquela universalidade a que se refere justamente a qualificação de “católica”, era difícil aceitar a redução da Igreja à marginalidade e, mais ainda, a atribuição a Jesus de Nazaré da qualificação de “marginal”.
Aquela das “margens” é de fato uma categoria que entrou plenamente no discurso público, também teológico e eclesial, mas precisamente por isso é necessário manejá-la com muito cuidado.
Além de descrever uma posição social ou religiosa, contém uma forte carga ideológica e veicula pressões contraditórias. Indica exclusão ou inclusão. E, mesmo que não seja rastreável explicitamente no Evangelho, a terminologia da marginalidade define claramente a sua parábola.
Jesus de Nazaré apenas ocasionalmente cruzou a fronteira dentro da qual inscreveu a sua missão porque sentia não ter sido "enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel" (Mateus 15,24), mas pretendeu com todas as suas forças colocar de volta no centro do povo todos aqueles que, pelos mais diversos motivos, haviam sido empurrados para fora das margens estabelecidas pela instituição: doentes, pecadores, crianças, mulheres. A partir do mandamento do Ressuscitado de fazer “discípulos todos os povos” (Mateus 28,19), ao longo da história da Igreja a missão cristã sempre foi além do centro, quer fosse Jerusalém, Antioquia ou Roma, até chegar "aos confins da terra" (Atos 1,8), procurando sempre, em todas as situações, não esquecer dos marginalizados, pobres, viúvas, doentes.
Em suma, a “margem” pode ser considerada uma categoria teológica irrenunciável pelo seu peso eclesiológico, ético e missionário. Indica um movimento que é ao mesmo tempo centrífugo e centrípeto, uma dinâmica intrínseca ao próprio Evangelho e à história da sua difusão no mundo.
Se durante muitos séculos o movimento foi predominantemente centrífugo porque os discípulos do Ressuscitado superaram fronteira após fronteira, conseguindo contribuir, às vezes mais, às vezes menos, para superar formas de marginalidade social além de eclesial, hoje a Igreja católico-romana vive forte impulsos centrípetos.
A progressiva mundialização do colégio episcopal e do pontificado fez com que das terras, das culturas e das igrejas para as quais haviam ido os missionários cristãos, hoje surge o impulso para fazer sua voz ser ouvida no centro da igreja. Uma voz teológica, litúrgica e espiritual que vem de comunidades crentes até agora marginais nas quais, no entanto, o evangelho de Jesus chegou e penetrou porque o Verbo continua dia após dia a fazer-se carne e tornar seu povo todo povo da terra (cf. João 1,14). A história do “judeu marginal” é uma parábola que se repete e continuará a se repetir, compondo de maneiras sempre novas a dinâmica entre centrípeto e centrífugo. De tudo isso, o Papa Francisco é testemunha e emblema. É sobre isso, e não sobre escaramuças de botequim, que lhe será atribuído lugar na grande história. Sua história familiar de emigração e história pessoal de vocação é metáfora de um mundo em que a relação centro-periferias já está profundamente mudada.
A história está ensinando também às igrejas que as margens são limiares que podem ser ultrapassados em ambas as direções. Cruzá-los, porém, nunca é indolor.
O que significa, por exemplo, para uma Igreja romanocêntrica, que sempre e somente exportou suas próprias convicções e costumes, colocar-se à escuta da teologia que vem dos "confins do império”, acolher as instâncias que chegam das “igrejas marginais”? Mas também: o que comporta para as comunidades cristãs espalhadas no mundo superar as múltiplas formas de marginalização devidas às desigualdades, isto é, chamar de volta para este lado das margens para além das quais a vida os empurrou, primeiramente os pobres, sejam homens ou mulheres ou povos inteiros? Sabe-se lá quantas gerações serão necessárias para explicitar a palavra “sinodalidade”. Mas Francisco indicou o caminho e tenta traçá-lo.
Persegue o seu sonho de uma igreja, mas também de uma humanidade, em que todas as vozes possam cantar no mesmo coro.
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Até os confins da terra. Artigo de Marinella Perroni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU