20 Julho 2023
"Levantamento expõe os salários estratosféricos dos executivos da água-mercadoria. A partir de monopólios, eles aumentam de forma abusiva as tarifas. E, cada vez mais, achatam salários, terceirizam serviços e precarizam o trabalho", escreve Marcos Helano Montenegro, em artigo publicado por Outras Palavras, 18-07-2023.
Helano Montenegro é coordenador geral do Observatório Nacional do Direito à Água e ao Saneamento (ONDAS). Engenheiro Civil. Regulador de Serviços Públicos da Agência Reguladora de águas, Energia e Saneamento do Distrito Federal – Adasa DF; membro dos Conselhos de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do DF, representando a Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental – ABES; integrou a equipe que instalou o Ministério das Cidades como Diretor da Secretaria Nacional de Saneamento.
Em junho último, na 23ª edição de prêmio promovido pelo jornal Valor Econômico, Radamés Casseb, CEO da Aegea Saneamento, holding de várias concessionárias privadas de água e esgoto, foi “eleito” Executivo de Valor em 2022 na categoria “Infraestrutura”.
De fato a Aegea foi destaque nesse ano: a remuneração anual dos seus quatro diretores, entre os quais está Cassab, atingiu a fantástica cifra de R$ 51.075.223,87, dos quais R$ 26.896.151,26 (53%) pagos a título de incentivo de longo prazo! Ou seja considerando treze remunerações mensais, os diretores da Aegea ganharam em média R$ 982.215,84 mensalmente.
As informações foram retiradas de tabela da página 296 do Formulário de Referência de 2023, Versão 2, disponibilizado pela Aegea Saneamentos e Participações S.A à CVM (Comissão de Valores Mobiliários).
Consultando na internet os formulários de referência de nove empresas privadas de saneamento básico o ONDAS verificou que em 2022 os seus diretores executivos ganharam em média R$ 237 mil reais por mês, (remuneração anual dividida por treze). Da tabela 1 constam os valores pagos em média por mês a esses diretores no ano de 2022 por cada empresa e sua equivalência em salários mínimos. O menor valor médio verificado, R$ 72.393,15, foi pago pela Saneatins, de Tocantins, a seus diretores, e corresponde a 60 salários mínimos de 2022. A remuneração média mensal dos dirigentes da Aegea equivale a 810 salários mínimos de 2022!
As comparações podem ser feitas também com a remuneração mensal média do trabalhador brasileiro que no trimestre de setembro a novembro de 2022 atingiu R$ 2.787, de acordo com a PNAD Contínua do IBGE.
É relevante lembrar que os serviços de água e esgoto, prestados em regime de monopólio, são insubstituíveis e essenciais à saúde pública e à salubridade ambiental. São as tarifas pagas por uma população da qual pelo menos um quarto vive em situação de extrema pobreza, segundo informa o Cadúnico, que financiam essas remunerações estratosféricas de uns poucos eleitos para garantir lucratividade cada vez maiores de empresas prestando serviços públicos essenciais.
Tabela 1 – Empresas privadas – Remuneração mensal média por diretor em 2022
(Foto: Reprodução | Outras Palavras)
Verifica-se que um trabalhador remunerado pelo salário mínimo precisaria trabalhar 15 anos para ganhar o que na média ganhou por mês um dirigente de empresa privada de saneamento básico. Haja iniquidade!
O ONDAS levantou também as remunerações pagas aos dirigentes de empresas estaduais de saneamento básico com estatuto de sociedades de economia mista de capital aberto que também disponibilizam regularmente suas informações à CVM.
Os valores que constam da Tabela 2 mostram remunerações significativamente altas, mas claramente inferiores aos valores praticados pelas empresas privadas.
Nas empresas estatais pesquisadas, a média das remunerações médias mensais correspondeu a 56 salários mínimos de 2022, o que equivale a 4,3 anos de um trabalhador remunerado com o salário mínimo.
Os valores mostram mais uma faceta da privatização dos serviços de saneamento básico: em um país onde a distribuição da renda é absolutamente iníqua, a financeirização de serviços públicos essenciais agrava a iniquidade.
Tabela 2 – Empresas estatais- Remuneração mensal média por diretor em 2022
(Foto: Reprodução | Outras Palavras)
Em 1º de maio último a Oxfam divulgou comunicado mostrando que as remunerações escandalosas dos executivos das grandes empresas se generalizam no mundo:
1) Os 150 executivos mais bem pagos na Índia receberam US$ 1 milhão em média no ano passado, um aumento salarial real de 2% desde 2021. Um único executivo indiano ganha em apenas quatro horas mais do que um trabalhador médio ganha em um ano.
2) 100 dos CEOs mais bem pagos dos EUA ganharam US$ 24 milhões em média em 2022, um aumento salarial real de 15% em relação ao ano anterior. O trabalhador médio nos EUA teria que trabalhar por 413 anos para igualar o que um CEO mais bem pago ganha em 12 meses. 50% das mulheres negras nos EUA ganham menos de US$ 15 por hora.
3) Os 100 CEOs mais bem pagos do Reino Unido receberam US$ 5 milhões em média em 2022 e receberam um aumento salarial real de 4,4%. Eles ganham 140 vezes mais do que a média dos trabalhadores no Reino Unido.
4) Os principais executivos mais bem pagos da África do Sul ganharam US$ 800 mil em média em 2022, 43 vezes o salário do trabalhador médio. Seu salário real aumentou 13% no ano passado.
No mesmo diapasão a diretora geral da Oxfam França, Cécile Duflot, ex-ministra da Habitação afirmou : “Limitar os salários dos patrões é agora um imperativo social e democrático”. Segundo a Oxfam, o salário médio dos CEOs das 100 maiores multinacionais francesas foi, em 2021, 97 vezes superior aos salários médios dos funcionários das suas empresas.”
A generosidade nas remunerações é limitada aos dirigentes superiores. O diretor executivo interino da Oxfam Internacional, Amitabh Behar, declarou na mesma data:
“Enquanto os dirigentes das empresas estão nos dizendo que precisamos manter os salários baixos, eles estão fazendo a si mesmos e a seus acionistas pagamentos vultosos. A maioria das pessoas está trabalhando mais por menos e não consegue acompanhar o custo de vida. Anos de austeridade e ataques aos sindicatos aumentaram o fosso entre os mais ricos e o resto de nós. Em um dia destinado a celebrar a classe trabalhadora, essa desigualdade gritante é chocante e infelizmente não surpreende”.
No neoliberalismo a regra deste jogo é a remuneração escandalosa dos altos executivos vinculada ao atingimento de metas vinculadas ao aumento sistemático da lucratividade das empresas e a distribuição aos acionistas de elevados valores como dividendos e juros sobre o capital próprio.
Voltando ao Brasil, dos R$ 130, 5 milhões pagos em 2022 pelas nove empresas privadas de saneamento básico a 33 diretores, 42% correspondem à remuneração classificada como variável ou seja dependente do atingimento de metas.
O regime de remuneração dos executivos tende a ser levado ao paroxismo conduzindo à falsificação e à fraude nos resultados. É o que ensina a recente fraude da Americanas, que se eleva a mais de R$ 40 bilhões, tendo ocorrido por mais de 10 anos, mesmo com os números das empresas sendo auditados pela KPMG (até 2019) e pela PwC e cujos números teoricamente eram avaliados pelos bancos credores.
Na Inglaterra está se desenvolvendo outra situação pedagógica com a recente e abrupta renúncia de Sarah Bentley, CEO da Thames Water, empresa privada responsável pelos serviços de água e esgoto da região de Londres. Em matéria em que noticia a possibilidade de nacionalização (estatização) da empresa, o Financial Times informa que a gestão de Sarah deixa um legado de 14 bilhões de libras de dívidas e uma situação de subinvestimento que em 2022 a empresa prometera resolver com um aporte total de 1, 5 bilhões de libras, dos quais apenas 500 milhões de libras foram pagos até agora.
No cargo desde setembro de 2020, Sarah Bentley havia recebido remuneração total de £ 1.2 milhões no exercício 2020/2021( R$ 7,59 milhões) e de £ 2 milhões (R$ 12,65 milhões) entre salários e bônus, em 2021-22, mesmo período ano em que a Thames Water foi multada em £ 4 milhões (R$ 25,29 milhões) por descarregar esgoto bruto em dois córregos de Oxford. Sarah renunciou logo depois que se tornou pública a informação de que a perda de água da Thames Water é a mais alta dos últimos cinco anos e que a empresa havia informado o regulador Ofwat que não cumprirá sua meta de reduzi-las este ano.
Antes de terminar, a Tabela 3 oferece um vislumbre do que as empresas brasileiras pesquisada divulgam como previsão para a remuneração dos seus diretores executivos em 2023, com base nos mesmos Formulários de Referência. Sabesp e Águas de Teresina não preveem alteração dos valores de remuneração de 2023 dos seus diretores executivos, enquanto a remuneração dos dirigentes da Saneatins será reduzida em 1%. Já a remuneração dos dirigentes da BRK RMM que atua na Região Metropolitana de Maceió, tem previsão de redução de 21%. As previsões da Sanepar e da Copasa para 2023 ainda não estão disponíveis a remuneração média dos dirigentes das oito empresas restantes será aumentada em percentuais que variam entre 24% e 11%.
Já o salário mínimo foi reajustado de R$ 1.202,00 para R$ 1.320,00, uma variação de apenas 9%.
Tabela 3 – Empresas de água e esgoto – Previsão da remuneração mensal média por diretor de 2022 para 2023. Variação percentual em relação a 2022.
(Foto: Reprodução | Outras Palavras)
As informações sistematizadas indicam que de fato são executivos de valor para suas empresas. Serão também para os usuários dos serviços que pagam as tarifas que sustentam tais remunerações?
Para os trabalhadores do setor seguramente não. A contrapartida dos altos salários dos executivos é o aumento precarização e da terceirização do trabalho e o achatamento salarial. Como testemunham diversos dirigentes sindicais, os processos de negociação salarial incluem chantagens e ameaças de demissão e redução de direitos e mesmo a reposição das perdas inflacionárias é dificultada.
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Como operam os barões do saneamento básico? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU