01 Junho 2023
Os limites biológicos e físicos do planeta, fronteira a partir do qual a Terra deixa de ser um lugar seguro e habitável para a vida humana, estão sendo superados pelas alterações causadas pelo homem. A superexploração de recursos e seus impactos estão colocando contra as cordas a capacidade da Terra de se sobrepor (de resiliência) e de continuar fornecendo suporte à vida e serviços ambientais essenciais e, assim, evitar o risco de colapso. O resultado é que “os seres humanos estão correndo riscos colossais” que comprometem o futuro da civilização e de todos os seres que vivem na Terra, segundo um estudo publicado na revista Nature.
A reportagem é de Antonio Cerrillo, publicada por La Vanguardia, 31-05-2023. A tradução é do Cepat.
Uma equipe de 40 cientistas, liderada por Johan Rockström, copresidente da Comissão da Terra, definiu os cinco grandes limites do planeta, algo como os cinco semáforos vermelhos que a humanidade não deve ultrapassar. E a conclusão é que a maior parte desses limites está sendo ultrapassada.
“Estamos no Antropoceno, colocando em risco a estabilidade e a resiliência de todo o planeta”, sentencia Johan Rockström, autor principal e diretor do Instituto Potsdam de Pesquisas sobre o Impacto Climático.
Os cientistas fazem a primeira grande tentativa de objetivar os limites seguros e justos do sistema Terra para vários dos processos e sistemas biológicos e físicos que o regulam. Contudo, não avaliam apenas o estado de saúde planetário, mas também a dimensão da justiça, ou seja, utilizam como critério as condições que evitam as consequências e os danos significativos desta situação sobre as populações humanas.
Concretamente, a Comissão da Terra quantificou os limites considerados seguros e justos para a preservação do clima, da biodiversidade, das massas de água doce, dos ciclos de nutrientes e da presença de aerossóis poluentes na atmosfera; e conclui que a maioria desses indicadores foi ultrapassada.
Por exemplo, já se ultrapassou o limite justo e seguro para o clima, fixado em um aumento de temperatura de 1 grau acima dos níveis de temperatura pré-industriais, pois dezenas de milhares de pessoas já estão sendo prejudicadas atualmente pela mudança climática. O limite “seguro”, no sentido estrito, é de 1,5 grau, uma faixa que define a alta probabilidade de múltiplos pontos críticos climáticos. No entanto, o critério de “justiça” penaliza a “nota final” e, por isso, conclui-se que o limite climático foi ultrapassado.
Para alcançar a proteção da natureza, o limite “seguro e justo” é que de 50 a 60% do mundo contem com ecossistemas predominantemente naturais. No entanto, apenas de 45 a 50% do planeta possuem ecossistemas intactos.
Em áreas alteradas pelos seres humanos, como fazendas, cidades e zonas industriais, a Comissão diz que pelo menos de 20 a 25% da terra deve ser dedicada a habitats seminaturais, como parques naturais, áreas arborizadas para manter o ecossistema, ou que fornecem serviços de polinização, regulação da qualidade da água, controle de pragas e doenças e proporcionam o acesso à natureza. No entanto, cerca de dois terços das paisagens alteradas não atingem esse objetivo.
O ponto de referência para as águas superficiais é que não mais do que 20% dos fluxos de rios e arroios podem ser alterados ou bloqueados em qualquer área de captação, já que isso provoca uma diminuição da qualidade da água e a perda de habitats para as espécies de água doce. Este “limite seguro” já foi ultrapassado em um terço da terra do mundo por hidrelétricas, sistemas de drenagem e construções.
O balanço também reprova o que está acontecendo com os sistemas de águas subterrâneas, cujo limite seguro é que os aquíferos não se esgotem mais rápido do que podem ser repostos. No entanto, 47% das bacias hidrográficas do mundo estão se esgotando a um ritmo alarmante. Este é um grande problema em centros populacionais como Cidade do México e áreas de agricultura intensiva como a Planície do Norte da China.
Outro objetivo diz respeito à poluição por aerossóis, que se acumula nos canos de escapamento de automóveis, fábricas e usinas de carvão, petróleo e gás.
Localmente, por exemplo, nas cidades, segue-se o critério da Organização Mundial da Saúde que estabelece um limite de 15 microgramas por metro cúbico de exposição média anual a pequenas partículas, conhecidas como PM2.5, que podem prejudicar os pulmões e o coração.
Esse é um problema de justiça social porque as comunidades mais pobres, muitas vezes, predominantemente negras, tendem a sofrer os piores resultados, já que muitas estão localizadas em áreas vulneráveis.
Os nutrientes, ou seja, o excesso de fertilizantes (nitrogênio e fósforo) é outro foco de preocupação porque os agricultores nos países mais ricos estão aplicando mais nitrogênio e fósforo nas terras do que as plantas e o solo podem absorver. Essas práticas aumentam temporariamente os rendimentos, mas provocam infiltrações, derramamentos e escoamentos de água que levam à contaminação de lagos, lagoas e à proliferação de algas que contaminam os recursos hídricos.
As nações mais pobres precisam de mais fertilizantes, enquanto as nações ricas precisam reduzir o excedente. O “limite seguro e justo” é um equilíbrio complexo: no momento, provocam um excedente global de 61 milhões de toneladas de nitrogênio e cerca de 6 milhões de toneladas de fósforo.
“Os resultados são bastante preocupantes. A menos que ocorra uma transformação a tempo, é muito provável que se torne inevitável ultrapassar os pontos de uma mudança irreversível (tipping points) e, consequentemente, um impacto generalizado no bem-estar humano. Evitar esse cenário é crucial se quisermos garantir um futuro seguro e justo para as gerações atuais e futuras”, acrescenta Rockström.
Até o momento, os especialistas identificaram dezessete elementos climáticos críticos, sendo nove relacionados à criosfera. “A criosfera em áreas de altas montanhas da Ásia está mudando rapidamente, a ponto de se tornar um novo ‘elemento crítico climático’, o que pode repercutir na socioeconomia regional”, explicou o professor Qin Dahe, copresidente da Comissão da Terra e diretor do Comitê Acadêmico da Academia Chinesa de Ciências.
Os limites do sistema Terra serão a base para o estabelecimento de novos objetivos baseados na ciência (science-based targets) para empresas, cidades e governos abordarem as diferentes crises: a crescente exposição humana à emergência climática, o declínio da biodiversidade, a escassez de água, os danos aos ecossistemas pelo uso excessivo de fertilizantes em algumas partes do mundo (junto à falta de acesso em outras) e os danos à saúde pela poluição atmosférica.
“Uma transformação segura e justa requer urgentemente a ação coletiva por parte de múltiplos atores, especialmente de governos e empresas para atuar dentro dos limites do sistema Terra e manter intacto o sistema que sustenta a vida no planeta. A gestão adequada dos bens comuns globais nunca foi tão urgente, nem tão importante”, afirma Wendy Broadgate, diretora executiva da Comissão da Terra e diretora do Future Earth Global Hub, da Suécia.
Os autores acreditam que esta avaliação científica global fornece à sociedade alguns limites dentro dos quais o desenvolvimento mundial próspero e equitativo pode ocorrer, em um planeta estável.
“Os objetivos baseados na ciência podem ser adotados por cidades, empresas e países para enfrentar as crises sistêmicas globais de mudança climática, perda de biodiversidade, sobrecarga de nutrientes, uso excessivo de água e poluição atmosférica”, conclui Rockström.
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A maior parte dos limites para uma vida humana segura no planeta foi ultrapassada - Instituto Humanitas Unisinos - IHU