23 Mai 2023
A 39ª Assembleia Geral Ordinária do Conselho Episcopal da América Latina e do Caribe (Celam) elegeu Dom Lizardo Estrada Herrera, bispo auxiliar de Cusco (Peru), como secretário-geral. Nesta entrevista, reflete sobre a nova missão que a Igreja do continente lhe pede, bem como sobre vários elementos que fazem parte da sua missão de bispo e da caminhada da Igreja na América Latina e no Caribe.
A entrevista é de Luis Miguel Modino.
Acaba de ser eleito Secretário-Geral do Conselho Episcopal da América Latina e do Caribe. Como se sente com esta missão que a Igreja lhe atribui?
Antes de mais, agradeço a Deus pelo seu olhar, pela sua compaixão, por todas as suas bênçãos, agradeço à Ordem de Santo Agostinho a que pertenço, agradeço aos meus irmãos bispos do Peru, porque até agora sou secretário-geral da Conferência Episcopal, e aqui agradeço a confiança de todos os bispos da América Latina, da assembleia.
Sinto-me honrado, sinto-me também muito surpreendido, com sentimentos mistos, grato a Deus, mas também confiante de que Ele próprio ajudará a nova presidência, a minha pessoa, neste caminho. Sou novo em tudo, mas tenho confiança em Deus e nos meus irmãos bispos da América Latina.
O senhor é bispo há pouco mais de dois anos, foi ordenado em 2021, e uma vez um bispo disse que para ser padre se prepara no seminário, mas que ser bispo é algo que vem de repente. Podemos dizer que está a aprender a ser bispo, é um bispo auxiliar, e agora é-lhe confiada uma tarefa que já estava a fazer no Peru, mas agora para todo o continente. Como realizar este trabalho de coordenação, de animação da vida do Celam no dia a dia, e quais são os desafios que podem surgir no desempenho desta missão?
O meu arcebispo de Cusco, Dom Richard, que, como pai, como irmão, como amigo, me orienta e aprendi muito nestes dois anos, e os bispos do Peru, claro, uns mais do que outros, que sempre estiveram muito próximos de mim.
A assembleia é quem dá orientações sobre o que se vai fazer nestes quatro anos, a assembleia dá propostas, diretrizes, e nós, da Presidência, vamos implementar as propostas mais importantes, como um capítulo geral numa congregação ou um capítulo local numa comunidade, tem força e faz propostas. Durante o período em que é a nossa vez de servir, devemos cumprir as coisas que a assembleia ordena, nos diz ou propõe, e as coisas que são de maior importância, cumpri-las-emos com a ajuda de Deus e de todos os bispos.
Animar a vida do Celam, que nestes últimos anos foi marcada, e assim deve ser neste novo quadriênio, como disse o presidente, Dom Jaime Spengler, insistindo que não podemos voltar atrás no processo que tem sido animado por tanta gente e que está a ajudar tanto. Que contributo pensa poder dar para a animação dos quatro centros do Celam?
Na questão da comunhão, temos de continuar a crescer, a questão de trabalhar em sinodalidade, de caminhar juntos, de nos escutarmos uns aos outros, de escutarmos o Espírito Santo, de escutarmos o que Deus quer para a América Latina, de continuarmos nisso. Uma coisa que aprendemos nestes últimos tempos é a conversação espiritual, um método que nos ajudou a entendermo-nos, a aproximarmo-nos, a escutarmo-nos e a escutar a vontade de Deus, sem tantos atritos nem discrepâncias, porque é o Espírito que nos guia, é o Espírito Santo que nos ilumina.
Por outro lado, temos de dar continuidade, não podemos parar, há um processo que começou e que tem de continuar, com a ajuda das muitas pessoas que fazem parte do Celam. Os centros, que já têm um caminho, têm de continuar. É um processo, o processo está em ação, em caminho, em movimento, e essas coisas que já foram iniciadas com tanto sacrifício, com tanto esforço, não devem parar. Nestes anos, com a ajuda de Deus e dos irmãos, para dar continuidade ao que foi feito, e para enfatizar alguns pontos, é claro que seja o que a assembleia disser.
Dom Lizardo Estrada Herrera, bispo auxiliar de Cusco (Peru), como secretário-geral, na 39ª Assembleia Geral Ordinária do Conselho Episcopal da América Latina e do Caribe (Celam) | Foto enviada por Luis Miguel Modino
O senhor participou do encontro dos países bolivarianos da Etapa Continental do Sínodo e depois em Bogotá participou da reunião dos secretários gerais das conferências junto com os presidentes. O que o senhor percebeu na Igreja da América Latina e do Caribe na experiência concreta do Sínodo que o Papa Francisco nos chama a assumir e que em outubro terá a primeira parte de sua assembleia sinodal?
Este processo tem-nos ajudado a refletir, a pensar, a dar mais relevo, a ouvirmo-nos uns aos outros. Às vezes só os bispos ou só os padres, mas o Povo de Deus, claro que nós fazemos parte do Povo de Deus, mas este é um processo que começou e não deve parar. Quer a apropriação da Assembleia Eclesial, este texto que temos com as orientações, os desafios, as linhas pastorais, quer o processo que iniciámos do Sínodo da Sinodalidade com as suas respectivas equipes, está a ajudar-nos a retomar aquilo que sempre esteve na Igreja, aquilo que o Vaticano II nos incentivou, nos ensinou e nos mandou.
O Papa João Paulo II disse que o Vaticano II é a bússola que nos guia para onde temos de ir. Ainda há muito que aprender e experimentar do Vaticano II e do nosso Magistério latino-americano, das diferentes conferências, Puebla, Medellín, Santo Domingo, Aparecida, reforçar, retomar, voltar, aprender mais sobre Aparecida, sobre a Assembleia Eclesial. Estamos a caminho, um movimento que não deve parar, com a ajuda, claro, de todos nós, que devemos nos apropriar de um jeito de pensar, de viver, de ser latino-americano, de ser Igreja, nossa, que devemos conhecer e amar.
Conhecer para amar, nas nossas conferências episcopais, nas nossas dioceses, nas nossas casas de formação, CONFER, CLAR, nas diferentes congregações religiosas, femininas e masculinas, até nos mosteiros de clausura. Para conhecer realmente o caminho da Igreja latino-americana.
Uma Igreja de múltiplos rostos, culturas e realidades. O que é que estas culturas historicamente marginalizadas, consideradas de segunda classe, mesmo dentro da própria Igreja, podem contribuir para a Igreja na América Latina e no Caribe?
O Papa Francisco, na sua "Querida Amazônia", um dos sonhos que nos propõe é o sonho cultural, a forma de viver, de ser, dos povos dos Andes ou da selva. Infelizmente, são marginalizados pelo Estado, mas há uma riqueza de vida, de moral, de cuidado com a casa comum, uma riqueza de bem viver, uma riqueza de fraternidade, em quechua o airi. O nosso tempo, infelizmente, é fragmentado, a política, as democracias, muita polarização, interesses de grupo ou partidários, interesses familiares nos nossos países e a corrupção que cresce e cresce.
As nossas culturas, tanto andinas como amazônicas, têm muito para nos ensinar, mas infelizmente são esmagadas, ou silenciadas, ou mesmo ameaçadas, e aqui o Papa Francisco dá-nos uma luz na Querida Amazônia, no sonho cultural. Há também o sonho social, o sonho eclesial, o sonho ecológico, mas no sonho cultural vemos como essas culturas, esses modos de viver, de ser, de crer, podem ajudar-nos, e nós podemos retomá-los. Desejo uma Igreja inculturada, que pegue nas coisas boas destas culturas e não as esqueça. Para nos aproximarmos delas, na liturgia, há várias coisas que Deus nos ajuda a responder à sua vontade ao longo do caminho.
Culturas que têm a experiência comunitária como algo que é fundamental, que marca a sua vida quotidiana. O senhor é agostiniano, cujo carisma é a vida comunitária, como é que a vida comunitária dos povos originários da América Latina, que também está presente na vida da Igreja, pode ajudar a superar os fenómenos de polarização e de confronto, cada vez mais presentes na sociedade?
A questão do bem comum, lembro-me quando era criança, na minha aldeia, para arranjar estradas, valas ou ruas, estávamos todos lá na procura do bem para todos, e ninguém dizia não vou, ou o airi, faço hoje por ti, amanhã tu ajudas-me. Buscar o bem, inclusive dos idosos, é uma questão pendente. Infelizmente, a nossa realidade é muito egoísta e individualista. Diante disso, nós cristãos, crentes, somos chamados a buscar a unidade, a comunhão, a caminhar juntos, que a sinodalidade nos chama, a dar respostas.
A nossa sociedade é bombardeada com estas ideias, e não é só o trabalho da Igreja, tem de ser o trabalho de todos, das universidades, das escolas, dos nossos ministérios pastorais. Temos de dar mais ênfase à nossa cultura, o nosso tempo também nos chama à formação de líderes, com base na Doutrina Social da Igreja, à luz do apelo do Papa Francisco para uma boa política, uma economia mais humana, o Pacto Educativo Global. Temos muitos desafios pelo caminho, cabe-nos a todos trabalhar naquilo que o Espírito Santo nos está a pedir através do nosso Papa Francisco e dos nossos documentos latino-americanos.
Esperemos que possamos integrar nos nossos planos pastorais tudo isto que está a chegar para este tempo. Os tempos mudaram e para este tempo precisamos de novas formas de chegar a Cristo, a Deus, à Igreja, mas de forma criativa, pedindo a Deus que nos ajude a responder à sua vontade para a minha diocese, para a nossa América Latina, para as nossas conferências episcopais.
Como Secretário-Geral do Celam, o que diria aos seus irmãos bispos e o que diria ao Povo de Deus que caminha nestas igrejas que fazem parte do nosso continente?
Somos uma família, o Povo de Deus. Aquele que caminha conosco é Cristo, aquele a quem vamos é Cristo. É pedir ao Senhor que nos ajude a entendermo-nos, a compreendermo-nos, a apertarmos a mão uns aos outros como bispos da América Latina. Estou pronto a receber todas as sugestões, propostas e, na medida das minhas possibilidades, a responder. Também, naturalmente, peço as vossas orações para este novo serviço, para que eu possa dar e corresponder com fidelidade a Deus e à nossa Igreja.
E ao Povo de Deus, eu também faço parte do Povo de Deus, aos nossos irmãos e irmãs, peço, naturalmente, as vossas orações. Identificar que somos América Latina, que somos uma só cultura, com as nossas diversidades, mas que é isso que nos torna ricos. Para amar o nosso continente, ponhamos também o nosso ombro na roda onde quer que estejamos, levemos a nossa Igreja para a frente. A oração é a força de Deus, mas é a fraqueza do homem. Se nos unirmos na oração, Deus abençoa-nos e fortalecemo-nos uns aos outros como irmãos e irmãs que somos.
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No Celam “não há paragem, há um processo em curso, e este deve continuar”. Entrevista com Dom Lizardo Estrada, secretário-geral - Instituto Humanitas Unisinos - IHU