19 Abril 2023
Como no filme "A vida é bela", um menino da terceira série é assombrado por todo o horror do mundo. "É perigoso? Quando podemos ir embora? Por que estão fazendo esse desastre? Não vou mais para a escola?" A mãe acaricia-o e sorri: “Não te preocupes, vai correr tudo bem”.
A reportagem é de Giacomo Galeazzi, publicada por La Stampa, 18-04-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em Cartum, onde o Nilo Branco e o Azul se tornam o "grande rio", os combates não poupam as escolas e centros de saúde onde as crianças se refugiam. Quem resiste à cruel corrente da história é uma mãe com seu bebê nos braços. Centenas de civis mortos e feridos, aeroportos fechados. A pior crise humanitária do Sudão entre desastres naturais, epidemias, guerra civil e degradação econômica. Um terço da população (16 milhões de pessoas) e metade das crianças sobrevivem com a ajuda das ONGs.
Katharina von Schroeder trabalha para a Save the Children. Desde sábado ela, o filho, mais nove pais e 11 crianças são reféns em uma escola da capital e dormem no chão sacudido pelas bombas. “O meu filho está convencido de que estamos seguros aqui – diz Katharina ao La Stampa -. No começo estava preocupado por seu cachorro, depois ele se acalmou: ‘Nossos vizinhos lhe dão comida’". Do lado de fora, um cenário que apavora. “As explosões não pararam em três dias. Nós estamos fazendo o nosso melhor para proteger os pequenos dos acontecimentos, mas começam a se preocupar”.
Os bombardeios estão cada vez mais perto, o abrigo é procurado no porão, balas de fuzil perdidas são encontradas do lado de fora. Já antes do golpe, a situação para a infância era desastrosa: o Sudão está entre os dez países mais perigosos. As obrigações legais internacionais exigem poupar escolas e hospitais (“protegido pelo direito humanitário). Na realidade, todas as regras foram quebradas.
“A situação está muito tensa”, continua Katharina -. O ar é abalado pelos estrondos contínuos da batalha. Disparos em rajadas e ruídos altos como um trovão. Estamos exaustos e mal dormimos. No entanto, nossa situação ainda é um pouco melhor do que a maioria dos habitantes de Cartum. Em toda a cidade existem áreas onde não há mais água. As pessoas estão sem suprimentos de comida".
Como o personagem de Roberto Benigni no filme vencedor do Oscar, o imperativo de Katharina é "spes contra spem". O otimismo do coração contra o pessimismo da razão. “Ter amigos nos ajuda, mas não é fácil – explica Katharina-. Estamos ainda mais preocupados com todas as crianças de Cartum e de outras regiões. 12 milhões de pessoas estão passando fome. A única coisa positiva é que a internet funciona aqui dentro, então a gente recebe informações contínuas sobre confrontos na rua.
Assim que ouvimos os caças, decidimos em grupo: é muito perigoso se mover. A embaixada me ligou para dizer para ficarmos parados onde estamos". Sua voz falha quando a operadora humanitária olha para trás. "Não esperávamos de forma alguma tal situação – afirma -. O pior cenário se restringia a análises geopolíticas dos pesquisadores, mas a explosão de ódio parecia improvável. Em vez disso, o pesadelo se tornou realidade. As crianças têm uma maior sensibilidade e são as mais afetadas.
Katharina explica: “Em Darfur a situação já era grave. 400.000 deslocados pelos conflitos locais, 4 milhões em todo o País". Com o golpe, os confrontos se transformaram em violência cega e pilhagem. “Nosso escritório foi saqueado, foram roubados carros, laptops e geladeiras– relata Katharina – O que é pior é que até os medicamentos pediátricos que salvam vidas foram roubados”. A angústia entre os reféns cresce.
Mapa do Sudão com a região de Darfur em destaque. (Foto: Wikipédia)
“Dormem no porão, parece mais seguro. Na hora do jejum - é o Ramadã - a situação se acalma. Mas nas duas últimas manhãs ouvimos os caças e corremos para o porão. Poderia acontecer de tudo a qualquer instante." A preocupação com o radicalismo religioso é forte. “Precisamos ter esperança no melhor, mas a escalada islamista é um dos cenários possíveis – adverte Katharina-. O povo sudanês merece muito mais do que isso. Este é um país belíssimo com uma cultura rica e se a paz prevalecesse, um grande futuro seria possível”.
O presente, porém, são quatro paredes que tremem a cada explosão. "Somos obrigados a ficar aqui dentro para não sermos pegos no fogo cruzado– acrescenta Katharina-. Os combates rapidamente se espalham por toda a capital. O terror é encontrar-se no meio da tempestade. As balas não distinguem entre nacionalidades. Ser ocidental pode dar vantagem porque no final seremos apoiados por embaixadas e empregadores. Meu coração, porém, está com o povo sudanês e principalmente com as crianças que não desfrutam de nenhum privilégio. Eles precisam da nossa ajuda. Agora e quando as armas se calarem".
O pensamento predominante é sair do cerco. “Assim que possível, vou tirar meu filho do Sudão – conta Katherina-. Fazemos de tudo para tranquilizar os menores: falamos, cantamos e brincamos com eles. Na escola encontramos bolas e outros brinquedos”. Lazer na tempestade. "O maior medo é que meu filho seja prejudicado emocional ou fisicamente e farei todo o possível para evitá-lo - garante Katherina-. Estou próxima das mães e dos pais que vivem situações semelhante no Sudão, Sudão do Sul, Ucrânia, Síria”.
A "escuridão ao meio-dia" é o tormento do massacre iminente. “Tudo isso é insensato e ninguém deveria acabar nessa condição. As crianças brincam a maior parte do tempo, mas às vezes ficam com medo, especialmente quando ocorrem explosões a poucos metros".
Do lado de fora, de fato, é um inferno de incursões e emboscadas. Ontem grupos de soldados invadiram a nunciatura apostólica durante a missa. “As balas voam por toda a cidade”, ressalta o embaixador do Papa, “perto do povo sudanês, já tão provado: que se deponham as armas e que prevaleça o diálogo para retomarmos juntos o caminho da paz e da concórdia”.
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“Eu, professora voluntária no inferno do Sudão”. Reféns em Cartum - Instituto Humanitas Unisinos - IHU