29 Junho 2023
"Paradoxalmente, se hoje queremos lutar pela paz e pelo repúdio ao sistema de guerra, devemos lutar pelo restabelecimento do serviço militar obrigatório, mas de forma a visar a criação de exércitos capazes de defender, de várias formas, não apenas um, mas muitos municípios ativos de que consistem as Pátrias", escreve Raniero La Valle, jornalista e ex-senador italiano, em artigo publicado por Chiesa di Tutti, Chiesa dei Poveri, 28-06-2023.
O motim do [grupo paramilitar] Wagner na Rússia terminou negativamente para o soldado Prigozhin e para os serviços de inteligência ocidentais que, se era verdade a gaba de que sabiam tudo de antemão, não sabiam como se mover e o que fazer. Em vez disso, acabou positivamente para Putin, que poderia ter parado o comboio de mercenários na estrada para Moscou com tiros de canhão e, pelo contrário, calculou bem os riscos, preferindo a solução política (portanto, é uma questão de terroristas!) e evitando a guerra civil. Contra as alegres profecias de um colapso da Rússia e sua derrocada militar, a contraofensiva ucraniana não tirou nenhuma vantagem da crise e a guerra continuou como estava.
Em vez disso, a aventura do grupo Wagner chamou a atenção para o flagelo dos exércitos mercenários e dos "empreiteiros" que integraram ou até substituíram os exércitos conscritos. O pacifismo no Ocidente saudou a renúncia ao recrutamento obrigatório pelos estados como sua vitória, mas na realidade foi a vitória dos belicistas que, queimados pela experiência do Vietnã (os cartões postais de preceito queimados nos campi universitários) e pela legitimidade da objeção de consciência, perceberam que não podiam mais confiar no exército popular e no seu amor gratuito pela pátria e optaram pela prostituição, pela guerra e pela compra de serviços militares por dinheiro.
Desta forma, a guerra perdeu cada vez mais os seus álibis ideais (e os comportamentos sonhados pelas Convenções de Genebra) e tornou-se cada vez mais intrínseca ao dinheiro; como toda realidade submetida pelo capitalismo, e antes pelo Nomos do Ocidente, à lei da coisa, a guerra tornou-se um produto e os homens e mulheres de armas tornaram-se produtíveis, não apenas em benefício das indústrias e do mercado de armas, mas também das guerras a serem travadas e do saque e dos mortos a serem trocados entre as partes em conflito.
O sistema de dominação e de guerra ao qual, a partir do grande acontecimento político da derrubada do Muro de Berlim, a ordem internacional foi conformada e a própria condição humana na Terra foi escravizada (lembre-se do ministro que durante a Guerra do Golfo explicou na Câmara que já não era mais possível distinguir tempo de guerra de tempo de paz), foi assim institucionalizado e equipado com todas as garantias de não ser questionado e contestado em democracia sobre as guerras individuais a serem travadas.
"Paradoxalmente, se hoje queremos lutar pela paz e pelo repúdio ao sistema de guerra, devemos lutar pelo restabelecimento do serviço militar obrigatório, mas de forma a visar a criação de exércitos capazes de defender, de várias formas, não apenas um, mas muitos municípios ativos de que consistem as Pátrias; e estas Forças Armadas podem nem sempre estar armadas, como foi o caso da missão militar italiana que, após a queda de Hoxha, saiu sem armas para ajudar a Albânia e não por acaso foi chamada de “Pelicano”. E com o recrutamento obrigatório poderia até voltar a objeção de consciência que na Itália, único país do mundo, a lei reformada elaborada no Parlamento pelo Grupo Interparlamentar (e interpartidário) pela Paz (GIP) chama, positivamente, "a obediência à consciência".
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Guerra como produto. Artigo de Raniero La Valle - Instituto Humanitas Unisinos - IHU