O relatório do primeiro semestre da Emergência Yanomami aponta urgência por melhor coordenação do governo federal, mais ações em saúde e proteção territorial e total desintrusão dos garimpeiros.
A reportagem é de Adi Spezia e Lígia Apel, publicada por Conselho Indigenista Missionário (CIMI), 11-08-2023.
“A crueldade da invasão garimpeira no território Yanomami, diante dos olhos daqueles que deveriam protegê-lo, tornou evidente que a morte e a dor do outro não travam e nem comovem os embrutecidos e gananciosos. Se satisfaziam com o sofrimento. Se alimentaram com a angústia e o sangue de inocentes, com a voraz insanidade de manter em curso a economia da destruição, que não permite o Bem Viver em plenitude dos povos originários”.
As palavras de Dom Roque Paloschi, presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), ditas ao apresentar o relatório de Violência Contra os Povos Indígenas – dados 2022, traduzem a necropolítica que o governo brasileiro adotou nos últimos anos para os povos originários.
Comprovando essa política de morte, o mundo assistiu a cada denúncia publicada, uma realidade assustadora vivida pelo povo Yanomami decorrente do aumento desenfreado do garimpo em seu território, destruindo as vidas da floresta. Desde a década de 1970, os povos da Terra Indígena Yanomami (TIY) – Yanomami e Ye’kwana, e os povos isolados: Amajari, Watho u, Auaris, Parawau, Kataroá, Monte Caburai e na Região da Serra da Estrutura, os Moxihatëtëma – sofrem com a invasão de garimpeiros que consomem suas florestas, poluem seus rios e distribuem doenças. Nos últimos anos, durante o governo Bolsonaro, as atrocidades se amplificaram estrondosamente.
“Nos últimos anos”, continua Dom Roque em sua apresentação, “a perversidade foi alimentada por discursos de governantes e por medidas que promoviam ainda mais os crimes, dando a eles ares de legitimidade. (…) Os Yanomami foram vítimas ‘prediletas’. O ouro cegava a razão. Aboliu-se direitos”, completa atônito com a realidade de sofrimentos vividos pelos povos daquele território.
Lançamento do relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil – 2022, do Cimi, realizado na sede da CNBB, em Brasília, no dia 26 de julho de 2023. Foto: Marina Oliveira | Cimi
Em 2023, com um novo governo eleito e a retomada do Estado de Direito, outras perspectivas despontam para os povos originários, especialmente da TIY. O desespero dá lugar à esperança com a instalação da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin) e, acredita-se, finalmente que o Estado cumprirá sua função de proteger o território Yanomami, fazendo o que for necessário para retirar os invasores, recuperar a saúde, acabar com a fome e a desnutrição, possibilitar a recuperação da floresta e de todas suas formas de vida.
No entanto, seis meses depois, as associações indígenas Hutukara Associação Yanomami (HAY), Associação Wanasseduume Ye’kwana (SEDUUME), e Urihi Associação Yanomami alertam que as coisas não aconteceram ou foram insuficientes, frente a gravidade da situação.
Na quarta-feira, dia 2 de agosto, as associações publicaram o relatório “Yamaki ni ohotahi Xoa – ‘Nós ainda estamos sofrendo’: um balanço dos primeiros meses da emergência Yanomami”, descrevendo os resultados assertivos, mas principalmente apontando as falhas do Plano de Ação. Revelam “a ausência de uma coordenação do governo federal e problemas nas áreas de saúde, proteção territorial, desintrusão e segurança alimentar”.
Advertem o Estado de que ainda há uma grande distância entre o que foi feito e o que precisa ser feito para que cumpra sua função de proteção dos povos.
Garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami. Foto: Hutukara
Anunciam e denunciam que, em seis meses de ação, “a devastação da floresta começa a desacelerar, mas os Yanomami e Ye’kwana seguem sofrendo com os efeitos do garimpo ilegal”, conforme alerta a liderança do Papiú: “Nós gostaríamos de denunciar o retorno de garimpeiros em nossa região. Apesar das autoridades e do presidente Lula já terem limpado a floresta, os garimpeiros continuam voltando, por isso mandamos essas palavras. Apesar de existir a demarcação, eles estão voltando pelos rios. Nós queremos que vocês, de fato, retirem estes invasores”.
Afirmam que “o desmatamento apresentou desaceleração em 2023 em comparação com o período da gestão Bolsonaro, quando quase sextuplicou, mas não significa o fim da exploração ilegal. De acordo com o Sistema de Monitoramento do Garimpo Ilegal da Hutukara, a área impactada durante os quatro anos do governo Bolsonaro cresceu mais de 300% devido à atividade garimpeira. Em seis meses do atual governo, a atividade desacelerou, mas a área afetada pelo garimpo aumentou em 219 hectares, o que representa 4% de incremento ao total acumulado em dezembro de 2022.
O Centro de Referência em Saúde foi instalado em Surucucu, mas comunidades isoladas ainda carecem de atendimento; a malária segue crescendo. “De janeiro a julho de 2023, houve 12.252 casos, o que representa 80% do total registrado em 2022; e as cestas básicas não estão chegando com regularidade e quantidade suficiente em regiões prioritárias”.
Os “estrangulamentos logísticos” para evitar a movimentação dos garimpeiros foram eficazes. Os bloqueios dos acessos ao território tiveram resultado e a criação da Zona de Identificação de Defesa Aérea (ZIDA) também, mas devido a pressões de políticos de Roraima ligados ao garimpo, durou apenas seis dias.
Lançamento aéreo de suprimentos de ajuda humanitária às aldeias indígenas Yanomami na região do Surucucu, na Terra Indígena Yanomami, Oeste de Roraima, a partir de paraquedas do cargueiro KC-390 da Força Aérea Brasileira. Foto: Fernando Frazão | Agência Brasil
A abertura e manutenção dos “corredores humanitários” para que os criminosos saíssem espontaneamente “reduziu custos das ações de combate, mas os donos de garimpo puderam retirar parte de seus equipamentos sem muitos prejuízos”. Diz o relatório que há rumores de que alguns deles esperam voltar após o enfraquecimento da fiscalização.
O relatório aponta que, a partir do resgate de uma adolescente de um prostíbulo no rio Couto Magalhães, a flexibilização do controle do espaço aéreo também favoreceu a ação de traficantes de pessoas, além de pilotos de avião, barqueiros e motoristas que transportaram criminosos. Há, ainda, relatos de que mesmo com o total controle do espaço aéreo e o fechamento dos corredores humanitários, aeronaves provenientes da Venezuela estão instalando ‘garimpos fronteiriços’, dentro da TIY em diversas localidades.
Aprimorar as Bases de Proteção Etnoambiental (BAPEs) e as estratégias de “estrangulamento logístico” é uma das indicações que o relatório sugere ao governo. As equipes de fiscalização nesses seis meses se concentraram nos rios Uraricoera e Mucajaí, e deixaram vulneráveis outros rios, como o Catrimani, Apiaú e Uraricaá. Um exemplo, é “a estrada clandestina de, aproximadamente, 150 Km que passa pelos rios Apiaú e Catrimani e que facilitou a logística garimpeira”, aponta o relatório. Apesar disso, as operações não alcançaram essas regiões.
No governo passado, os órgãos de fiscalização foram esvaziados e poucos agentes atuavam. Mesmo assim, “só em junho desse ano o governo destinou ao exército as atividades de prevenção”. A constatação é de que “caso, o envolvimento das Forças Armadas na execução de ações preventivas e repressivas dentro da TIY tivesse sido planejado desde o início, talvez tivesse sido possível ampliar a capacidade das BAPEs e inclusive a planejar a instalação de novas estruturas em outros pontos estratégicos”, alertam as associações indígenas da TIY.
Devastação causada pelo garimpo na TI Yanomami. Registro feito em dezembro de 2022, durante sobrevoo realizado pelo Greenpeace. Foto: Valentina Ricardo | CIMI
A saúde também apresenta uma série de desconexões que deixam o atendimento precário e mal distribuído. As imagens trazidas ao mundo no final de 2022 contribuíram com a definição do presidente eleito em instalar a Espin. Mas, seis meses depois, “a saúde ainda carece de estruturação”, diz o relatório.
“Existem regiões desassistidas”. Enquanto em Surucucu há “concentração de profissionais, os polos de regiões sensíveis continuam com equipes incompletas ou incompatíveis com a demanda”. Outras, recebem as missões esporadicamente e em curtos prazos. Com isso, “os controles de rotina como pesagem das crianças, pré-natal, vermifugação e tratamento de malária, que devem ser periódicos, não se mantêm”, denunciam os indígenas.
Quanto à malária, a situação é extremamente grave. Há excessivos casos. “De janeiro a julho houve 12.252 casos, o que representa 80% do total registrado em 2022”. Um profissional de saúde, que segundo o relatório pediu para não ser identificado, disse ser “impossível em uma aldeia com cem pessoas com sintoma de malária, uma equipe de duas pessoas em missão fazer qualquer outra coisa que não testar a população e tratar os mais graves”.
A solução encontrada foi a remoção dos “pacientes em estado grave para o Centro de Referência em Surucucu, que já no dia da inauguração operava com 90% da capacidade”. Outra queixa dos Yanomami é que, apesar dos 8 mil atendimentos realizados, “os profissionais da Força Nacional do SUS [Sistema Único de Saúde] raramente se deslocam para realizar ações de saúde nas comunidades”. Já os profissionais da saúde que estão em área vivem um sentimento de insegurança devido à persistência de invasores garimpeiros no território. “Isso faz com que os vetores de produção da crise sanitária não sejam combatidos na sua raiz”, reforça o profissional de saúde.
Crianças Yanomami com desnutrição severa são atendidos por equipes do Ministério da Saúde. Foto: Condisi-YY | Divulgação
Como indicação para impulsionar as experiências em saúde bem-sucedidas pela Eapin, o relatório sugere “a criação de um cronograma para realizar a estabilização aos poucos”: Recuperação da infraestrutura logística e de atendimento; Aumento das equipes de saúde trabalhando no território, com aumento da frequência das visitas nas aldeias; Aprimoramentos no sistema de vigilância epidemiológica, para encurtar o tempo de resposta entre surtos epidêmicos e tratamentos e recuperação do papel dos profissionais indígenas como peças-chave nas equipes de saúde.
A fome e a desnutrição nunca foram problema em território Yanomami, dizem as lideranças. Foi com a expansão do garimpo e, com ele, a destruição dos recursos naturais, fonte de alimentação e resistência, que a fome chegou e matou. O relatório diz que “a situação de insegurança alimentar não chega a ser generalizada no território Yanomami, mas se amplificou nos últimos anos devido a uma combinação de fatores que envolve desde a destruição dos recursos naturais pela exploração ilegal de minérios à desorganização produtiva decorrente da crise sanitária e dos impactos sociais do garimpo”.
O líder Yanomami Davi Kopenawa, com tristeza, conta que “os Yanomami têm sofrido muito com essa destruição e falta de assistência, especialmente as crianças e mulheres indígenas”. Com frequência, recebe relatos de casos de “indígenas que perderam as forças causada pela desnutrição. Sem forças, não tem como caçar, coletar e pescar o que comer, tampouco fazer as roças para retirar seus alimentos”.
Esse quadro gerou dependência de alimentos provenientes da cidade. Sem o extrativismo da floresta, sem caça, sem peixe e sem a devida assistência sanitária, não há como sobreviver sem receber alimentos de fora. O relatório traz a estimativa da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) de que seriam necessárias 12.692 cestas de alimentos por mês para combater a fome e a desnutrição. Seriam, portanto, cerca de 50 mil cestas estimadas a serem entregues no primeiro semestre da Espin. “No entanto, as Forças Armadas, responsáveis pela logística, só conseguiram entregar 50% do previsto”, lista o levantamento das associações indígenas.
IV Fórum de Lideranças Yanomami e Ye´kuana, 2023. Foto: Evilene Paixão | Hutukara
Comunidades mais isoladas ficaram desassistidas, como por exemplo a comunidade Kayanau, onde 83% das crianças estavam abaixo ou muito abaixo do peso e não receberam a devida assistência; cestas foram arremessadas no ar; a distribuição se concentrou em pistas de pouso com capacidade de armazenamento; em Auaris, as cestas ficaram estocadas muito tempo no pelotão de fronteira e as carnes pereceram.
“É importante que o atendimento com cestas básicas seja garantido com alguma periodicidade e com um cronograma acordado com as comunidades, considerando que uma cesta dura em média dez dias para uma família Yanomami, e que cultivos de ciclo curto, como o milho, necessita de pelo menos 90 dias para serem colhidos”, explica o relatório.
IV Fórum de Lideranças Yanomami e Ye´kuana, 2023. Foto: Evilene Paixão | Hutukara
Um dado assustador, entre tantos descobertos nos últimos anos sobre os povos da TIY, levantado pela reportagem “Não estamos conseguindo contar os corpos” do site Samaúma, publicado em 20 de janeiro desse ano e destacado pelo relatório, diz que “de 2019 a 2022, 570 indígenas de até cinco anos faleceram por causas que poderiam ter sido contornadas caso o serviço de saúde estivesse funcionando adequadamente, como pneumonia, diarreia, malária e desnutrição” na Terra Indígenas Yanomami.
Os dados levantados pela reportagem no sistema da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) podem não contabilizar, segundo a matéria, informações de “alguns Polos Bases situados em áreas dominadas pelo garimpo que permaneceram fechados e sem atendimento regular em 2022”, o que significa que “os números de mortes podem ser ainda maiores do que os registrados no sistema”.
IV Fórum de Lideranças Yanomami e Ye´kuana, 2023. Foto: Evilene Paixão | Hutukara
O relatório faz esse destaque porque não havendo registros no sistema da SESAI, “uma criança que tenha nascido e morrido nessas regiões, neste período, provavelmente sequer foi contabilizada como um ‘nascido vivo’, e, portanto, teve a sua existência completamente invisibilizada nas estatísticas oficiais”, refletindo a incapacidade de o Estado-nação dar conta da proteção de sua população. Para além da incapacidade, o Estado foi conivente com as irregularidades e cúmplice das mazelas decorrentes da ação dos criminosos.
Na reportagem do Cimi, “Crise sanitária e humanitária na TI Yanomami: seis meses após a declaração de emergência”, publicada no dia 20 de julho, os depoimentos de Davi Kopenawa, presidente da Hutukara, e Júnior Hekurari, presidente da Urihi Associação Yanomami e do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Yek’wana (Condisi-YY), já denunciavam as consequências da omissão do Estado na explosão de garimpeiros em território Yanomami.
Para Davi, a demora em adotar medidas de proteção levou à crise humanitária e, agora, as medidas precisam ser mais fortes e decisivas. “Muita coisa tem sido feita, mas é preciso ir onde os aviões não chegam, o garimpo, a malária e destruição dos rios, da floresta, ainda estão lá, os garimpeiros ainda estão na Terra dos Yanomami”, afirmou à reportagem, dizendo que a desintrusão dos garimpeiros é o principal desafio do atual governo para a solução da crise que os Yanomami vivem.
Júnior Hekurari concorda com Davi e faz o alerta de que “foi o garimpo que levou aos conflitos, à morte. Mataram nossos rios, os peixes e as caças, não tem o que comer, porque se afastaram pelo barulho dos motores dos garimpeiros. Essas máquinas ficam ligadas 24 horas por dia, destruindo tudo, a comunidade não pode e nem tem onde plantar seus alimentos. Não tem mais a floresta que fornece os alimentos e a cura, consequência do garimpo. Onde tem garimpo tem malária”.
IV Fórum de Lideranças Yanomami e Ye’kwana, em Maturacá, na região de São Gabriel da Cachoeira (AM), TI Yanomami, julho de 2023. Foto: Evilene Paixao | Hutukara Associação Yanomami.
O religioso missionário da congregação Consolata, Irmão Carlo Zacquini, tem 84 anos, sendo 56 deles dedicado aos Yanomami. Em entrevista concedida a assessoria de comunicação do Cimi conta que chegou em Roraima em 1965 e conhece de perto a história dos povos da TIY. Descreve com pesar que a crise humanitária vivida hoje pelos Yanomami, na verdade, começou na década de 1970, com a abertura da BR 210 pelo governo dos militares. “A crise humanitária começou já há muitos anos atrás, e começou com muita veemência, muita força, nos anos 70, com a chegada da Estrada Perimetral Norte da BR 210, que atravessou uma parte do território Yanomami e que causou a morte de ninguém sabe quantos exatamente, mas provavelmente mais de mil pessoas”.
Foi nesse momento, conta o Irmão, o início da destruição do território Yanomami. “A construção da estrada é fruto dessa época, a invasão dos garimpeiros é fruto dessa época também. Entraram já nessa na época milhares de garimpeiros e causaram estragos inacreditáveis em todo em todo o território indígena Yanomami. A estrada causou danos incalculáveis num trecho, numa parte do território, mas depois se irradiaram os males do progresso. Daí pra diante, a situação só fez piorar”.
Para Zacquini, os garimpeiros da época ou de hoje, não se preocupam com as vidas que destroem. São genocidas, assim como os parlamentares que os apoiam. “Os garimpeiros não estão nem aí, continuam fazendo as coisas, destruindo, ameaçando. E os parlamentares de Roraima estão a favor deles. Ou seja, aí não há só um genocida, mas um grupo de genocidas. É uma sociedade aqui em Roraima que tem essa mentalidade”, desabafa indignado.
O Relatório de Violências Contra os Povos Indígenas – dados 2022, traz na página 23, o artigo “De Haximu a Aracaçá: rastros do garimpo e do genocídio na Terra Indígena Yanomami”, dos missionários do Cimi, Corrado Dalmonego e Luiz Ventura, que traça uma cronologia de 2017 a 2022 do descumprimento de decisões e da omissão do estado na proteção à TI Yanomami em relação à invasão garimpeira.
Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas – dados 2022. Crédito: Cimi
Em 2017, “o Ministério Público Federal ajuizou e documentou o avanço do garimpo na região da Serra da Estrutura, onde havia presença do grupo isolado Moxihatëtëa, o que representava um fator de risco extremamente grave para eles”. Em 2018, a Hutukara confirma a situação, denunciando o assassinato de dois indígenas Moxihatëtëa. A partir daí, sistematicamente, a organização indígena passa a denunciar os casos de ataques dos garimpeiros a comunidades, casos de mortes devido o avanço das dragas pelos rios, estupros e violências generalizadas, bem como da destruição total de grandes áreas de floresta.
“Finalmente, em novembro de 2018”, diz o artigo de Corrado e Luiz, “a Justiça Federal, em 1ª instância, deferiu o pedido do MPF [Ministérios Público Federal] e determinou à Funai e à União o restabelecimento de três Bases de Proteção EtnoAmbiental (BAPEs) para fiscalizar e reprimir o garimpo”, o que não foi efetivado e, em 2020, o TRF-1 atendeu ao novo pedido do MPF e reforçou a urgência da desintrusão dos garimpeiros pela União.
De 2018 a 2022 foram, “pelo menos, cinco decisões judiciais emitidas pelo Poder Judiciário brasileiro, em suas diversas instâncias, nos últimos cinco anos. Em julho de 2020, também a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) proferiu a Medida Cautelar nº 563/2020. Todas estas decisões condenaram a União a tomar as medidas necessárias para o enfrentamento do garimpo dentro da TI Yanomami, para a proteção da vida e para o atendimento à saúde das comunidades indígenas: todas elas foram sistematicamente descumpridas pelo Estado brasileiro, seja total ou parcialmente”, afirma o artigo.
Boa Vista (RR), 13-02-2023 – Mulher yanomami alimenta o filho em rede no acampamento montado às margens da BR-174 onde vive a família. Eles contam que andaram mais de 10 dias para chegar em Boa Vista. Foto: Rovena Rosa | Agência Brasil
O principal pedido das associações dos povos da Terra Indígena Yanomami ao governo federal é de que as ações da Espin sejam intensificadas e que se fortaleçam as equipes para que exista condições humanas e de estrutura para os trabalhos.
A fórmula para ações de êxito é simples: basta diálogo. As organizações querem “ampliar o diálogo com governo federal para sugerir aprimoramentos”. É com o conhecimento do ambiente e das dinâmicas do lugar onde vivem que apontam as fragilidades e fazem as recomendações e indicam como e onde é preciso aperfeiçoar a operacionalização das ações, e fazem “uma série de propostas para fortalecer a proteção territorial e aprimorar os planos de recuperação sanitária das regiões mais afetadas”.
Boa Vista (RR), 15/02/2023, Mulher indígena com bebê em frente ao Hospital de Campanha Yanomami montado na Casa de Saúde Indígena – Casai. Foto: Rovena Rosa | Agência Brasil
As recomendações ao atual governo que o relatório das Associações Yanomami e Ye’kwana traz foram amplamente debatidas e definidas pelos 353 participantes entre lideranças indígenas e representantes do governo do IV Fórum de Lideranças Yanomami e Ye´kwana, realizado nos dias 10 a 14 de julho, na comunidade de Maturacá, no Amazonas. “Saúde, educação, segurança alimentar e proteção territorial foram os principais temas de uma ampla e democrática escuta do governo”, afirma o diretor da Hutukara, Maurício Ye’kwana, assegurando que estão abertos e querem continuar dialogando com o governo sobre esta Emergência.
O pedido vem das lideranças indígenas e Dom Roque faz ecoar a sua voz, manifestando seu pedido aos novos governantes do país: “Que os novos governantes busquem reparar o mal, garantindo aos povos indígenas seu direito fundamental à terra e aos seus modos de ser e viver nas diferenças”.
Que a história não se repita.