06 Junho 2023
Na última semana, a Câmara Federal desafiou, mais uma vez, a força originária: aprovaram, às vésperas da retomada do julgamento do caso de repercussão geral sobre direitos indígenas, no Supremo Tribunal Federal (STF), o Projeto de Lei (PL) 490/2007. Mas, o que os parlamentares não previam, é que isso fortaleceria ainda mais os povos e seus ancestrais.
A reportagem é publicada por Conselho Indigenista Missionário (Cimi), 05-06-2023.
Logo nas primeiras horas da manhã desta segunda-feira (5) – seis dias após a aprovação do PL 490/2007 –, já era possível ver o Acampamento da Mobilização Nacional Contra o Marco Temporal ser erguido na Praça da Cidadania, em Brasília. Aproximadamente duas mil lideranças indígenas de todo o país estão concentradas na capital federal, unindo esforços, para garantir a demarcação de seus territórios e a preservação de suas próprias vidas.
Em uma coletiva de imprensa realizada do próprio acampamento, Kleber Karipuna, coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), diz que os indígenas não se deslocaram “só para acompanhar o julgamento”.
“Viemos a Brasília para trazer o nosso posicionamento contrário ao marco temporal, o nosso repúdio, a nossa força ao Supremo Tribunal Federal. Que os ministros e ministras do Supremo votem, à luz da Constituição brasileira, à luz dos direitos originários, não aprovando uma tese totalmente inconstitucional, que é o marco temporal”, afirmou Kleber.
“A gente sabe que, antes da chegada dos invasores em nossos país, os povos originários já estavam aqui, já existia povos indígena nessa terra, que depois foi chamada de Brasil. Então, não existe tese de marco temporal para nós, é uma inconstitucionalidade e, por isso, chamamos esse acampamento e chamaremos tantos quantos acampamentos contra o marco temporal forem necessários, para fazer força e frente à aprovação dessa tese”, completou o coordenador.
Nesta semana, no dia 7 de junho, o STF irá retomar o julgamento do caso de repercussão geral sobre direitos originários – paralisado desde setembro de 2021, quando o ministro Alexandre de Moraes pediu vista. O placar, desde então, está empatado em 1×1: um voto contrário ao marco temporal, do ministro e relator do caso, Edson Fachin, e um voto favorável, do ministro Nunes Marques. À época, Brasília foi palco da maior mobilização nacional indígena pós-Constituinte, com a presença de seis mil indígenas.
Desde dezembro de 2016, o Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, que discute uma reintegração de posse movida contra o povo Xokleng, em Santa Catarina, tramita na Suprema Corte. Um pouco mais de dois anos após o protocolo do processo, o STF, por unanimidade, reconheceu a existência de repercussão geral do caso – no dia 22 de fevereiro de 2019. Ou seja, a decisão tomada neste julgamento terá consequência para todos os povos indígenas do país.
De um lado, indígenas e apoiadores da causa lutam pela preservação da flora e da fauna, da água, das florestas, do planeta. Já do outro, ruralistas e setores econômicos interessados na exploração das terras originárias tentam inviabilizar, por meio da falaciosa tese do marco temporal, os direitos constitucionais dos povos indígenas, como o direito ao território. A tese diz que os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem sob sua posse no dia 5 de outubro de 1988, ou que, naquela data, estivessem sob disputa física ou judicial comprovada.
De acordo com a avaliação de indigenistas, lideranças indígenas, juristas, apoiadores da causa e do Ministério Público Federal (MPF), o marco temporal é considerado perverso, pois legaliza e legitima as violências a que os povos indígenas foram submetidos até a promulgação da Constituição Federal de 1988, especialmente durante o período da Ditadura Militar – momento em que ocorreu duras violências contra os indígenas e o esbulho de seus territórios.
É preciso ressaltar, ainda, que a tese do marco temporal ignora também o fato de que, até 1988, os povos indígenas eram tutelados pelo Estado e não tinham autonomia para lutar, judicialmente, por seus direitos.
Além disso, ignora a consulta livre, prévia e informada, assegurada aos povos originários na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), escancarando terras já demarcadas para diversos empreendimentos predatórios, como agronegócio, mineração, garimpo, extração ilegal de madeira e construção de estradas e hidrelétricas.
O projeto já tramitou por comissões e no plenário da Câmara Federal. Agora, aprovado pelos deputados, o projeto aguarda apreciação do Senado Federal sob a numeração PL 2903/2023.
No Poder Executivo, a tese do marco temporal passou a ser aplicada por meio do Parecer 001/2017 da Advocacia Geral da União (AGU), suspenso. A medida determina que toda a administração pública federal adote uma série de restrições à demarcação de terras indígenas. Entre elas, estão as condicionantes do caso da Terra Indígena (TI) Raposa Serra do Sol, em Roraima, de 2009, e a própria tese do marco temporal.
Inclusive, na tarde desta segunda-feira (5), foi realizado um ato em frente à sede da AGU, em Brasília. Lideranças de diversos povos pediram, no local, a revogação do Parecer 001/2017, que é tão nocivo quanto as proposições que tramitam nos outros Poderes.
Conforme mencionado logo no início desta matéria, na última semana, no dia 30 de maio, a Câmara aprovou – por 283 votos a 155 – o PL 490/2007. A proposição legislativa tem como finalidade inviabilizar, na prática, a demarcação dos territórios indígenas por meio da aplicação do marco temporal.
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Indígenas voltam a Brasília para acompanhar julgamento do caso de repercussão geral sobre direitos originários, no STF - Instituto Humanitas Unisinos - IHU