11 Agosto 2023
No dia 20 de julho, estreou um dos filmes de maior bilheteria de 2023. "Oppenheimer", dirigido por Christopher Nolan, conta a história do físico Julius Robert Oppenheimer, reconhecido como o “pai da bomba atômica”. Este filme é baseado na bibliografia de Kai Bird e Martin J. Sherwin, intitulada American Prometheus.
A reportagem é de Claudia Vaquero Reina, publicada por El Cultural, 06-08-2023. A tradução é do Cepat.
O filme está sendo um sucesso em todo o mundo com uma arrecadação de 400 milhões de dólares. Contudo, na história mostrada por Nolan, as reais consequências do que aconteceu com as explosões não aparecem. A realidade é que as bombas atômicas provocaram milhares de mortes, duas cidades destruídas e muitas doenças causadas pela radiação, que afetaram não uma, mas várias gerações.
Em 6 e 9 de agosto de 1945, os Estados Unidos decidiram usar essa arma e arrasar Hiroshima e Nagasaki, destruindo uma infinidade de vidas. O jornalista Agustín Rivera entrevistou várias pessoas que sobreviveram às explosões, reunindo um conteúdo que, agora, publica no livro Hiroshima: testimonios de los últimos supervivientes.
Em primeiro lugar, para compreender desde o início essas histórias, é preciso entender o termo hibakusha. Esta palavra faz referência aos sobreviventes das bombas, aquelas pessoas que estavam lá e sofreram os horríveis efeitos da radiação. Muitos anos depois das explosões, o Governo do Japão começou a dar auxílios aos hibakusha, principalmente pagando seus gastos médicos. As gerações seguintes, no entanto, não se viram beneficiadas por esse tipo de subsídio, embora na maioria dos casos também tenham sofrido as consequências das bombas.
O primeiro depoimento é o de Masayo Mori e seu desespero por não ter ajudado uma menina que pedia água em meio a todo o caos da primeira explosão em Hiroshima: “A temperatura era cem vezes mais alta do que a de agora. Algumas pessoas se lançavam no rio e se afogavam. Cadáveres boiavam na água. Cheirava a morto, como se fossem peixes podres. Ainda vejo a cor preta dos corpos decompostos”.
Mori narra sua vida a partir do que foi a explosão da bomba em Hiroshima, com suas consequências e suas opiniões sobre a guerra, os Estados Unidos e como trabalhou a vida toda para mudar a educação no Japão.
A parte mais chamativa é quando explica detalhadamente o aspecto da cidade e como se acostumou com aquele desespero: “O elegante prédio de tijolos da escola onde eu estudava tinha ficado destruído. No local, permaneciam apenas dois pilares da porta principal e estava prestes a cair. Foi uma visão muito desoladora, vazia e solitária. Vi três objetos vermelhos alinhados. E quando me aproximei, descobri que eram corpos humanos incrivelmente inchados”.
Mori também narra os efeitos da radiação sobre si mesma, assim como Maki Junji: “Nos dias 7 e 8, fui até a escola primária de Ushita para começar a receber tratamento médico. Apesar dos cuidados, meu rosto começou a inchar e ficar preto. Não conseguia sequer abrir a boca, nem comer algo. Tinha as feridas cheias de larvas”.
Nos depoimentos, explica-se que ninguém conhecia os efeitos da radiação, nem que aquilo que tinha atingido Hiroshima, e pouco depois Nagasaki, eram bombas atômicas. Os médicos não sabiam como tratar as feridas e muitas pessoas que sobreviveram às explosões morreram, posteriormente, pela radiação. As feridas vermelhas, o inchaço, a perda de pele, a dor, o morrer pouco a pouco.
Emiko Okada soube de todas essas informações 12 anos após a explosão das bombas, quando desenvolveu anemia aplástica: “Descobriu-se que essa doença afetava as pessoas que estavam a quatro quilômetros do círculo do hipocentro. Calculei a distância e, de fato, eu estava dentro desse raio. Quando comecei a pesquisar, ouvi pela primeira vez a expressão “bomba atômica”. Era 1959. Nunca tinha ouvido a palavra “radiação” e não tinha consciência do perigo que representava”.
Os hibakusha foram aconselhados a não se casar, nem a ter filhos, já que pela radiação teriam doenças graves. E embora muitos não se importassem, a realidade é que com o passar dos anos esses sinais acabaram aparecendo. Para Hideaki Nobushige, a doença sempre perseguiu sua família: “Minha mãe morreu aos 72 anos de câncer no pâncreas. Aos 62, meu outro irmão morreu de câncer no estômago. E eu tenho uma irmã mais nova, de 55, que teve câncer no útero, mas ela foi operada e sobreviveu”.
A obra não fala apenas a respeito da explosão em Hiroshima, também narra depoimentos de Nagasaki. Assim, com a primeira bomba, as narrativas giram a respeito de ser hibakusha e como isso era mantido em segredo, porque a pessoa poderia ser prejudicada na hora de se casar e até mesmo de conseguir um emprego. Tomiko Okoshi afirma: “Em quase nenhuma família de Nagasaki se falava sobre a bomba atômica, não só em minha casa. Não queríamos transformar ninguém no foco da discriminação”.
O mesmo aconteceu com Yasujiro Tanaka, que passou a maior parte de sua vida como sobrevivente em segredo: “Somos seres humanos, mas éramos vistos de modo diferente”. Além das dificuldades com as bombas, os hibakusha falam sobre a miséria que existia depois da guerra, refletem sobre a culpa e o motivo pelo qual essas armas, que só provocam sofrimento, continuam existindo.
As visões cruéis, os feridos, são algo que os sobreviventes não esquecem, mesmo quando guardaram em segredo por sessenta anos, como Tsutomu Yamaguchi, que após a morte de seu filho decidiu que havia chegado o momento de falar sobre sua experiência: “Alguns sobreviventes tinham a pele grudada, como se estivessem usando luvas. Sabe aquelas luvas longas de mulher? Parecia que colocavam essas luvas que vão até os braços neles”.
Yamaguchi não só estava presente na bomba de Nagasaki, como também, dias antes, em 6 de agosto, estava em Hiroshima. É um hibakusha de duas bombas atômicas. Fez inúmeros discursos para conscientizar a esse respeito, para que as bombas atômicas sejam destruídas: “Se todos os dirigentes do planeta visitassem museus da bomba atômica das duas cidades, e se ouvissem os depoimentos dos hibakusha e conhecessem suas tragédias, toda a sua dor, não haveria armas nucleares”.
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O que ‘Oppenheimer’ não diz sobre a bomba atômica de Hiroshima - Instituto Humanitas Unisinos - IHU