31 Mai 2023
"Os Samaritanos seguem seu próprio caminho. Como os homens e mulheres da Underground Railroad que duzentos anos atrás, protegeram os escravos em fuga para o Canadá, eles também abriram no deserto uma estrada para a salvação", escreve Paolo Naso, sociólogo italiano da Comissão de Estudos da Federação das Igrejas Evangélicas na Itália e professor da Universidade de Roma “La Sapienza”, em artigo publicado por Riforma, semanário das Igrejas Evangélicas Batistas Metodistas e Valdenses, 02-06-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
É chamado de “o muro” mas na realidade é uma monstruosa barreira de ferro de 10m de altura, uma serpente metálica que serpenteia da costa oeste da Califórnia para o leste, separando os Estados Unidos do México. Um forte projeto de Trump, o muro veio substituir aqueles mais modestos e parciais erguido por seus antecessores em alguns trechos da fronteira: uma obra de 16 bilhões de dólares, abandonada por Joe Biden que, porém, paralisado pelo Congresso e talvez por sua própria incerteza, não abordou nenhuma reforma da imigração que pressiona ao longo da fronteira sul dos EUA.
A cidade de Nogales, no lado mexicano da fronteira, está repleta de empresas maquiladoras: centros industriais alugados por empresários estadunidenses que deslocalizam sua produção para um país onde o trabalho custa menos. Os sindicatos não têm nenhum acesso a esses estabelecimentos que têm faturamento maior do que a indústria do turismo no México.
A exploração dos trabalhadores das maquiladoras é um fruto envenenado dos acordos do NAFTA de 1994, que autorizavam o livre comércio entre México, Estados Unidos e Canadá, de fato enfraquecendo as economias mais pobres e expondo milhares de trabalhadores à chantagem de empresas que operam sem nenhum tipo de controle.
Ao longo do muro podem ser vistas cruzes e ramos de flores que lembram as vítimas da imigração, mortas na tentativa desesperada de cruzar a fronteira. Às vezes são mortas pelos agentes da Patrulha de Fronteira, mas quando não é a polícia que atira, é o deserto que tira a vida: de acordo com a CNN, em 2022 houve 748 mortes ao longo da fronteira EUA-México.
Para evitar cruzar com a polícia de fronteira e serem presos e mandados de volta, os migrantes tomam o caminho do deserto de Sonora contando com os coiotes, um termo totalmente apropriado para identificar os traficantes que pedem 7.000 ou 8.000 dólares para guiá-los perto de uma brecha no muro. E este o extremo paradoxo da serpente gigante: apenas perto de Nogales, de fato, podem ser contadas trinta e cinco brechas pelas quais é possível entrar no território do Arizona. Que sentido têm? Alguém diz que são uma "armadilha", uma passagem fácil que atrai os migrantes que querem entrar clandestinamente nos Estados Unidos, para que a Patrulha de Fronteira possa interceptá-los. A hipótese é tortuosa, mas plausível.
Ao lado de cada brecha podem ser vistas garrafas de água. “Somos nós que as depositamos e garantimos que aqueles que chegam depois de terem percorrido quilômetros no deserto encontrem algo para beber – nos conta John, um dos Samaritanos que todas as semanas realiza um serviço de resgate no deserto. Samaritanos, como o homem que na narrativa bíblica de Lucas (10, 25-37) parou para socorrer um homem ferido na estrada de Jerusalém para Jericó.
"Saímos de manhã cedo da praça da nossa igreja do Good Shepard - conta - com um ou dois jipes carregados de alimentos, água, cobertores e itens de primeira necessidade e ficamos patrulhando o deserto para ajudar os refugiados, enfraquecidos por dias de caminhada e desorientados". Os Samaritanos foram fundados por Randy Meyer, um pastor da Igreja Unida de Cristo, uma das históricas igrejas protestantes dos Estados Unidos: sólida teologia protestante, criatividade diaconal, mas acima de tudo um grande talento na valorização dos membros da própria comunidade e no envolvimento de pessoas também externas a ela.
“Sou de origem presbiteriana – explica John – mas aproximei-me da Igreja do Good Shepherd precisamente porque compartilho e aprecio seu empenho humanitário. Com um passado de gerente da indústria automobilística, John não se parece muito com um ativista radical, mas toda semana veste uma camiseta com os dizeres "A ajuda humanitária nunca é um crime" e se dedica a uma missão de socorro no deserto. E as relações com a polícia de fronteira? “Muito formais: eles fazem o trabalho deles e nós o nosso, dentro dos limites estabelecidos pela lei: por exemplo, nunca damos carona, exceto para pessoas gravemente feridas, e neste caso nos protegemos assinando uma autodeclaração na qual explicamos porque carregamos um migrante. De fato, o risco é uma denúncia por favorecimento da imigração ilegal".
Ao longo dessa fronteira tão movimentada, não existem apenas migrantes, socorristas e polícia. Existem também os vigilantes, grupos de cidadãos armados que com sua presença ameaçadora querem esclarecer que os Estados Unidos não são um país que acolhe os migrantes. E além disso, na área, existem os homens dos Carteis, as várias organizações criminosas que gerenciam todos os possíveis negócios típicos da fronteira: contrabando, droga, extorsão, sequestro, imigração ilegal.
Os Samaritanos seguem seu próprio caminho. Como os homens e mulheres da Underground Railroad que duzentos anos atrás, protegeram os escravos em fuga para o Canadá, eles também abriram no deserto uma estrada para a salvação.
E quando os migrantes são interceptados pela Patrulha de Fronteira? “São presos e, dependendo do caso, deportados para o México com proibição de retornar aos Estados Unidos por cinco anos ou detidos em um centro de proteção temporária onde podem iniciar o processo de pedido de asilo. O problema é que não existem regras certas e às vezes é barrado até quem teria direito à proteção internacional. Esse lugar – John explica amargamente – tornou-se a nova Ellis Island. Nunca imaginaríamos que teríamos de nos empenhar a colocar reservas de água ao longo dos caminhos no deserto, mas hoje é esse simples gesto que pode salvar a vida de milhares de pessoas”.
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Samaritanos no deserto. Artigo de Paolo Naso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU