23 Agosto 2023
"A Eucaristia deve nos levar tanto para o interior quanto para o exterior. Reconhecemos interiormente a nossa própria salvação. Mas se não manifestarmos externamente a ação concreta de doação em favor dos outros (...) também mostramos uma falta de compreensão da presença real", escreve Micah D. Kiel, professor do departamento de teologia da St. Ambrose University, em Davenport, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 22-08-2023.
Micah D. Kiel é autor de Apocalyptic Ecology e Reading the Bible in the Age of Francis.
A pequena mesa de mármore de uma casa da era romana estava adornada com folhas de acanto esculpidas e o corpo de Dionísio. Quando a vi no museu arqueológico de Tessalônica, na Grécia, desabei chorando, embora não soubesse por quê. Vários meses depois, ao fazer uma palestra para minha diocese sobre as Escrituras e a Eucaristia, e discutindo essas mesas, a mesma coisa aconteceu. Eu engasguei, segurei as lágrimas, e eventualmente tive que pedir desculpas e fazer uma pausa rápida antes de conseguir continuar falando. O que há de errado comigo?
Acho que entendi. Fui levado às lágrimas porque os antigos politeístas, aqueles que frequentemente chamamos de pagãos, viam Deus em todos os lugares. Deus estava em cada canto de suas vidas. Deus estava na entrada de suas casas, no mercado, ao redor de suas lareiras, no ginásio e em suas mesas.
Claro, esses eram politeístas, mas são exatamente essas pessoas cuja conversão tornou possível o crescimento e o sucesso do cristianismo. Enquanto podemos olhar para trás em suas vidas e vê-los como supersticiosos ou estranhos, há uma beleza profunda e um poder em sua piedade.
A doutrina da presença real na Eucaristia se desenvolveu em um mundo onde Deus estava em todos os lugares. As lágrimas de Tessalônica correram ao perceber que hoje em dia não vemos Deus em lugar algum. As estatísticas que ganham manchetes sobre católicos que não acreditam na presença real são um sintoma, não uma causa raiz. A causa raiz é uma visão sacramental diminuída, um mal-estar generalizado no qual Deus cada vez mais não encontra um ponto de apoio em nada que façamos.
A resposta mais comum da Igreja nos Estados Unidos diante da falta percebida de crença na presença real tem sido focar na adoração e na catequese. O raciocínio é que podemos rezar e ensinar para voltar ao caminho certo, para que as pessoas acreditem e compreendam a presença real.
Tais atividades, obviamente, são boas e válidas. Mas não posso deixar de me perguntar se elas não estão equivocadas como uma tentativa de resolver o problema. Eu suspeito que muitas das razões pelas quais os católicos de hoje não enxergam a presença real de Deus na Eucaristia se deve ao fato de que eles não veem a presença de Deus em lugar algum. Toda a adoração e catequese do mundo não resolverão o problema se, no fundo, os fiéis individualmente não tiverem uma visão sacramental vibrante, na qual Deus esteja ativo em todos os lugares.
Ao invés de focar apenas na adoração e na catequese, a Igreja faria bem em trabalhar para incutir uma visão sacramental, buscando maneiras de experimentar Deus em todas as partes de nossas vidas. Com isso em mãos, teremos uma base melhor para a presença especial de Deus na Eucaristia.
Uma maneira de dar vida à nossa visão sacramental seria pensar em como experimentar Deus em outras pessoas, especialmente os pobres. A Eucaristia não é apenas um momento de piedade pessoal e reflexão. Ela não deve se resumir a um "eu e Deus". A Eucaristia também tem a ver com outras pessoas. A própria autodoação de Jesus oferece um padrão de vida e autorrenúncia que a Eucaristia deve criar em nossas vidas.
Ninguém expressou esse aspecto da Eucaristia melhor do que o Papa João Paulo II em sua encíclica de 1987, Sollicitudo Rei Socialis (grifo do original):
Assim o Senhor, pela Eucaristia, sacramento e sacrifício, une-nos a Si e une-nos entre nós por um vínculo mais forte do que toda a união natural; e, unidos, envia-nos ao mundo inteiro para darmos testemunho, com a fé e com as obras, do amor de Deus (...) Todos nós, os que participamos na Eucaristia, somos chamados a descobrir, mediante este Sacramento, o sentido profundo da nossa atividade no mundo em prol do desenvolvimento e da paz; e a ir buscar nele as energias para nos empenharmos cada vez mais generosamente, a exemplo de Cristo, que neste Sacramento dá a sua vida...
A Eucaristia deve nos levar tanto para o interior quanto para o exterior. Reconhecemos interiormente a nossa própria salvação. Mas se não manifestarmos externamente a ação concreta de doação em favor dos outros – a que João Paulo alhures se refere como solidariedade – também mostramos uma falta de compreensão da presença real. Se nossas tentativas de renovação nos levarem apenas para o interior, nossa abordagem será estreita e não abrangerá completamente o ensinamento da Igreja sobre o que a Eucaristia significa.
Para ver Deus na Eucaristia, precisamos ver Deus em todos os lugares. Este é um momento clássico de "tanto uma coisa quanto outra". Precisamos de adoração e piedade eucarística. Mas se for só isso que temos, podemos perder o problema central, que é menos sobre piedade e mais sobre uma visão sacramental diminuída. Aqui, vidas antigas politeístas podem nos instruir. Sua intuição de que Deus está em toda parte destaca como nosso mundo parece muito diferente.
Se não conseguirmos ver Deus em nossas próprias mesas, em nosso ir e vir, nos pobres e em nosso próximo, como veremos Deus na substância alterada do pão e do vinho?
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Para ver a verdadeira presença de Deus na Eucaristia, devemos enxergar Deus em todos os lugares. Artigo de Micah D. Kiel - Instituto Humanitas Unisinos - IHU