10 Abril 2023
O declínio de uma compreensão eclesial robusta do que ocorre na pia batismal minou a própria possibilidade de conceber aquilo que se chama de “o sacerdócio batismal” – a participação de todos os batizados no único sacerdócio de Cristo.
A opinião é de Rita Ferrone, escritora premiada e autora de diversos livros sobre liturgia, em artigo publicado por Commonweal, 03-04-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Recentemente tive a oportunidade de visitar a igreja paroquial onde eu cresci. Minha família está profundamente associada a ela: meus pais se casaram lá e foram enterrados lá; meus irmãos e eu recebemos nossos primeiros sacramentos lá; nossa fé e nosso senso de pertença se alimentavam lá, naquela que sempre foi uma vívida comunidade paroquial.
A igreja é uma pequena joia da arquitetura revivalista românica do século XIX. Às vezes, ela foi degradada, outras vezes renovada e remodelada. Eu não ia lá há alguns anos, então, quando entrei pela porta, não sabia bem o que esperar. No entanto, lá estava tudo, um misto de familiar e de novo: algumas mudanças na iluminação e nos nichos devocionais; os mesmos vitrais, ambão e altar, e os bancos de madeira que eu conhecia tão bem. Memórias de pessoas e eventos de anos passados voltaram à tona. Mas o que mais me tocou poderosamente foi ver a pia batismal.
Ela costumava ficar escondida em uma pequena capela no fundo da igreja, quase invisível. Agora, ela está em uma posição central na nave, com uma linha de visão direta para o altar. Isso segue a recomendação do documento dos bispos dos Estados Unidos sobre o projeto de igrejas, “Built of Living Stones”, que sugere que colocar a fonte em um eixo direto com o altar é uma forma admirável de simbolizar a caminhada de um cristão do batismo à Eucaristia.
Eu já tinha visto a fonte antes, em sua configuração anterior, mas nunca realmente havia olhado para ela. Para ser franca, a capela batismal era escura e ficava isolada; não é de se admirar que se dava pouca atenção à ela. A própria fonte era coberta por uma tampa naquela época, pelo que me lembro – uma prática que datava dos tempos medievais, quando as igrejas se preocupavam com as pessoas que roubavam a água batismal para fins de magia.
Agora aqui estava ela, aberta, totalmente visível, exposta à luz e cheia de água, para que os fiéis possam se abençoar. A elegância do mármore polido; as linhas simples e fortes do pedestal e dos suportes; o detalhe dos arabescos da bacia, incorporando motivos trinitários e o emblema de Cristo em latim (IHS) – tudo falava da dignidade do sacramento e de quem o recebe.
“Cristão, lembra-te de tua dignidade!”, trovejava o Papa Leão Magno em uma homilia do século V. “Lembra-te de quem é tua cabeça e de que corpo és membro.” Infelizmente, ao longo da história cristã, esse senso da dignidade de cada batizado começou a desaparecer. Por fim, diminuiu até que o batismo fosse considerado pouco mais do que uma forma de salvar as crianças do pecado original.
O declínio de uma compreensão eclesial robusta do que ocorre na pia batismal minou a própria possibilidade de conceber aquilo que se chama de “o sacerdócio batismal” – a participação de todos os batizados no único sacerdócio de Cristo. Assim como o sacerdócio ordenado ou ministerial começou a ser explicado no século XII por uma teologia dos poderes transmitidos pelas Ordens Sagradas, e pertencente apenas ao padre, a antiga eclesiologia da comunhão, que era uma eclesiologia batismal, entrou em eclipse.
O Vaticano II procurou recuperar essa herança patrística e fez muito para recuperar a importância central do batismo por meio da reforma litúrgica. Ele levou as paróquias a tirarem suas pias batismais do armário, por assim dizer, e deu aos católicos uma série de ritos para celebrarem o batismo que eram muito mais comunitários e robustos do que haviam sido por séculos. Ele restituiu o catecumenato a seu lugar no ciclo do ano litúrgico e chamou a comunidade de fé a um papel responsável no acompanhamento dos candidatos em todas as etapas da iniciação cristã.
Pais e mães, assim como padrinhos e madrinhas, tomavam a palavra no rito batismal dos bebês; as famílias agora são recebidas às portas da igreja e, por fim, conduzidas ao altar, onde os seus filhos participarão mais tarde da Eucaristia.
No entanto, será que compreendemos plenamente o que tudo isso significa? Enquanto eu estava lá, olhando entre a fonte e o altar, as palavras do historiador litúrgico Aidan Kavanagh voltaram à minha mente: “Nós batizamos para o sacerdócio”.
Não, certamente ainda não entendemos essa verdade. No entanto, as palavras da Constituição sobre a Sagrada Liturgia apontam para isso: a liturgia, na qual devemos participar plena e conscientemente, é chamada por esse documento do Vaticano II como “o exercício da função sacerdotal de Jesus Cristo” (SC 7).
Os Padres conciliares chegaram a dizer que o povo participa oferecendo o sacrifício no altar junto com o padre. Eles oferecem a si mesmos naquele sacrifício também: “Aprendam a oferecer-se a si mesmos, ao oferecer juntamente com o sacerdote, não só pelas mãos dele, a hóstia imaculada” (SC 48). Sem usar as palavras “sacerdócio batismal”, é exatamente isso que o documento está afirmando.
Por muitos anos, pensei que o caminho da fonte à mesa fosse para participar da Eucaristia, para completar a iniciação cristã ao receber o Corpo e o Sangue de Cristo. Isso é verdade até certo ponto, mas, na realidade, há muito mais do que isso.
Saímos das águas do batismo como povo sacerdotal, porque só então podemos ir, com alegria, ao altar de Deus (Sl 43,4) para oferecer o sacrifício. Colocamos a nossa própria vida sobre o altar com o pão e o vinho, unindo a nossa oferta imperfeita de nós mesmos ao sacrifício perfeito de Cristo.
Toda a Igreja é, em uma palavra, sacerdotal. Uma pessoa se torna cristã – outro Cristo – para levar aos outros a luz e a vida de Cristo e, por fim, para oferecer o mundo inteiro a Deus na Eucaristia, transformado pela fé, pela esperança e pelo amor.
É isso que Santo Agostinho queria dizer quando explicava aos recém-batizados que a Eucaristia no altar é seu próprio mistério e por isso ele dizia: “Chamamos todos de sacerdotes porque todos são membros de um só sacerdócio”.
Tudo isso pode ser percebido simplesmente ao olhar para uma pia batismal e sua colocação em uma igreja paroquial? É claro que não. Requer um ensino inicial sólido, uma abertura homilética e catequética, e uma experiência de fé vivida na comunidade, a fim de assumir essas percepções.
O que uma pia batismal pode fazer por nós – além da própria celebração do batismo – é despertar a memória dessas realidades sagradas e despertar o desejo de seu cumprimento. É um lugar para tocar o mistério de quem somos e nos maravilhar novamente.
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Eclesiologia batismal e Vaticano II. Artigo de Rita Ferrone - Instituto Humanitas Unisinos - IHU