09 Mai 2023
O artigo é do teólogo espanhol Jesús Martínez Gordo, presbítero da Diocese de Bilbao e professor da Faculdade de Teologia de Victoria-Gasteiz e do Instituto Diocesano de Teologia e Pastoral de Bilbao, publicado por Religión Digital, 09-05-2023.
É difícil, e mais ainda em uma instituição tão grande e diversa como a Igreja Católica, que uma decisão, por mais limitada que seja, não se preste a reações diversas e conflitantes. É o que, mais uma vez, verifico ao passar em revista a posição assumida por muitas pessoas e grupos nos últimos dias ante a disposição, tomada pelo Papa Francisco , de incorporar, com voz e voto, um grupo de setenta leigos e leigas (metade dessas pessoas sendo mulheres) ao Sínodo dos Bispos que se realizará no próximo mês de outubro, em Roma, para enfrentar a sempre delicada questão de como a Igreja deve ser governada e estruturada e ensinada.
Vozes críticas destacaram a contradição (mais uma, enfatizaram) que a decisão de Francisco apresenta. Como se explica que numa assembleia de bispos haja leigos com voz e voto? Não estão as coisas sendo confundidas?
Deve-se ter em mente que aqueles que formulam essas ou outras críticas o fazem porque sustentam que o poder na Igreja Católica é exercido única e exclusivamente pelos ministros ordenados e, em particular, pelos bispos; e só eles. E eles o mantêm por "mandato ou instituição divina", isto é, porque, por vontade de Jesus de Nazaré, o poder e seu exercício repousariam – assim o entendem – nos apóstolos e, a partir deles, nos bispos, seus sucessores; claro, todos masculinos. De forma alguma entre os leigos; e menos ainda nas mulheres. Eles só podem "participar" desse poder se os bispos forem bons o suficiente para conceder-lhes tal "participação". É daí que nasce e termina aí, no melhor dos casos, o poder dos leigos no governo e no magistério da Igreja. E, claro, os das mulheres.
Há também quem sublinhe a porta aberta pelo Papa Francisco com esta decisão, chegando mesmo a qualificá-la de “histórica” por incorporar – inclusive em termos de participação – os leigos neste órgão de governo eclesial e por determinar que metade deles sejam mulheres. Já sabemos, ouvem-se dizer, que o seu número não é grande: 70 pessoas em cerca de 250 membros possíveis. Mas é um primeiro passo que "abre", como gosta de dizer o Francisco, um processo que pedia mais; apesar de muitos católicos pensarem que é uma gota no oceano. Em todo caso, continuam, não podemos descuidar que não são poucos os católicos que consideram inovadora esta porta aberta, em sua indiscutível timidez; em particular, pela irrupção (certamente muito tímida) de mulheres em cargos de governo e decisões eclesiais e apesar de Francisco ter dito, ativa e passivamente, que não vai promover o sacerdócio feminino.
Finalmente, encontro aqueles que, sendo colaboradores próximos de Francisco, estão tentando aliviar a turbulência causada por esta decisão papal. E tentam fazê-lo indicando que tais leigos não chegam a 25% da capacidade sinodal. Portanto, não há risco de revolução secular no governo, na profissão docente e na organização da Igreja Católica. Além disso, se esta informação não for suficiente para eles, indicam abaixo, são os bispos – através dos sete grupos continentais das conferências episcopais – que vão ter um papel decisivo na apresentação dos leigos que consideram adequados para, no final, o Papa os nomear. Vão ser, portanto, leigos e leigas de confiança episcopal. Essas e outras considerações buscam “tranquilizar” aqueles que há anos questionam o pontificado de Francisco.
Reconhecendo a importância de incorporar um número tão grande de leigos – e, particularmente, mulheres – em uma assembleia mundial de bispos, entendo que uma questão fundamental que deve ser abordada, se a Igreja for credível no século XXI, continua ser o da gestão do poder dentro dela. É verdade que a chamada "instituição divina" do referido poder, entregue por Jesus a Pedro, admite diversas interpretações: a unipessoal, promulgada no Vaticano I (1870); mas também a colegial e corresponsável, aprovada no Concílio Vaticano II (1962-1965). No entanto, durante a maior parte do tempo decorrido desde o final do último concílio, o modelo unipessoal de governo, ensinamento e organização da Igreja continuou a prevalecer em todos os níveis. (Cúria vaticana, dioceses e paróquias.)
Creio que é chegado o momento de praticar este modelo unipessoal, absolutista e monárquico, e começar a concretizar, por fidelidade ao que foi aprovado em 1964, que todo o povo de Deus, portanto, não apenas os bispos e sacerdotes, é infalível quando acredita. A Igreja alemã (bispos, padres, religiosos e religiosas, leigos e leigas) já abriu um caminho importante nesta direção com o seu chamado Caminho Sinodal "vinculativo", embora haja quem, só de ouvir tal descrição, recolhe-se e até perde a coragem. Veremos o que Francisco faz (e pode fazer).
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Mulheres e poder na igreja. Artigo de Jesús Martínez Gordo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU