26 Julho 2023
Dom Américo Aguiar, responsável pela organização da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), e futuro cardeal, não está com uma vida fácil e vê-se envolvido noutra polêmica, esta à escala global, liderada pela ala mais conservadora da Igreja, que não lhe perdoa uma afirmação à RTP. "Não queremos converter os jovens a Cristo ou à Igreja Católica" na JMJ, é a frase que percorreu mundo.
A reportagem é publicada por Sapo, 23-07-2023.
Não sendo expectável que bispos americanos vejam a RTP, mesmo a Internacional, é óbvio que a polêmica terá sido soprada de Portugal ou do Brasil, e que permitiu fazer leituras de uma frase descontextualizada, segundo aqueles que defendem Américo Aguiar, que reconhecem, contudo, que muitas pessoas ficaram chocadas com a afirmação. Para os menos familiarizados com estas polêmicas, diga-se que, à semelhança do futebol ou da política, na Igreja também há jornalistas que facilmente são conotados com uma das correntes existentes. É o caso de Riccardo Cascioli, italiano, e ligado à ala mais conservadora do Vaticano, que começava o seu texto, num site religioso, da seguinte forma: "As gravíssimas palavras de D. Américo Aguiar, responsável pela JMJ de Lisboa e recém-nomeado cardeal, que verdadeiramente não quer ‘converter os jovens a Cristo’, têm implicações gravíssimas: sobretudo quanto à ilusão da fé e a inutilidade da Igreja". Como se vê, não foi nada meigo.
Cascioli acrescenta ainda que na explicação de Américo Aguiar, dada à ACI Digital, ainda foi pior a emenda do que o soneto. Acontece que no Brasil, na Espanha, nos EUA e na Itália, entre outros, começou a circular um vídeo, devidamente cortado, com a polêmica frase e foi o suficiente para as redes sociais serem inundadas com ataques ao futuro cardeal português. Refira-se que a ala mais conservadora está bastante ativa por causa do sínodo que irá ocorrer este ano e onde se vão discutir os temas fraturantes da Igreja, como seja o casamento de padres, a comunhão para casais recasados ou a ordenação de mulheres, entre outros temas.
Nas redes sociais não há só influencers que vendem cremes ou que aconselham outras mães a mergulharem os filhos em água fria quando fazem birras. Robert E. Barron é bispo da diocese de Winona-Rochester em Minnesota, nos EUA, e tem mais de 380 mil seguidores no Instagram, além de um número considerável no Facebook.
Barron não deixou Américo Aguiar sem resposta e escreveu um artigo com o sugestivo nome de Jornada Mundial da Juventude: Converter todos a Cristo’ na plataforma digital Word on Fire. "Provavelmente já viram as declarações do Bispo Américo Aguiar que provocaram uma grande revolta (...) muito católicos de todo o mundo ficaram, dizendo de uma forma suave, desconcertados com as reflexões do cardeal eleito". Barron explica ainda que quer saber o que se vai passar na JMJ. "Tenho programado dar cinco conferências na JMJ em Lisboa, e gostaria de assegurar ao bispo Aguiar que cada uma delas está concebida para evangelizar".
Barron faz parte da Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos e estará em Roma, em outubro, para participar do Sínodo da Sinodalidade, o tal em que se vai discutir a abertura da Igreja e irá acompanhado de mais quatro bispos americanos. Quem acompanha as lides, sabe que o Papa quer uma abertura fundamentada na Fratelli Tutti que irá desenvolver na JMJ, cujo lema será ‘Somos Todos Irmãos’.
Em declarações à ACI Digital, o futuro cardeal explicou o que está em causa, a propósito da frase da discórdia. "A JMJ é um convite a todos os jovens do mundo para uma experiência de Deus. Estas são as minhas convicções que sustentam a frase por vós citada, e naturalmente isolada no contexto de uma longa entrevista". Mas foi mais longe:
"A JMJ nunca foi, não é, nem deverá ser um evento para proselitismos, antes pelo contrário, é e deve ser sempre uma oportunidade para nos conhecermos e respeitarmos como irmãos. A Igreja não impõe, propõe. Que bom estarmos todos disponíveis para dar testemunho de Cristo Vivo e confiar na transformação que só Cristo Vivo consegue operar nas nossas vidas".
E foi por causa desta explicação que o bispo não convenceu alguns dos conservadores que não gostam da palavra proselitismo e defendem que a JMJ foi criada precisamente para a evangelização.
O bispo português não se deixa ficar e responde de novo.
"A conversão acontece pelo testemunho, não pela imposição. A conversão acontece no coração, não na razão. Porque assente no mistério maior da Encarnação e na Ressurreição. Falamos de Deus, anunciamos o Filho, experienciamos o Espírito. E todos podemos ser, somos e procuramos ser os discípulos de Jesus que nos continua a dizer para anunciarmos a Sua Palavra, para darmos testemunho do Seu Amor por todos".
Ao jornalista Filipe d’Avillez, especialista em assunto católicos, D. Américo reforçou a defesa da sua frase.
"Os Papas convidam os jovens do mundo inteiro a encontrarem-se uns com os outros, a encontrarem-se com o Papa e a viverem uma experiência de Deus. Um encontro com Cristo Vivo. É isso que queremos que aconteça, e é isso que eu sublinho. E que cada um regressando à sua realidade, ao seu país, à sua vida, à sua circunstância, tenha um desejo maior de conversão, de ser melhor pessoa, tomar decisões na sua vida; na área vocacional; na sua família; no seu trabalho; nos seus projetos; marcados com a experiência de terem encontrado estes jovens que querem dar testemunho de Cristo Vivo".
D. Américo, que tem tido dificuldade de fugir à polêmica, mesmo com viagem à Ucrânia, finalizou a conversa com Filipe D’Avillez com alguma irritação:
"Compreendo que o isolamento da frase da entrevista, como está, pode gerar perplexidade e erro de leitura. Mas a JMJ é repetidamente um convite dos Santos Padres a todos, uma oportunidade de nos conhecermos todos, de olharmos para aquilo que é a diversidade como uma riqueza, de nos conhecermos, a alegria de dar testemunho de Cristo Vivo. Temos dito isto há quatro anos, até a exaustão. Dar testemunho de Cristo Vivo, um encontro com Cristo Vivo, Cristo Vivo, Cristo Vivo. Se não querem ouvir, não ouçam".
Ouçamos alguns amigos de Américo Aguiar.
"Ele fez uma declaração que, literalmente, acho que vai um bocadinho além daquilo que seria dispensável, criou a polêmica, mas o queria dizer era que a Jornada Mundial da Juventude não é só para católicos. Era uma figura de estilo. A frase isolada deu a entender que ele não quer que ninguém mais seja católico, além daqueles que já o são. Ora, eu acho que isso não corresponde à verdade, até porque a Igreja sempre quis ser evangelizadora, mas a evangelização não se faz por propaganda, mas sim por contágio, uma contaminação serena".
Também Pedro Gabriel e Clarice Domingues, dois católicos reconhecidos no meio, escreveram um artigo onde explicavam parte da polêmica, citando o discurso de Bento XVI no Natal de 2012: "O diálogo não visa a conversão, mas a compreensão. Nisso difere da evangelização, da missão". Explicando ainda que "essa distinção entre diálogo e evangelização levou, infelizmente, ao equívoco de que a adoção do diálogo por Dom Aguiar constituía uma rejeição à evangelização. Este equívoco foi seguido por uma falsa dicotomia sobre a Jornada Mundial da Juventude – que a JMJ sempre foi sobre a evangelização e não sobre o diálogo inter-religioso".
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Américo Aguiar, neocardeal, responsável pela organização da Jornada Mundial da Juventude, inquieta conservadores - Instituto Humanitas Unisinos - IHU