19 Abril 2023
"O planeta conectado em rede. E oito bilhões de pessoas fracassadas, ressentidas e sozinhas, conversando com o ChatGPT".
O comentário é de Rodrigo Petronio, publicado em sua página pessoal do Facebook, 15-04-2023.
Escritor e filósofo, Rodrigo Petronio é professor titular da Faculdade de Comunicação da Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP. Desenvolve pós-doutorado no Centro de Tecnologias da Inteligência e Design Digital – TIDD/PUC-SP sobre a obra de Alfred North Whitehead e as ontologias e cosmologias contemporâneas. É também doutor em Literatura Comparada pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ. Possui dois mestrados: em Ciência da Religião, pela PUC-SP, sobre o filósofo contemporâneo Peter Sloterdijk, e em Literatura Comparada, pela UERJ, sobre literatura e filosofia na Renascença. Entre suas publicações poéticas, destacamos História natural (Gargântua, 2000), Assinatura do sol (Gêmeos R, 2005) e Pedra de luz (A Girafa, 2005). Atualmente divide com Rodrigo Maltez Novaes a coordenação editorial das Obras Completas de Vilém Flusser pela Editora É.
Pelo IHU, Petronio publicou Mesoceno. A Era dos Meios e o Antropoceno, Cadernos IHU ideias número 339; Yuval Noah Harari: pensador das eras humanas, Cadernos IHU ideias número 329; e Desbravar o Futuro. A antropotecnologia e os horizontes da hominização a partir do pensamento de Peter Sloterdijk, Cadernos IHU ideias número 321.
A verdade é que a internet se transformou em um lixão radioativo. Por mais que, em nosso horror vacui (horror ao vazio), compreensível e demasiado humano, tentemos encobrir essa verdade com memes e polêmicas vazias, como diz um ditado grego: o tempo traz todas as coisas à luz. Neofascismo, neonazismo, negacionismos, psicopatologias e transtornos de diversos espectros, terraplanismo, destruição da democracia e uma longa lista de disfuncionalidades.
Quem não vê uma sincronia entre esses fenômenos e a ascensão da internet e, mais especificamente, das redes sociais, está se iludindo. Não entro aqui na tentativa complexa de definir o conjunto heterogêneo de implicações e motivações de todo universo digital. E muito menos proponho uma tecnofobia, uma recusa à tecnologia como vilã e origem de todos os males. Mas para quem estuda Comunicação, essa realidade já era previsível.
Quando todos estão em contato o tempo todo, ninguém se comunica. Se ninguém se comunica, a destruição do tecido social é questão de tempo. E quando ninguém se comunica e o tecido intersubjetivo se deteriora, resta-nos habitar um cosmos de solidão, silêncio e morte. Edward Wilson, criador da sociobiologia, criou o termo Eremoceno para algo semelhante: a Era da Solidão. E esse processo de entropia informacional havia sido estudado em meados do século XX pelos ciberneticistas e modelado pelo genial Gregory Bateson.
Como se não bastassem as catástrofes climáticas iminentes do Antropoceno, precisaremos nos haver também com essa solidão cósmica. O planeta conectado em rede. E oito bilhões de pessoas fracassadas, ressentidas e sozinhas, conversando com o ChatGPT. A humanidade como espécie está em risco. Não podemos em nenhum momento ignorar isso. Se não levarmos a tecnologia a sério e, mais do que isso, se não nos esforçarmos para compreender o tecido intersubjetivo de que a tecnologia é feita, continuaremos girando em círculos. Uma espiral infinita que nos suga dia a dia para o fundo do abismo.
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ChatGPT: resta-nos habitar um cosmos de solidão. Comentário de Rodrigo Petronio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU