21 Julho 2023
"A falta de saneamento básico reforça tais práticas responsáveis pela morte das populações indígenas no território brasileiro".
O artigo é de Sandoval Alves Rocha, SJ, doutor em Ciências Sociais pela PUC-Rio, mestre em Ciências Sociais pela Unisinos/RS, bacharel em Teologia e bacharel em Filosofia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (MG), membro da Companhia de Jesus (jesuíta), trabalha no Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (Sares), em Manaus.
Nesta semana (14), a Comissão de Direitos Humanos do Senado aprovou proposta que estabelece diretrizes para o saneamento nas áreas rurais, comunidades tradicionais e povos indígenas. O PL 2920/2022 obriga o poder público a promover o saneamento em áreas rurais, visando a universalização do acesso e usando estratégias que garantam equidade, a integralidade, a intersetorialidade e a sustentabilidade dos serviços, além da participação e do controle das comunidades afetadas.
De acordo com o IBGE, 80% das pessoas residentes nas zonas rurais brasileiras não têm saneamento básico adequado. Há milhares de comunidades indígenas sem água potável, recolhimento de lixo e outros serviços de saneamento. Este desprezo racial não é novidade no Brasil. Com a chegada dos colonizadores, colocou-se em prática uma política genocida visando abolir os povos originários. Os oito milhões de indígenas residentes no território foram mortos, sendo reduzidos a pouco mais de 1.652.000 milhão pessoas, segundo o IBGE (2022).
As estratégias genocidas variavam entre o trabalho forçado, o contágio por doenças e todos os tipos de violência, entre elas os castigos físicos e o assassinato a sangue frio. A expulsão das terras e a recusa em demarcar os territórios também constituem causas do desaparecimento de muitas etnias. A falta de saneamento básico reforça tais práticas responsáveis pela morte das populações indígenas no território brasileiro.
O mundo assistiu perplexo as imagens que vieram a público no início desse ano. 570 crianças yanomami com menos de 5 anos mortas por causas evitáveis: diarreia, desnutrição, malária, verminoses. Ao incluir os adultos, esse número sofre uma significativa elevação, apontando para uma preocupante crise humanitária. Os crimes, as formas de violência cada vez mais acintosas comprometem a continuidade física e cultural do Povo Yanomami e a integridade do seu território, do ecossistema, consubstancial à sua existência.
A Amazônia é marcada pela abundância de recursos hídricos, mas os povos nativos geralmente não têm acesso a esse bem essencial. Sem o saneamento básico adequado, a água, contaminada, aumenta o risco de doenças, como a diarreia aguda, a segunda maior causa de mortalidade infantil no mundo, de acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Entre os indígenas brasileiros, há o espantoso índice de 31,28 mortes por mil nascidos vivos, sendo mais que o dobro da média nacional, de acordo com o Ministério da Saúde.
Muitos deles vivem de maneira concentrada, com aldeias de população aproximada de até 5 mil habitantes. Nesse sentido as condições sanitárias se tornam ainda mais cruciais para a manutenção da saúde e de condições adequadas para esses povos. Apenas o acesso ao saneamento básico e à higiene adequada pode responder a essa exigência.
O Estado do Amazonas nega o acesso ao saneamento básico a milhares de indígenas. Em São Gabriel da Cacheira, o município mais indígena do Brasil, 93% da população não têm acesso a água tratada, segundo o IBGE. A cidade apresenta um dos piores índices de mortalidade infantil do país: 34,6 óbitos por mil nascidos vivos. O extenso território, de 109.185km², que abriga a porção mais preservada da Amazônia, é ameaçado pelo garimpo, o desmatamento e a falta de saneamento.
Tanto no campo como na cidade essas comunidades são ignoradas pelo poder público e pela sociedade em geral. O município de Manaus possui dezenas dessas comunidades sem acesso à água potável nem aos serviços de esgotamento sanitário. Aldeias como Gavião e Yupirungá, às margens do rio Tarumã, sofrem diuturnamente pela falta de saneamento básico. A concessão privada dos serviços de água e esgoto sempre passou à margem dessa realidade, se omitindo impunimente das suas responsabilidades contratuais.
Impulsionada pelos lucros do mercado da água, a concessionária Águas de Manaus não apresenta nenhum interesse em chegar a essas áreas, uma vez que são economicamente inviáveis para empresa. Ela prioriza as zonas de mais fácil acesso da cidade, que oferecem maiores retornos econômicos. As comunidades indígenas erigidas na cidade também são ignoradas. Falta água, esgotamento sanitário e os outros serviços básicos de saneamento.
Tudo isso mostra que o genocídio dos povos indígenas ainda é uma realidade palpável. Os métodos talvez tenham mudado, mas infelizmente a política de extermínio segue em pleno vapor.
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Manaus negligencia o saneamento indígena - Instituto Humanitas Unisinos - IHU