Davi Kopenawa cobra de Lula rapidez na retirada de garimpeiros

Líder Yanomami pediu celeridade ao presidente da República durante a abertura da Assembleia Geral dos Povos Indígenas de Roraima. Presidente fez promessas aos indígenas, mas foi recebido por governador bolsonarista favorável ao garimpo (Foto: Alfredo Maia | Assembleia Legislativa do Estado de Roraima – ALE-RR)

15 Março 2023

O líder indígena Davi Kopenawa cobrou nesta segunda-feira (13) do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) mais celeridade na retirada dos garimpeiros da Terra Indígena Yanomami (TIY), em Roraima. A cobrança de Kopenawa ocorreu durante a abertura da 52ª Assembleia Geral dos Povos Indígenas de Roraima, organizada pelo Conselho Indígena de Roraima (CIR) e que, neste ano, tem como tema “Proteção Territorial, Meio Ambiente e Sustentabilidade”.

O evento, realizado no Lago Caracaranã, no município de Normandia, na Raposa Serra do Sol, contou com a presença de Lula, da presidenta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, e da ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, entre outras autoridades.

A reportagem é de Leanderson Lima, publicada por Amazônia Real, 13-03-2023.

Foi a segunda viagem do presidente Lula a Roraima desde o início de seu terceiro mandato. A primeira ocorreu no dia 21 de janeiro, após o decreto de emergência em saúde, por conta da tragédia humanitária envolvendo o povo Yanomami, vítima da invasão dos garimpeiros em seu território. A primeira visita marcou o início das operações que levaram ajuda aos indígenas e o começo do processo de expulsão dos garimpeiros invasores.

Passados 51 dias, Kopenawa cobra mais agilidade nesse processo. “Vamos acelerar a nossa luta para retirar os garimpeiros da Terra Yanomami. Os garimpeiros ainda estão escondidos. Eles foram para a Venezuela, para outro lugar chamado Homoxi, e estão escondidos. Eu queria que o senhor botasse o pessoal que está lá, tirando os garimpeiros, que tirem todos. O povo Macuxi, Wapichana, está apoiando nossa luta e nós queremos tirar todos os garimpeiros”, pediu o líder indígena a Lula.

A cobrança também foi feita pela representante das mulheres indígenas de Roraima, Maria Betania Mota de Jesus, do povo Macuxi. “Presidente, trago esse clamor em nome dos povos indígenas de Roraima e do Brasil. Cumpra com o seu compromisso para a retirada de todos os invasores dos nossos territórios. A destruição da nossa mãe terra representa nossa destruição”, disse.

Davi Kopenawa falou ainda sobre a dificuldade que enfrenta de acesso às aldeias Yanomami mais distantes, por questão de segurança, já que o líder é alvo de constantes ameaças. “Precisamos chegar às comunidades. Não em Surucucu, onde pousam aviões e helicópteros, precisamos chegar até as comunidades [mais distantes], onde estão os parentes. Os garimpeiros estão lá escondidos me esperando para acabar com a minha vida. Eu não posso chegar lá sozinho”, lamentou o líder.

Para ele, após a retirada dos garimpeiros a prioridade tem que ser o restauro da estrutura de saúde indígena que foi destruída no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). “Isso [cuidar da saúde indígena] é muito urgente. Vamos salvar as crianças que sobraram. Outras já morreram, 577 já morreram”, disse. Apesar do tom de cobrança, o líder indígena disse estar feliz e agradeceu Lula por ter retornado a Roraima para participar da Assembleia Geral dos Povos Indígenas, uma promessa que havia feito em janeiro, na primeira visita.

Recepção bolsonarista

Lula foi recebido em Boa Vista pelo governador de Roraima, Antonio Denarium (PP), pelo vice-governador Edilson Damião (Republicanos) e pelo ex-governador Framarion Portela (PDT). Bolsonarista de carteirinha e apoiador do garimpo em terras indígenas, Denarium sancionou, em julho do ano passado, um projeto de lei de autoria do deputado estadual George Melo (Podemos) proibindo que órgãos ambientais de fiscalização, Polícia Militar e a Companhia Independente de Policiamento Ambiental (CIPA) destruíssem ou inutilizassem equipamentos apreendidos durante ações de fiscalizações ambientais no estado. A lei proibia ainda que os órgãos de fiscalização estaduais acompanhassem os órgãos federais nesse tipo de fiscalização, o que é praxe neste tipo de operação.

O projeto de lei 233/2022 tramitou e teve aprovação relâmpago na Assembleia Legislativa de Roraima. A iniciativa foi apresentada no dia 19 de maio de 2022 e aprovada, por unanimidade, no dia 27 de junho do mesmo ano, ou seja, foram apenas 39 dias entre a apresentação e aprovação.

No dia 17 de fevereiro deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou inconstitucional a lei aprovada em Roraima. O tribunal julgou procedente o pedido formulado nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 7200 e 7204, de autoria do partido Rede Sustentabilidade e da Procuradoria-Geral da República, respectivamente.

Operação

Sete dias antes da decisão do STF, a Polícia Federal deflagrou a operação BAL, que investiga esquema que teria movimentado R$ 64 milhões, nos últimos dois anos, como fruto do garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami. Entre os alvos da operação estavam a irmã e o sobrinho do governador, Vanda Garcia de Almeida e Fabrício de Souza Almeida. Na época, Denarium publicou nota dizendo ter recebido a notícia sobre a operação e alegando desconhecer o teor da investigação contra sua irmã. Ele disse esperar “que as eventuais responsabilidades sejam apuradas na forma da lei”.

Apesar de todo o histórico em favor da atuação dos garimpeiros em terras indígenas, Denarium recepcionou Lula e divulgou nas redes sociais que aproveitou o momento para apresentar as ações de seu governo em benefício aos povos indígenas. “Entreguei a nossa revista, que traz tudo isso em detalhes”, afirmou. “Trabalhamos pelo bem-estar dos povos indígenas. Para se ter ideia, mais de 11 mil indígenas são beneficiados com a cesta da família e mais de 2,4 mil hectares estão sendo plantados com o apoio técnico, com equipamentos, pessoal e assistência técnica do governo do estado, incentivando a agricultura familiar indígena”, escreveu.

Terras indígenas

Presidente Lula na Assembleia Geral dos Povos Indigenas de Roraima na TI Raposa Serra do Sol.
(Foto: Alfredo Maia | Assembleia Legislativa do Estado de Roraima – ALE-RR)

Assim como fez na primeira viagem a Roraima, Lula reafirmou que vai retirar os invasores. “Nós vamos tirar definitivamente todos os garimpeiros das terras indígenas”, disse o presidente.

Em seu discurso, o presidente também falou sobre a demarcação de terras indígenas. “Eu tenho pedido tanto para a Funai quanto para ministério [dos Povos Indígenas] me apresentar todas as terras que estão prontas para ser demarcadas, porque a gente precisa demarcá-las logo antes que as pessoas se apoderem, antes que as pessoas inventem documentos falsos, escrituras falsas e digam que são donas da terra. Precisamos rapidamente tentar legalizar todas as terras que já estão quase que prontos os estudos para que os indígenas possam ocupar o território que é deles”.

Em reportagem publicada no dia 6 de janeiro deste ano, a Amazônia Real mostrou o resultado do Relatório do Grupo Técnico de Povos Indígenas, produzido pela equipe de transição governamental, que foi entregue ao presidente Lula. Conforme o relatório, há hoje no Brasil 13 áreas indígenas aptas a serem homologadas, aguardando apenas a assinatura do presidente.

O relatório, inclusive, recomendou a homologação desses territórios nos 30 primeiros dias do governo, o que não ocorreu. Os territórios listados no relatório são: TI Aldeia Velha, pertencente ao povo Pataxó, em Porto Seguro, Bahia; TI Kariri-Xocó, do povo Kariri Xocó, no município de São Brás, Alagoas; TI Potiguara de Monte, do povo Potiguara, em Marcação, na Paraíba; TI Xukuru-Kariri, do povo homônimo, no município de Palmeiras dos Índios, em Alagoas; TI de Tremembé da Barra do Mundaú, do povo Tremembé, em Itapipoca, no Ceará; TI Morro dos Cavalos, do povo guarani, em Palhoça, Santa Catarina; TI Rio dos Índios, do povo Kaingang, em Vicente Dutra, no Rio Grande do Sul; TI Toldo Imbu, do povo Kaingang, no município de Abelardo Luz, em Santa Catarina; TI de Cacique Fontoura, Karajá, no município de Luciara, em São Félix do Araguaia, no Mato Grosso; TI Arara do Rio Amônia, do povo Arara, do município de Marechal Thaumaturgo, no Acre; TI Rio Gregório, da etnia Katukina, em Tarauacá, no Acre; TI Uneiuxi, do povo Nadahup, em Santa Isabel do Rio Negro, no Amazonas; e TI Acapuri de Cima, do povo Kokama, no município de Fonte Boa, no Amazonas.

Agricultura indígena

O presidente Lula com Joenia Wapichana na 52ª Assembleia Geral dos Povos Indígenas de Roraima na Terra Indígena Raposa Serra do Sol (RR). (Foto: Ricardo Stuckert | PR)

Em sua fala na abertura da Assembleia Geral dos Povos Indígenas de Roraima, Lula falou em incentivar a agricultura indígena. “Fiquei triste de saber que vocês não têm ajuda do governo para financiar a produção de vocês (…) Se nós temos dinheiro para financiar empresários, para financiar agricultura familiar, para financiar os grandes proprietários de terras, a pergunta que eu faço é a seguinte: Por que não existe dinheiro para financiar os povos indígenas em sua produção?”, perguntou o presidente, prometendo se reunir com seus ministros ligados à área no retorno à Brasília para buscar uma solução para o problema.

Em uma das falas mais aplaudidas, o presidente combateu a ideia difundida de que já há muitas terras destinadas aos indígenas. “A sociedade brasileira está tomando consciência de que os indígenas não estão ocupando nenhum metro de terra de ninguém neste país. Na verdade, quando dizem que os indígenas estão ocupando 14% do território nacional, eles deveriam lembrar que os indígenas já tiveram 100% do território nacional e portanto não são os indígenas que estão ocupando 14%, são os outros que estão ocupando 86% de uma terra que era 100% dos indígenas brasileiros”.

Lula anunciou que será feito um encontro, ainda este ano, com presidentes dos países que são cobertos pela floresta amazônica (Equador, Colômbia, Venezuela, Peru e Bolívia) para discutir ações que possam proteger o bioma.

Miscigenação

Durante discurso na 52ª Assembleia Geral dos Povos Indígenas, Lula fez uma fala preconceituosa sobre o contexto da colonização brasileira.

“Quiseram contar a história que os índios eram preguiçosos e, portanto, que era preciso trazer o povo negro da África para produzir nesse país”, disse. “Ora, toda a desgraça que isso causou ao país, causou uma coisa boa, que foi a mistura, a miscigenação. Da mistura entre indígenas, negros e europeu, permitiu que nascesse essa gente bonita aqui”, completou o presidente.

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