25 Mai 2023
János Kértész, chefe de um consórcio internacional de cientistas e especialistas da indústria que promovem a inteligência artificial “humanitária”, diz que o papa tem uma visão idealizada da sociedade.
A reportagem é de Marc Roscoe Loustau, publicada por La Croix Internacional, 22-05-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
János Kértész, um importante eticista húngaro e especialista em inteligência artificial, levantou preocupações sobre as opiniões do Papa Francisco sobre a tecnologia, alertando que – se postas em prática – tais opiniões podem ter um efeito inibidor no campo da inovação.
O papa falou sobre os efeitos sociais da tecnologia no dia 30 de abril, enquanto se dirigia a cientistas húngaros de uma universidade católica em Budapeste, que possui um importante centro de pesquisa em inteligência artificial. Durante o encontro, que ocorreu no fim de uma visita papal de três dias à capital húngara, Francisco, de 86 anos de idade, disse estar interessado em dialogar com lideranças intelectuais sobre os perigos da inteligência artificial.
Mas Kértész alertou que o pensamento do papa tem sido influenciado por uma visão sentimental da sociedade tradicional, que precisa ser contestada.
Francisco sempre falou sobre os perigos da tecnologia e destacou a necessidade de abordagens éticas à inteligência artificial. É provável que ele tenha sido motivado a fazer essas declarações depois que o ChatGPT, que produz textos a partir de prompts do usuário, e o Midjourney, um gerador de imagens, chamaram a atenção dos formuladores de políticas europeus.
Por um lado, suas declarações se enquadram em sua marca registrada do cuidado pastoral a grupos socialmente marginalizados. Por exemplo, ele insistiu que a inteligência artificial não deveria ser usada para discriminar os vulneráveis, incluindo os migrantes e os refugiados. Ele fez essas advertências aparentemente de olho na urgência deste momento, enquanto a população mundial de pessoas deslocadas à força continua aumentando.
Por outro lado, Francisco também procurou delinear para a Igreja um ensinamento universal e duradouro sobre a inteligência artificial ética. Em 20 de fevereiro, em um discurso para a Pontifícia Academia da Vida de Roma, o papa apresentou um tema que ele voltou a abordar na Hungria: que toda tecnologia deve servir “à dignidade da pessoa e ao desenvolvimento humano integral”, agora e no futuro.
“Não podemos permitir que os algoritmos limitem ou condicionem o respeito pela dignidade humana”, disse ele, “nem que excluam a compaixão, a misericórdia, o perdão e, sobretudo, a abertura à esperança de uma mudança da pessoa.”
O papa também alertou que as relações interpessoais diretas devem continuar sendo o coração pulsante da vida social. “A tecnologia não pode substituir o contato humano”, disse ele aos cientistas e eticistas reunidos para a Assembleia Geral da Academia.
Ele se inspirou na tradição do ensino social católico e ampliou seus princípios básicos para que a Igreja possa ser guiada no futuro à medida que surgem novas formas de tecnologia de inteligência artificial. O discurso do papa no dia 30 de abril em Budapeste pertence a essa última categoria de reflexão ética teórica.
Francisco recebeu elogios entusiasmados de liberais e também de conservadores por sua interpretação dos escritos do teólogo católico alemão Romano Guardini (1885-1968). Católicos mais progressistas chamaram Guardini de um “profeta para a nossa era distraída”. Mike Lewis, editor do blog Where Peter Is, definiu Guardini como “um dos gigantes teológicos do século XX”, por defender uma abordagem humanista católica à tecnologia.
Na Hungria, o Papa Francisco inspirou-se no humanismo de Guardini ao afirmar o valor inerente da tecnologia como um produto da criatividade humana. No entanto, ele também lamentou os efeitos negativos das mídias sociais, que ironicamente coincidiram com o fato de as pessoas “se tornarem cada vez menos ‘sociais’”.
János Kértész, que lidera um consórcio internacional de cientistas e especialistas da indústria na HumanE AI Network, aplaudiu o endosso do papa à inteligência artificial humanizada. O físico húngaro aconselhou os formuladores de políticas europeus de alto nível a moldarem a revolução da inteligência artificial em uma direção que seja socialmente benéfica para os humanos e siga os valores e normas éticos europeus.
Ele disse ao La Croix International que a preocupação de Francisco sobre os efeitos sociais da tecnologia é amplamente compartilhada entre cientistas e formuladores de políticas. “O bem-estar depende também de como nos sentimos na sociedade”, disse ele, acrescentando que o bem-estar social – e não apenas a liberdade individual – deve ser a medida do avanço tecnológico.
Kértész também concordou com o papa que os formuladores de políticas deveriam avaliar uma ação legal para evitar os potenciais efeitos sociais negativos da inteligência artificial. Kértész também alertou que a lei pode ser um instrumento contundente. “É uma questão delicada”, comentou Kértész. “É preciso haver um equilíbrio ideal entre as limitações e a liberdade de pesquisa.”
Os formuladores de políticas europeus devem buscar sanções internacionais contra a edição genética, sugeriu Kértész. Os acordos que limitam o uso da tecnologia CRISPR, que pode criar embriões com características genéticas hereditárias, têm sido altamente eficazes.
No entanto, o papa poderia ter dito tudo isso sem aquela que Kértész criticou como uma visão “idealizada” da sociedade. “A opinião unilateral do papa se baseia em um estado idealizado da sociedade, dominado por relações humanas íntimas em pequenas comunidades.”
Kértész discordou das advertências de Francisco sobre a influência isoladora da tecnologia, pois, em sua opinião, a sociedade sempre se caracterizou pelo estranhamento e pela vulnerabilidade. Algumas relações sociais estão se diluindo. No entanto, Kértész também observa que a tecnologia pode facilitar a integração social dos idosos, uma população vulnerável pela qual o Papa Francisco expressou uma especial preocupação pastoral.
“Pensemos em uma avó que faz uma videochamada com seu neto que mora em outro continente”, sugeriu Kértész. “Isso é comovente.”
Ele insistiu que o papa conquistaria mais aliados na comunidade científica se contrabalançasse suas advertências com elogios à capacidade da tecnologia de reduzir o sofrimento humano.
“O desenvolvimento tecnológico fez com que menos pessoas sofressem”, disse Kértész, “e essa é uma grande conquista.”
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Físico húngaro diz que sentimentalismo do papa é um obstáculo para a “IA ética” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU