19 Abril 2023
"Um voto que caiu em ouvidos surdos, porque ontem mais uma vez as operações militares russas na Ucrânia causaram baixas civis e ruínas materiais. Em suma, lá uma páscoa de sangue".
O comentário é de Luigi Sandri, jornalista italiano, em artigo publicado por L'Adige, 17-04-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Ontem à noite, mísseis russos cruzavam o céu ucraniano enquanto em Moscou, por volta da meia-noite, o Patriarca Kirill celebrava a solene liturgia da véspera da Páscoa na catedral de Cristo Salvador, com o chefe do Kremlin, Vladimir Putin, a poucos metros de distância.
Em sua homilia, o chefe da Igreja Russa rezou a Deus para "conceder aos povos irmãos, que saíram da mesma fonte batismal do Dnieper, uma paz justa e duradoura".
A referência histórica ao grande rio recorda a data de 988 quando, batizado pelos missionários que vinham de Constantinopla, o príncipe de Kiev, Vladimir, tornou-se cristão, trazendo assim seu povo para a nova fé que, depois de alguns séculos, chegará à Rússia.
Ontem, ao lado do presidente russo, na cerimônia solene os dirigentes participavam todos os chefes do establishment político do Parlamento e do Município de Moscou, cada um segurando na mão uma vela. E quando - enquanto os sinos do templo, e aqueles da capital, badalavam ritmicamente, para anunciar a Páscoa - a liderança da Igreja russa proclamou “Khristos voskrese” (Cristo ressuscitou), o líder russo respondeu com devoção “Vo istinu voskriese” (na verdade, ele ressuscitou).
O mesmo foi feito pelos muitos fiéis que lotavam a catedral, destruída por Stalin em 1931 e reconstruída depois do colapso da URSS em 1991.
Tudo isso acontecia enquanto o conflito continuava na Ucrânia: para a Páscoa russa (e ucraniana), de fato, Putin não previu nenhuma trégua: e os fiéis ortodoxos, tanto aqueles eclesiasticamente ligados, de alguma forma, à Igreja russa, quanto os "autocéfalos" (desde 2019 ligados ao patriarcado de Constantinopla e, portanto, considerados cismáticos pela Igreja Russa) e os greco-católicos (definidos "uniates" pelos ortodoxos) celebraram, como puderam, a solene cerimônia, coração das liturgias das Igrejas Orientais.
A Ortodoxia - hoje mais desunida do que nunca, porque algumas Igrejas são pró-Moscou e outras pró-Constantinopla - segue como norma o calendário juliano e, por isso, e por outras razões históricas, celebra a Páscoa numa data geralmente diferente daquela das Igrejas Ocidentais.
Por isso, ontem Francisco disse: “Desejo expressar a minha proximidade a todos os irmãos e irmãs que, especialmente no Oriente, hoje celebram a Páscoa: caríssimos, o Senhor Ressuscitado esteja convosco e vos encha com o seu Espírito Santo!”.
Acrescentando de imediato: “E infelizmente, em estridente contraste com a mensagem pascal, as guerras continuam a semear morte... Acompanho com preocupação os acontecimentos que estão se desenrolando no Sudão. Estou próximo do povo sudanês e convido a rezar para que lá se deponham as armas... E penso também nos nossos irmãos e irmãs que hoje celebram a Páscoa na Rússia e na Ucrânia. Que o Senhor esteja perto deles e os ajude a chegar à paz!”.
Um voto que caiu em ouvidos surdos, porque ontem mais uma vez as operações militares russas na Ucrânia causaram baixas civis e ruínas materiais. Em suma, lá uma páscoa de sangue.
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Nem mesmo a Páscoa russa detém Putin. Artigo de Luigi Sandri - Instituto Humanitas Unisinos - IHU