23 Fevereiro 2023
“A guerra na Ucrânia poderia terminar em breve e o país poderia começar a recuperação econômica, mas isso depende da Ucrânia entender sua situação como vítima de uma guerra de poder entre os Estados Unidos e a Rússia que eclodiu em 2014”. A análise é de Jeffrey D. Sachs, em artigo publicado por Uy.Press – Agencia Uruguaya de Noticias, 18-02-2023. A tradução é do Cepat.
Jeffrey D. Sachs é economista estadunidense, professor da Universidade Columbia (Nova York) e consultor especial do Secretário Geral das Nações Unidas Antonio Guterres.
O maior perdedor econômico do mundo em 2022 foi a Ucrânia, onde a economia decresceu 35%, de acordo com o Fundo Monetário Internacional. A guerra na Ucrânia poderia terminar em breve e o país poderia começar a recuperação econômica, mas isso depende da Ucrânia entender sua situação como vítima de uma guerra de poder entre os Estados Unidos e a Rússia que eclodiu em 2014.
Os Estados Unidos armaram e financiaram fortemente a Ucrânia desde 2014 com o objetivo de expandir a OTAN e enfraquecer a Rússia. As guerras de poder dos EUA normalmente duram anos e até décadas, e deixam sob escombros os países que são campo de batalha como a Ucrânia.
A menos que a guerra de poder termine logo, a Ucrânia enfrenta um futuro terrível. A Ucrânia precisa aprender com a pavorosa experiência do Afeganistão para evitar que se torne um desastre de longo prazo. Também poderia levar em consideração as guerras de poder dos Estados Unidos no Vietnã, Camboja, Laos, Iraque, Síria e Líbia.
A partir de 1979, os Estados Unidos armaram os mujahidin (combatentes islâmicos) para assediar o governo apoiado pelos soviéticos no Afeganistão. Como explicou mais tarde o conselheiro de segurança nacional do presidente Jimmy Carter, Zbigniew Brzezinski, o objetivo dos Estados Unidos era provocar a intervenção da União Soviética a fim de envolvê-la em uma guerra dispendiosa. O fato de que o Afeganistão seria um dano colateral não preocupava os líderes estadunidenses.
O exército soviético entrou no Afeganistão em 1979, como os Estados Unidos esperavam, e lutou durante a década de 1980. Enquanto isso, combatentes apoiados pelos Estados Unidos criaram a Al-Qaeda nos anos 1980 e o Talibã no início dos anos 1990. A “armadilha” estadunidense para a União Soviética teve um efeito bumerangue.
Em 2001, os Estados Unidos invadiram o Afeganistão para combater a Al-Qaeda e o Talibã. A guerra dos EUA continuou por mais 20 anos até que os Estados Unidos finalmente deixaram o país em 2021. As operações militares esporádicas dos EUA no Afeganistão ainda continuam.
O Afeganistão está em ruínas. Enquanto os EUA desperdiçaram mais de 2 trilhões de dólares em gastos militares dos EUA, o Afeganistão está empobrecido, com um PIB de 2021 abaixo de 400 dólares per capita! Como um “presente” de despedida para o Afeganistão em 2021, o governo dos Estados Unidos apreendeu as pequenas reservas de moeda do Afeganistão, sufocando o sistema bancário.
A guerra de poder na Ucrânia começou há nove anos, quando o governo dos Estados Unidos apoiou a derrubada do presidente ucraniano, Viktor Yanukovych. O pecado de Yanukovych, do ponto de vista dos EUA, foi sua tentativa de manter a neutralidade da Ucrânia, apesar do desejo dos EUA de expandir a OTAN para incluir a Ucrânia (e a Geórgia). O objetivo dos EUA era que os países da OTAN cercassem a Rússia na região do Mar Negro. Para atingir esse objetivo, os Estados Unidos armaram e financiaram pesadamente a Ucrânia desde 2014.
Os protagonistas estadunidenses da época e de agora são os mesmos. A figura chave do governo dos EUA na Ucrânia em 2014 foi a secretária adjunta de Estado Victoria Nuland, que agora ocupa novamente o mesmo cargo. Em 2014, Nuland trabalhou em estreita colaboração com Jake Sullivan, conselheiro de segurança nacional do presidente Joe Biden, que atuou na mesma função para o vice-presidente Biden em 2014.
Os Estados Unidos ignoraram duas duras realidades políticas na Ucrânia. A primeira é que a Ucrânia está profundamente dividida étnica e politicamente entre os nacionalistas que odeiam a Rússia no oeste da Ucrânia e os russos étnicos no leste da Ucrânia e na Crimeia.
A segunda é que a expansão da OTAN para a Ucrânia cruza uma linha vermelha russa. A Rússia lutará até o fim e escalará conforme necessário para impedir que os EUA incorporem a Ucrânia à OTAN.
Os Estados Unidos afirmam repetidamente que a OTAN é uma aliança defensiva. No entanto, a OTAN bombardeou a Sérvia, aliada da Rússia, durante 78 dias em 1999 para separar Kosovo da Sérvia, depois do que os EUA estabeleceram uma gigantesca base militar em Kosovo. As forças da OTAN também derrubaram de maneira similar o aliado russo Muammar Gaddafi em 2011, provocando uma década de caos na Líbia. A Rússia certamente nunca aceitará a OTAN na Ucrânia.
No final de 2021, o presidente russo, Vladimir Putin, fez três exigências aos EUA: a Ucrânia deveria permanecer neutra e fora da OTAN; a Crimeia deveria permanecer como parte da Rússia; e o Donbass deveria se tornar autônomo de acordo com o Acordo de Minsk II.
A equipe Biden-Sullivan-Nuland rejeitou as negociações sobre a ampliação da OTAN, oito anos depois que o mesmo grupo apoiara a derrubada de Yanukovych. Com as exigências de negociações de Putin rejeitadas pelos Estados Unidos, a Rússia invadiu a Ucrânia em fevereiro de 2022.
Em março de 2022, o presidente da Ucrânia Volodymyr Zelensky parecia entender a terrível situação da Ucrânia como vítima de uma guerra de poder entre os Estados Unidos e a Rússia. Ele declarou publicamente que a Ucrânia se tornaria um país neutro e pediu garantias de segurança. Também reconheceu publicamente que a Crimeia e o Donbass precisariam de algum tipo de tratamento especial.
O primeiro-ministro de Israel na época, Naftali Bennett, envolveu-se como mediador, juntamente com a Turquia. A Rússia e a Ucrânia estavam perto de chegar a um acordo. No entanto, como Bennett explicou recentemente, os Estados Unidos “bloquearam” o processo de paz.
A partir de então, a guerra se intensificou. Segundo o repórter investigativo estadunidense Seymour Hersh (1), os agentes norte-americanos explodiram os gasodutos Nord Stream em setembro, alegação negada pela Casa Branca. Mais recentemente, os EUA e seus aliados prometeram enviar tanques, mísseis de longo alcance e possivelmente caças à Ucrânia.
A base para a paz é clara. A Ucrânia seria um país neutro fora da OTAN. A Crimeia continuaria a ser a base da frota naval do Mar Negro da Rússia, como tem sido desde 1783. Uma solução prática seria encontrada para o Donbass, como uma divisão territorial, autonomia ou uma linha de armistício.
O mais importante, a luta cessaria, as tropas russas deixariam a Ucrânia e a soberania da Ucrânia seria garantida pelo Conselho de Segurança da ONU e outras nações. Esse acordo poderia ter sido alcançado em dezembro de 2021 ou em março de 2022.
Principalmente, o governo e o povo ucraniano diriam à Rússia e aos EUA que a Ucrânia se recusa a continuar sendo o campo de batalha de uma guerra de poder. Diante das profundas divisões internas, os ucranianos de ambos os lados da divisão étnica lutariam pela paz, em vez de acreditar que um poder externo os pouparia da necessidade de chegar a um compromisso.
(1) Seymour Hersh é jornalista estadunidense que recebeu o Prêmio Pulitzer de melhor jornalista. Agora, como suas investigações mostraram a pesada responsabilidade dos EUA na guerra da Ucrânia... lançaram uma campanha de difamação contra ele.
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O que a Ucrânia precisa aprender com o Afeganistão sobre as guerras de poder. Artigo de Jeffrey Sachs - Instituto Humanitas Unisinos - IHU