Vaticano II e o Muro de Berlim

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21 Novembro 2014

"Eventualmente, o comunismo teria desmoronado por sua não plausibilidade e incompetência própria. Mas ele poderia não ter caído em 1989 sem a revolução de consciência do Papa João Paulo II. Por sua vez, o papado de João Paulo foi possível por causa do Vaticano II", escreve George Weigel, membro do Centro de Ética e Políticas Públicas, Washington, D.C, em artigo publicado por First Things, 19-11-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.

Eis o artigo.

A história, às vezes, mostra uma capacidade de arranjar aniversários importantes de forma que um acaba lançando luz sobre o outro. No dia 21 de novembro de 1964, o Papa Paulo VI promulgou, solenemente, a Constituição Dogmática sobre a Igreja, do Concílio Vaticano II, que começa proclamando Cristo como a “luz dos povos” sendo, assim, conhecida como “Lumen Gentium”. Na noite do dia 9 para o dia 10 de novembro de 1989, 25 anos depois, o Muro de Berlim era derrubado e o projeto comunista na Europa ruiu, ficando reduzido a escombros de alvenaria que, durante décadas, dividiu o país. Cinquenta e cinco anos após Lumen Gentium e 25 anos depois da Revolução de 1989, podemos ver com mais clareza que o Concílio tinha algo a ver com a derrocada comunista.

Isto aconteceu não na forma como importantes diplomatas do Vaticano imaginaram, no entanto. Na euforia pós-conciliar, pensou-se que a “abertura” do Vaticano II ajudaria a facilitar uma “convergência” entre o Oriente e o Ocidente, de tal maneira que o Muro, e a divisão pós-guerra da Europa, eventualmente iria desaparecer. O que aconteceu, na verdade, foi algo mais dramático, e ilustra a forma na qual a história da salvação, trabalhando dentro do que o mundo enxerga como “história”, pode curvar esta mesma história numa direção mais humana.

O documento Lumen Gentium descreveu a Igreja como tendo um caráter sacramental: a Igreja é o “sinal e o instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano”. Esta tão esperada “unidade de todo o gênero humano” somente é possível através da “íntima união com Deus”. Ela não pode ser criada pela modernidade ultramundana, hipersecular; tal como certa vez disso o grande teólogo conciliar Henri de Lubac: os seres humanos sem Deus somente podem organizar o mundo uns contra os outros. Mas, enquanto muitos no Ocidente tomaram o chamado para o diálogo e abertura do Concílio como um convite a modificar a crítica católica sobre o comunismo, a Igreja polonesa, liderada por dois gigantes, o cardeal Stefan Wyszynski e o jovem arcebispo de Cracóvia, Karol Wojtyla, interpretaram a Lumen Gentium – e, na verdade, a totalidade do Vaticano II assim o fez – como um convite a fazer pressão tendo em vista a liberdade religiosa e os direitos humanos básicos, para que, desse modo, a Igreja pudesse ser a força unificadora, libertadora que o comunismo polonês manifestamente não poderia ser.

Wojtyla trouxe junto esta convicção para Roma quando se elegeu papa em outubro de 1978. Então, em sua primeira peregrinação pastoral de volta à sua terra natal, João Paulo II entrelaçou habilmente temas da história cristã da Polônia com o chamado do Vaticano II por um catolicismo reenergizado, dedicado a converter o mundo. Em nove dias ele inspirou uma revolução de consciência enraizada em Cristo, à luz dos povos: Cristo, de quem aprendemos a verdade sobre o Pai misericordioso e a verdade sobre a nossa humanidade; Cristo, o verdadeiro libertador porque ele é, como João Paulo denominou em sua primeira encíclica, Redemptor Hominis, “o redentor dos homens”.

A revolução de consciência feita por João Paulo II pôs fogo naquilo que vinha, há anos, sendo guardado na Europa central e ocidental, e 10 anos mais tarde, em novembro de 1989, o Muro veio abaixo, demolido pelas consciências despertadas dos homens e mulheres que ousaram assumir o risco da liberdade e que ousaram viver na verdade.

Eventualmente, o comunismo teria desmoronado por sua não plausibilidade e incompetência própria. Mas ele poderia não ter caído em 1989 sem a revolução de consciência do Papa João Paulo II. Por sua vez, o papado de João Paulo foi possível por causa do Vaticano II: não por aquilo que o Papa Bento XVI chamou de “o Concílio da imprensa”, que pareceu descontruir o catolicismo, mas pelo verdadeiro Concílio, o Concílio que convocou a Igreja a proclamar Cristo como “a luz dos povos” e a converter o mundo através de todos os instrumentos que formam a sinfonia católica da verdade.

Então, sem o Vaticano II, não teríamos a Lumen Gentium; sem a Lumen Gentium e o Vaticano II, não teríamos João Paulo II; sem João Paulo II, não teríamos a Revolução de 1989.

Aquilo que mundo conhece como “história” é, na verdade, apenas a superfície das coisas. Por debaixo desta superfície, a história da salvação – a providência libertadora de Deus – está trabalhando, às vezes escondida, mas às vezes de forma bem clara. Houve dois momentos como este de muita clareza, a 50 e a 25 anos atrás. Deveríamos reconhecer e celebrá-los hoje.