A partir de dados do MapBiomas, professor observa que há muita devastação em áreas privadas e que as legislações estaduais e municipais nem sempre corresponde às necessidades de preservação das regiões
Em uma nova rodada de dados, o MapBiomas constata que houve um aumento 22,3% da área desmatada no Brasil em 2022. Como sempre, as florestas são as áreas que mais sofrem e, no caso da Amazônia, as ações de garimpo e crime organizado novamente são apontados como uma das causas destes aumentos nos índices de devastação. “Esse aumento no desmatamento de floresta se deu principalmente em áreas com mais de 100 hectares. Isso é um indício bem interessante de que realmente há uma sensação de impunidade”, observa Marcos Rosa, coordenador técnico do MapBiomas, em entrevista concedida via videochamada ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
No entanto, o que também chama atenção é a grande degradação no Cerrado. “No Cerrado a grande maioria dos desmatamentos são autorizados. O maior desmatamento que tivemos em 2022 é de 12.000 hectares. São áreas gigantescas”, observa Marcos. Conforme ele explica, há muita discrepância entre as legislações estaduais e municipais. Ou seja, muitos dos desmatamentos de fato são permitidos por lei. O problema é que as leis são concebidas sem amplas discussões sobre os impactos ambientais e atendem apenas à demanda de produtores que fazem o que o pesquisador chama de “um agro muito atrasado”. “Se o estado ou o governo federal descentralizaram o processo de autorizar o desmatamento, tem que, pelo menos, exigir que toda autorização volte para o Sistema Único Federal de forma transparente. É uma regulamentação superimportante, pois temos 5.500 municípios, cada um publicando de um jeito suas autorizações e com isso perdemos o controle”, avalia.
Marcos reconhece que com a atual composição do Congresso Nacional é bem pouco provável que se consiga avançar, mas aponta que um caminho é conceber legislações nacionais específicas para cada bioma. É o caso da Mata Atlântica que, depois de tanta degradação, foi criada uma lei específica para sua proteção. “Foram 14 anos para conseguir aprovar a Lei da Mata Atlântica no Congresso. Foi muita pressão da sociedade civil. Este vai ter que ser um processo que a gente terá que fazer nos outros biomas”, defende. Mas os resultados já começam a aparecer. “Desde 2005, a Mata Atlântica já ganha mais floresta do que perde”, destaca. E completa: “A Mata Atlântica é o bioma em que hoje realmente se consegue discutir desmatamento zero. Sobrou muito pouco, mas o que sobrou é muito importante e hoje temos áreas suficiente para poder discutir desmatamento zero e recuperar essas áreas mais fragmentadas”.
Marcos Rosa (Foto: MapBiomas)
Marcos Rosa é doutor em Geografia Física pela Universidade de São Paulo – USP. Tem mais de 20 anos de experiência na área geoprocessamento, cartografia digital e sensoriamento remoto, atuando principalmente nos temas de planejamento, monitoramento e meio ambiente. É coordenador técnico do Projeto MapBiomas, responsável técnico pelo Atlas dos Remanescentes Florestais da SOS Mata Atlântica/INPE e e professor permanente na área de Ciências Ambientais da Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS.
IHU – O que esse crescimento de 22,3% da área desmatada no Brasil, em 2022, significa no atual contexto de desmatamento do país?
Marcos Rosa – O país já assumiu compromissos internacionais, devia estar desenvolvendo ações para chegar ao desmatamento zero. Então, já esperávamos que estivesse reduzindo o desmatamento. Mas, no contexto do governo anterior, houve diversas ações de desmonte de políticas ambientais, incentivos, discussões sobre flexibilização de uso de mineração dentro de terras indígenas. Tudo isso abre um contexto em que realmente esperávamos que houvesse estes dados de aumento do desmatamento. Os próprios dados do DETER [levantamento rápido de alertas de evidências de alteração da cobertura florestal na Amazônia], do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – Inpe, já indicavam esse possível aumento do desmatamento.
Detectamos esse aumento do desmatamento praticamente todos os biomas, com exceção da Mata Atlântica, que ficou praticamente estável. Tivemos um crescimento de 20% do desmatamento na Amazônia, 22% na Caatinga e 30% no Cerrado. Com relação ao Cerrado, é um número muito impressionante, pois ele tem um ritmo de desmatamento grande e em alta velocidade.
Gráfico MapBiomas
Na Amazônia, o problema que percebemos é a interiorização desse desmatamento. Falávamos, no passado, do arco do desmatamento. Mas ele já ultrapassou as unidades de conservação e terras indígenas que protegiam esse arco e foi para o interior da Amazônia. Neste contexto, destacamos duas regiões, que é a região da AMACRO, no sul do Amazonas, do Acre e de Rondônia. É justamente nesta região que está muito concentrado, 10%, do desmatamento do Brasil está nessa área. E o Matopiba, que pega essa a região do Cerrado, do oeste da Bahia a Tocantins, Maranhão e Piauí, sul do Maranhão, sul do Piauí, que concentram 26% do desmatamento. Então, essas duas regiões são realmente muito preocupantes.
Gráfico MapBiomas
IHU – Você trouxe um destaque do Cerrado, mas vemos que as áreas mais desmatadas foram as áreas florestais. O que isso significa? Que comparações podemos fazer com outros momentos? O quanto estamos daquele momento em que se considera uma savanização das florestas brasileiras?
Marcos Rosa – Um dos pontos que vale a pena ressaltar é que esse aumento no desmatamento de floresta ocorreu principalmente em áreas com mais de 100 hectares. Isso é um indício bem interessante de que realmente há uma sensação de impunidade, pois quando começou o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal – PPCDam, entre 2003 e 2005, ao começar a partir de fiscalização, vimos realmente uma redução dos grandes desmatamentos. Agora, o que vimos nesses últimos quatro anos é novamente um aumento novamente de grandes desmatamentos. É preocupante, precisamos retomar o processo de comando e controle na Amazônia para diminuir esse desmatamento.
Na Amazônia, temos alguns estudos que mostram que mesmo as áreas florestais estão começando a emitir mais carbono do que absorver. Isso é muito preocupante. E em toda essa região sul do Amazonas onde era o arco do desmatamento, constatamos, através de estudo que publicamos, que algumas bacias hidrográficas já estão muito próximas do padrão da Mata Atlântica. Ou seja, é um padrão de alta fragmentação, baixa cobertura florestal.
O termo savanização não é muito bom porque a savana não é uma floresta degradada. Savana é um ambiente natural, é o ambiente do próprio Cerrado que tem muito boa diversidade. O que vemos, porém, é uma degradação da floresta. O clima acaba esquentando e, com isso, diminui a umidade. Assim, essa floresta úmida começa a ser substituída por espécies que se adaptam ao ambiente mais seco. É um processo preocupante, porque pode iniciar um ciclo ali que se configure como um ponto de não retorno [às condições naturais da floresta]. Não temos como saber exatamente quando vai ser esse ponto de não retorno; apenas sabemos que está próximo em algumas áreas.
Podemos afirmar que, sim, já tem uma mudança do perfil, mas a Amazônia ainda é muito grande. A preocupação é exatamente para que não entremos num ciclo onde se perde umidade, como essa substituição de vegetação que vai causar a perda de umidade novamente à floresta. A floresta recebe muita umidade do oceano, mas ela emite muita umidade. Ela é responsável pelos rios voadores, a chuva que recebemos no sudeste do Brasil depende dessa unidade emitida pelas florestas. Isso é a maior preocupação e tem que ser monitorado.
Precisamos combater esse desmatamento e reduzir muito esse índice na Amazônia. Acabar com o desmatamento ilegal é nosso principal foco hoje.
Gráfico MapBiomas
IHU – Quem são os maiores desmatadores no Brasil hoje?
Marcos Rosa – Não temos esse dado no MapBiomas, vemos em notícias algumas informações. Mas, o que está acontecendo, principalmente na Amazônia, é que agora entrou o crime organizado nesta cadeia de desmatamento. Há muito do garimpo, muita invasão de terra pública para tentar regularização [a partir da reclamação da posse] e em tudo se tem a informação de que há participação de crime organizado. Tanto é que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama, para atuar hoje, precisa ir até as áreas junto com a Força Nacional, com Exército, porque realmente é algo ilegal.
Observe que desmatar essas áreas com mais de 100 hectares é algo que depende de muito capital. São usadas máquinas que custam R$ 500 mil, R$ 1 milhão, são máquinas pesadas e caras. Às vezes, um desmatamento deste porte dura dois ou três meses, quando chegam a desmatar 500 hectares. Tem um desmatamento que é grande, mas o processo, como era feito antigamente, mais conhecido, era o que extraia madeiras de lei para que pudessem ser vendidas normalmente. Temos um controle grande sobre a venda de madeira, mas sempre têm as formas de burlar esse monitoramento.
Então, agora, se a madeira é de uma área ilegal, emite-se um plano de manejo numa área legalizada, não se retira a madeira de lá e esquenta essa madeira. Existe um processo necessário para monitorar essas guias de transporte de madeira para garantir que isso não aconteça. E, ainda, depois que se retiram as madeiras, passa-se um “correntão” e derruba a floresta remanescente.
Depois, espera-se essa mata secar por dois ou três meses e, então, taca fogo. Durante dois ou três anos se coloca fogo até que a área fique num padrão de pastagem. Só que, normalmente, não é uma pastagem de alta produtividade, não é para a produção de gado. Na verdade, é para tentar garantir o acesso a essa terra, para depois buscar regularizar essa área. Isso é feito, principalmente, nas glebas não destinadas, nas glebas públicas.
Com isso, esse invasor vai criar três, quatro, cinco registros de Cadastro Ambiental Rural – CAR, com CPFs falsos. E transforma em dez pequenas propriedades, por exemplo, para tentar conseguir regularizar a área por uma anistia que volta e meia passa pela aprovação do Congresso – uma anistia para regularização de pequenas propriedades. Assim, o sujeito tem sete ou oito registros para pequenas propriedades que, depois de regularizado, junta com uma única área e vende para, daí sim, alguém produzir. É um processo muito de especulação imobiliária, a partir da invasão de terra pública.
Creio que esta seja a principal demanda que deve ser enfrentada, tanto é que quando você cria uma unidade conservação, cria uma terra indígena, por exemplo, mesmo que a criação seja só em papel, já diminui muito o desmatamento. Afinal, com isso acaba a expectativa de que o sujeito vai ser dono dessa área no futuro. Obviamente que apenas a criação no papel não basta. Depois é necessário proteger as bordas, porque, se não, continua o processo de extração. Mas só a criação destas áreas de proteção, mesmo que ainda no papel, já são um ganho interessante.
IHU – Ainda sobre a Amazônia, quando você fala de crime organizado, está falando do narcotráfico. Correto?
Marcos Rosa – Exato.
IHU – Ou seja, é importante destacar que, ao contrário das narrativas que chegam ao Congresso, não são os pequenos produtores que saem de outras regiões do Brasil e vão para Amazônia tentar produzir. Há algo mais por trás. Vocês conseguem perceber estes novos contextos a partir dos dados do MapBiomas?
Marcos Rosa – Correto, esta é uma realidade. Mas é importante dizer que, no MapBiomas, trabalhamos principalmente com imagens de satélite, não chegamos nesse nível. O MapBiomas também não emite opiniões, produz um dado científico, público e esse dado fica disponível para que as outras entidades possam fazer as análises. Destaco isso porque muito do que estamos falando aqui não é opinião do MapBiomas, mas sim minha opinião por estar acompanhando o processo, participando de outros estudos. O MapBiomas trata de produção do dado básico, deixando o dado público e disponível para que possa ser subsídio para outros estudos.
Sabemos que houve o incentivo do governo de "ocupar para não perder [a terra]", de mandar ocupar a Amazônia mesmo, na década de 1960, 1970. Mas muito dessa ocupação já passou por vários processos de regularização. O grande problema é que sempre se usa esse discurso de defender esses pequenos produtores imigrantes no Congresso para flexibilizar ainda mais. Com isso, vão passando novas leis, vão liberando. Por exemplo, anistia-se quem desmatou até 2013. Só que, daí, vem outro e defende outra que libera para quem desmatou até 2017 e assim vão flexibilizando.
Como isso, acaba acontecendo essa perspectiva de colocar em discussão uma nova anistia para quem tem propriedades de até 20 hectares que desmataram até 2017. Abrindo perspectivas como estas, cria-se a ideia de que daqui há cinco iremos colocar uma nova legislação para iniciar novamente. E daí esse ciclo é alimentado. Tem que tomar muito cuidado com este discurso. Muitas vezes o Congresso usa o pequeno produtor como “um bode expiatório”, como uma desculpa para a flexibilização de leis ambientais. É muito emblemático estas situações em que se pega um único caso, chama atenção para ele, diz que a partir desse pequeno produtor se tem o exemplo de que precisa mudar a lei. Justamente com isso é que se “abre a porteira”.
Isso é uma preocupação grande, mas que pelas imagens do desmatamento não se detecta. A partir das imagens do MapBiomas, conseguimos analisar esse perfil do desmatamento e sabemos que aumentou o desmatamento de grandes áreas. Logo, esse desmatamento da Amazônia não é feito por pequenos produtores ou extrativistas, não é desse desmatamento de que estamos falando. Estamos falando de desmatamento realizado com um grande investimento de recursos, com grande maquinário. É esse o desmatamento que preocupa na Amazônia.
IHU – Os dados do MapBiomas também alertam para os desmatamentos em outros biomas e há um destaque ao Cerrado. Pode detalhar este cenário?
Marcos Rosa – Temos um perfil diferente, porque no Cerrado a grande maioria dos desmatamentos são autorizados. O maior desmatamento que tivemos nesse em 2022 é de 12.000 hectares. São áreas gigantescas. Para termos uma ideia, quando o SOS Mata Atlântica divulga laudos dos remanescentes da Mata Atlântica, ele divulga áreas de 20.000 hectares. No caso desta área de 12.000 hectares de desmatamento no Cerrado, mandamos a informação para a fiscalização e eles retornaram dizendo que o proprietário tem autorização para desmatar 24.000 hectares. Veja: só desmataram metade do que é possível. Comparando, nessa única autorização há uma área equivalente a um ano de desmatamento de toda a Mata Atlântica. Estamos falando de uma única mancha de desmatamento no Cerrado.
Gráfico MapBiomas
Isso tem acontecido com recorrência em muitos dos desmatamentos que vemos no Cerrado. E é uma autorização, muitas vezes, emitida por um município, pelo estado e não está integrado no sistema federal. Por isso nem sabemos o que é autorizado. Só quando a fiscalização vai para campo é que podemos ter esta informação. Precisamos, primeiro, garantir uma centralização das informações das autorizações que são dadas.
Hoje, se o município emite uma autorização, ele põe lá um arquivo PDF no site da prefeitura e ninguém vai ficar sabendo. Se o estado ou o governo federal descentralizaram o processo de autorizar a prática de desmatamento, é preciso pelo menos exigir que toda autorização volte para o sistema único federal de forma transparente. É uma regulamentação superimportante, pois temos 5.500 municípios, cada um publicando de um jeito suas autorizações e, com isso, perdemos o controle.
IHU – É importante destacar que são autorizações legais, e mesmo assim precisamos ter acesso à informação até poder contestar a autorização através da própria legislação.
Marcos Rosa – Até porque esta é uma questão de segurança para o proprietário da área. No MapBiomas, colocamos toda a perda de vegetação natural. Nunca julgamos se é legal ou não. E mesmo se for legal, não tiramos do sistema. Afinal, é a perda de vegetação. Porém, colocamos a informação de que tem uma autorização de desmatamento, se este for o caso.
Mas, neste caso, temos realmente uma questão de legislação, porque estamos com a legislação atual permitindo esses grandes desmatamentos sem discutir áreas prioritárias para a conservação. Poucas Unidades de Conservação do Cerrado passam por este debate. No Cerrado não é só combate ao desmatamento ilegal, teremos que discutir como regulamentar, como alterar as leis, como proteger algumas áreas. O ritmo de devastação do Cerrado, hoje, está muito maior. E, na medida em que aumenta a fiscalização na Amazônia, a tendência é que os desmatadores migrem, novamente e com mais força para, o Cerrado.
Aliás, a Mata Atlântica é o único bioma que tem uma lei de proteção do bioma.
IHU – Então, o caminho seria criar uma legislação similar para o Cerrado?
Marcos Rosa – Precisamos discutir uma lei de proteção para o Cerrado, discutir quais as áreas prioritárias para a conservação, onde realmente pode haver uma expansão agropecuária, ou onde tem que parar o desmatamento ou quando parar o desmatamento, por exemplo.
Na Amazônia, comando e controle de fiscalização vai gerar um efeito de curto prazo, é possível coibir o desmatamento assim. No Cerrado é mais difícil. Há esse problema da fiscalização também, vai ter que fiscalizar, tem muita área ilegal, muito processo em que os alertas mostram que vão virar multas. Mas, realmente, tem muita coisa realmente autorizada pela lei.
IHU – Então, seria até o caso de se fazer uma discussão mais profunda na lei que concede estas licenças?
Marcos Rosa – Exato. E aí entra um processo semelhante ao do Pantanal. O Pantanal é um dos biomas mais ameaçados por vários motivos. Primeiro, porque o pulso de inundação mudou. A última cheia que teve foi em 2018. Em 2023, até encheu um pouco o sul do Pantanal, mas temos visto que as cheias são em áreas cada vez menores e durante um tempo menor. Mapeamos desde 1985, mês a mês, e vimos que as cheias duravam seis ou sete meses. Hoje, elas duram dois ou três meses em áreas bem menores.
IHU – E quais as consequências?
Marcos Rosa – Nas áreas que alagavam no passado não se fazia investimento, usava a criação tradicional de boi com pastos naturais. Como não está alagando mais, agora temos um novo perfil ocupando. Não é mais a ocupação tradicional.
IHU – É muito aquela imagem que temos da pecuária antiga do Pantanal, em que o gado ficava numa pastagem até que vinha uma cheia e, depois, o gado era levado para outro campo seco. Era uma espécie de rodízio?
Marcos Rosa – Exato. Na hora que o pasto está começando a encher, você tira o gado e, na hora que a cheia baixa, você volta o gado. O que está acontecendo é que, como o pasto não alaga mais, o pessoal está removendo toda a vegetação e substituindo por plantas exóticas e braquiárias [gênero de forrageira de origem africana, resistente ao fogo, à seca e ao frio, utilizada na alimentação de animais e na criação de pastagens]. Quando se plantam estas novas espécies, acaba-se com toda a diversidade do Pantanal.
Outro problema: o Ministério Público do Mato Grosso do Sul tem um sistema de monitoramento muito forte. E, quando percebe essas ações de plantio de pastagens não naturais, detecta que em praticamente 80% dos casos o plantio é autorizado. Então, esse é o outro problema. Os 20 ou 25% que não têm autorização têm sido atuados, mas a grande maioria tem autorização emitida pelo governo.
É por isso que precisamos discutir a regulamentação. Têm regras diferentes entre o Mato Grosso, Mato Grosso do Sul. O período de proteção da pesca, por exemplo, ainda é diferente entre os dois estados e é diferente do governo federal. Precisa haver uma discussão específica com relação ao Pantanal, criar uma lei do Pantanal.
Precisamos planejar e lembrar que o Pantanal sozinho não sobrevive. O bioma depende da Bacia do Alto Paraguai. Os rios que vão para o Pantanal nascem no Cerrado, ao sul do Amazonas, e vão para o Pantanal. E essa bacia é a área mais desmatada também. Se tiram essa vegetação que protege os rios, estão deixando a erosão agir. Isso tudo desce para os rios do Pantanal e os rios ficam vazão. O processo no Pantanal é complexo. Há vários projetos que alteram estas áreas que dão origem ao Pantanal. Há cerca de 400 projetos de pequenas centrais hidrelétricas nestes rios, por exemplo.
IHU – Sobre a Mata Atlântica, qual é o cenário?
Marcos Rosa – Na Mata Atlântica, estamos vendo, através de novo centro de monitoramento, pequenos desmatamentos. Desde 2005, a Mata Atlântica já ganha mais floresta do que perde, só que ainda ganha floresta com baixa biodiversidade, baixo carbono estocado e está perdendo mata primária, com altíssima biodiversidade. Onde temos os remanescentes mais importantes de mata primária há muito carbono estocado.
A Mata Atlântica é o bioma em que hoje realmente conseguimos discutir o desmatamento zero. Sobrou muito pouco, mas o que sobrou é importante e nós temos, hoje, áreas suficientes para poder discutir o desmatamento zero e recuperar as áreas mais fragmentadas. Precisamos deixar essas áreas que estão regenerando realmente se conservar, porque elas diminuem a distância de fragmento, criam corredores e, neste processo de recuperação, há uma absorção de carbono.
IHU – Qual é o cenário do Pampa?
Marcos Rosa – O bioma Pampa tem sofrido bastante com o processo de conversão dos campos naturais. É aquele mesmo processo de quando falamos do Pantanal. A criação de gado nos campos naturais do Pampa é tradicional, preserva a biodiversidade. Estes campos são super-ricos em termos de biodiversidade. Muito da ameaça que existe no Pampa é de floresta exótica, pois, neste caso, não é só a remoção dos campos naturais para a plantação de outro tipo de pastos. Quando as pessoas observam estas áreas de campo, pensam que não tem nada e começam a plantar eucalipto. Diante desse processo, vemos que a legislação acaba não protegendo esses campos naturais e isso precisa ser discutido.
O Pampa também está com o ritmo de desmatamento grande, um aumento também nesse último ano, que chega a quase 30% do desmatamento. Não temos também sistemas de monitoramento específicos para a vegetação não florestal. O desmatamento nessas áreas de campos do Pampa e do Pantanal é subestimado. Os números que temos a partir do MapBiomas são principalmente de floresta e de savana. O número principal é de desmatamento de floresta porque a floresta é mais fácil de monitorar. Por isso, também sabemos que o Cerrado está subestimado. A gente hoje está usando DETER Cerrado, mas para 2020 usamos o Programa de Cálculo do Desflorestamento – Prodes Cerrado e dobramos o desmatamento. Em 2023, está entrando o Sistema de Alerta de Desmatamento do Cerrado – SAD Cerrado com mais uma fonte para consultar. A tendência é que veremos muito mais desmatamento.
Com relação à Caatinga, já temos um sistema de monitoramento. Quando olhamos o número de 2019 na Caatinga, vemos que era quase zero o desmatamento, chegava a 5.000 hectares. Mas entrou em funcionamento em 2020 o sistema preliminar do Sistema de Alerta de Desmatamento da Caatinga – SAD Caatinga e o desmatamento subiu de menos de 10.000 para 60.000 hectares e ele está em 120.000 em 2021 e 140.000 em 2022. São valores altos. O desmatamento na Caatinga tem vários fatores, mas um dos pontos importantes que temos ressaltado é a entrada de usinas eólicas e solares em áreas naturais.
Temos muita área já degradada e falta um planejamento, uma discussão. É superimportante termos usinas solares e eólicas, sem dúvida. É uma das formas de combater as mudanças climáticas. Mas não podemos instalar em áreas naturais. Temos que evitar ou ao menos discutir.
IHU – Resumindo, Mata Atlântica é o bioma que mais se perdeu, mas, a partir disto, avançamos em termos de proteção. Como fazer esse caminho de proteção com os outros biomas também, em termos de proteção?
Marcos Rosa – Sim. Foram 14 anos para conseguir aprovar a Lei da Mata Atlântica no Congresso. Foi muita pressão da sociedade civil. Este vai precisar ser um processo que teremos que fazer nos outros biomas.
Mas, nesse Congresso, atual é muito difícil avançar numa legislação neste sentido, pois há uma representação de um agro muito atrasado. Olhando os dados do MapBiomas, entre 2019 e 2022, percebemos que 80% do desmatamento é feito em propriedades privadas. O outro dado é que essas propriedades privadas chegam a 3% do total declarado de móveis no CAR. 97% dos imóveis declarados no CAR não tem nenhum desmatamento, nem legal e nem ilegal nesses últimos quatro anos.
Só que temos um congresso nacional que ainda está lutando por anistia, flexibilização das leis, como se o meio ambiente estivesse impedindo a produção. E esses 97% dos proprietários que não desmatam continuam produzindo, ganhando aumento de produtividade por tecnologia, por melhoria do manejo. Ou seja, é este agro mais moderno que precisamos trazer para junto na luta.
Os representantes deste agro mais moderno, que produz sem desmatar, precisam ser ouvidos, precisam ter representatividade no Congresso. Observe que muito desse desmatamento está ligado a atividades criminosas: narcotráfico, trabalho escravo. Muitas vezes, vamos fazer a fiscalização em campo depois de detectar o desmatamento, mas chegamos lá e têm dois ou três caras trabalhado em situação de semiescravidão. O que fazer? O Ibama vai prender as pessoas? Não. Não adianta prender as pessoas. É preciso atuar junto com a Polícia Federal, fazer investigação, tentar achar o mandante do desmatamento, de onde vem o recurso, para onde está indo o recurso. Este é o ponto.
Vamos precisar discutir uma lei específica para cada bioma, discutir um zoneamento para indicar quais áreas são prioritárias para a conservação. Já tem estudos de conservação, mas é preciso fazer um estudo como estes completo em cada bioma. O plano de combate ao desmatamento que foi feito para Amazônia agora está sendo pensado para o Cerrado. É preciso fazer isso para outros biomas.
Com o atual Congresso, acho difícil avançar. Precisamos, ao menos, conseguir trabalhar nos elementos de repressão das irregularidades. Enquanto isso, necessitamos conscientizar a população sobre a importância da preservação para que, através dela, consigamos representantes ligados a essa pauta ambiental em um novo Congresso Nacional.
A pressão econômica de grandes corporações é muito grande para que se libere tudo. É a ideia de que é preciso deixar que o mercado regule o mercado. Mas não é assim que funciona. Sem regular o mercado, ele assume uma postura predatória. Sem qualquer controle, esses indivíduos, mesmo que sejam 3%, terão uma postura predatória e continuarão destruindo, mesmo que os outros 97% estejam evoluindo.
IHU – Em meio a avanços e retrocessos, podemos afirmar que a sociedade está mais aberta à pauta ambiental, disposta a mudar de hábitos?
Marcos Rosa – A sociedade está percebendo os efeitos da destruição ambiental, que estão cada vez mais evidentes. Todos os cenários que foram traçados pelos cientistas nessa área ambiental nas décadas de 1970 e 1980 estão se confirmando. Ou seja, as mudanças climáticas são reais. Temos um cenário pessimista e um cenário mais otimista. Mas o que está acontecendo é o cenário pessimista; todos os estudos mostram isso. Afinal, estamos sempre emitindo mais carbono, sempre desmatando florestas, sempre tirando mais petróleo e emitindo mais carbono.
No Pantanal, estamos sentindo o efeito dos incêndios de 2020. Um total de 30% do Pantanal, 98% das áreas protegidas do Pantanal, são perdas irrecuperáveis. Ainda houve um incêndio na Austrália e agora acabou de ocorrer outro no Canadá e vimos todas as consequências. Há as secas extremas. Por isso digo que a sociedade está percebendo que as coisas estão mudando.
No entanto, ainda é um processo muito difícil, porque lutamos contra o grande capital. Quando as grandes corporações colocam uma dúvida, já é o suficiente para paralisar a sociedade. É como a indústria do cigarro acabou fazendo no passado, pois todo mundo estava sabendo que o cigarro fazia mal, mas bastava eles colocarem em dúvida, com um estudo supostamente científico, para as pessoas desconfiarem. Por mais que exista um consenso entre os cientistas, quando se levanta uma voz contrária, ocorre a dúvida. Isso é feito no caso das mudanças climáticas.
É preciso haver uma conscientização de longo prazo. É um problema complexo, e todo o problema complexo requer uma solução complexa. Se você inventa uma solução simples que não funciona, muitas vezes têm um apelo social muito forte. Por isso é preciso tratar a questão com suas complexidades.
Precisam ser implementadas ações para garantir a sustentabilidade. Por isso, o plano de combate ao tratamento das questões ambientais deve ter vários eixos. Por exemplo, ações de combate imediato, como comando e controle, alguma regularização fundiária, criação de áreas protegidas e outros de manutenção da floresta em pé. É preciso garantir que a população consiga viver com essa floresta, melhorar a qualidade de vida. É um processo longo. A população precisa estar ciente também que não tem solução fácil, não basta uma simples decisão de governo.
IHU – O que esses dados recentes do MapBiomas revelam sobre o tipo de desenvolvimento econômico pensado no Brasil? Podemos dizer que a pauta ambiental está no centro?
Marcos Rosa – Esses últimos dados são reflexos do governo anterior, onde a pauta ambiental era vista como impeditiva ao crescimento e não como uma forma de crescer de modo sustentável. Esperamos que isso mude. Tivemos uma mudança de visão nesse novo governo e esperamos que também os números de desmatamento mudem. Sabemos que não será uma mudança imediata. O primeiro dado do Prodes de desmatamento oficial é do último semestre de 2022 e do primeiro de 2023. Então, o desmatamento deste ano ainda terá reflexo do dado do ano passado, que teve um alto grau de desmatamento. Mas o que vimos pelo Deter é que deve haver uma queda do desmatamento na Amazônia, por volta de 30%. Esperamos que aconteça.
Também esperamos que esta sensação de impunidade acabe, pois o Ibama está voltando a atuar. Ao coibir o desmatamento, multar, destruir máquinas ilegais, há um impacto direto no custo da destruição ambiental. Uma escavadeira dessas grandes, usada nos garimpos, chega a custar R$ 1 milhão.
Agora, estamos mudando para uma visão diferente, mas precisamos continuar a cobrar do governo. É uma visão de um desenvolvimento mais sustentável, alinhado à conservação ambiental. Esperamos que esses próximos dados consigam reverter os números de agora.
IHU – Recentemente, o Congresso aprovou uma série de medidas desnutrindo os ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas. Como analisa estes episódios?
Marcos Rosa – Novamente, vou emitir uma opinião minha. Acredito que essa mudança é muito mais impactante em termos de sinal que o Congresso emite. Este sinal revela que o Congresso está interferindo na política ambiental do governo. Está mostrando muito mais o quanto eles vão tentar estabelecer limitações à questão ambiental. De qualquer forma, estruturas que foram mexidas continuam na estrutura do governo, do Executivo. Por exemplo, a criação de uma nova área indígena foi tirada do Ministério de Povos Indígenas e foi colocada no Ministério da Justiça. Mas o próprio ministro Flávio Dino, da Justiça, tem dito que vai seguir fazendo as ações em parceria com o Ministério dos Povos Indígenas. É o caso também do CAR, que foi tirado do Mistério do Meio Ambiente, mas haverá continuidade na gestão da informação.
Assim, internamente, o governo consegue se reorganizar, trabalhar em conjunto, fazer essas parcerias entre os ministérios. Eu, sinceramente, acho que o impacto disso é menor do que a mensagem que foi dada. Acredito que não vai chegar a impactar o desmatamento. A política do novo governo vai continuar acontecendo, a própria ministra Marina Silva continuou no governo.
IHU – Dá para ficar tranquilo, o senhor está tranquilo? Temos notícias de que dentro do governo há uma espécie de "fogo amigo", há pessoas que defendem uma negociação e que até é preciso ceder algumas coisas da pauta ambiental a pedido do Congresso.
Marcos Rosa – Isso sempre vai ter em qualquer governo. Nunca se tem a visão única, vai haver sempre uma disputa de poder ali. Já tínhamos visto isso no caso de Belo Monte e vimos agora na questão da Petrobras e a intenção de extrair petróleo na Foz do Amazonas. São disputas de poderes, visões diferentes. Mas faz parte do jogo político. Teremos que discutir e negociar.
Veja o exemplo da pressão do Congresso sobre as mudanças na Lei da Mata Atlântica, que foram vetadas por Lula. É claro que vai haver mais pressão e o Congresso vai tentar derrubar vetos. Isso é o que me preocupa. E até para isso precisa ter mobilização social, buscar apoio para as pautas. Acho que isso é importante porque o Congresso está sempre respondendo à pressão social.