13 Fevereiro 2023
Após 6 anos de desmonte, 2023 deve ser ano de retomada na agroecologia. Festas celebram arroz orgânico, sementes crioulas e luta pela terra.
A reportagem é de Marco Weissheimer, publicada por Sul21, 12-02-2023.
Após um período de seis anos (governos Temer e Bolsonaro) de desmonte e enfraquecimento dos instrumentos de fomento aos pequenos agricultores, 2023 deverá ser um ano de retomada de políticas públicas de incentivo à agroecologia, à produção de alimentos orgânicos e à agricultura familiar. Desde o final de 2022, entidades e lideranças do setor vêm se mobilizando para apresentar ao governo federal propostas para reconstruir o que foi destruído ou paralisado e também para avançar em novas direções.
O novo ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, afirmou ao assumir, dia 3 de janeiro, que a agroecologia terá um papel fundamental na política de erradicação da fome no país. “Nenhum país pode se considerar moderno, civilizado e desenvolvido tendo 33 milhões de brasileiros vivendo em grave insegurança alimentar e mais de 100 milhões de brasileiros vivendo dentro da insegurança alimentar”, disse Teixeira. Esse compromisso de combate à fome, acrescentou, andará de mãos dadas com o cuidado do meio ambiente. O governo federal, anunciou, pretende recriar áreas de proteção ambiental, áreas de florestas, aumentar a produtividade das áreas agricultáveis e fazer com que a agricultura familiar esteja sempre voltada para a recuperação do meio ambiente e de nascentes d’água. Essa conexão com a pauta ambiental é particularmente importante no Rio Grande do Sul, que vem sofrendo cada vez mais com períodos de estiagem e falta d’água que afetam diretamente a agricultura e a qualidade de vida de quem vive e trabalha no campo.
Na campanha eleitoral do ano passado, a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) lançou a campanha Agroecologia nas Eleições 2022 com o objetivo de aumentar a incidência política da pauta agroecológica junto às candidaturas aos poderes Legislativo e Executivo federais e estaduais. Mais de 20% das candidaturas que aderiram à campanha foram eleitas. No total, 153 candidaturas, das 692 que assinaram a carta-compromisso de apoio à agroecologia e agricultura familiar, conquistaram cargos legislativos em 21 estados e no Distrito Federal, além dos governos do Amapá e do Maranhão, que se elegeram no primeiro turno. Do total das cerca de 1.500 cadeiras legislativas (federais e estaduais) disputadas na eleição, mais de 10% manifestaram comprometimento com o fortalecimento da agroecologia e da agricultura familiar, somando 64 deputados federais e 87 deputados estaduais.
Minas Gerais e Rio Grande do Sul foram os estados que mais elegeram candidaturas comprometidas com a agroecologia, com 19 parlamentares cada. O Rio Grande do Sul escolheu 13 novos deputados estaduais e seis federais alinhados com essa agenda, enquanto Minas Gerais elegeu nove federais e 10 estaduais que assinaram a carta da Articulação Nacional de Agroecologia.
Além dessa campanha, a ANA apresentou uma carta com propostas para o Gabinete de Transição do Governo Lula, intitulada “Para um Brasil agroecológico e democrático”. A carta apresenta propostas de apoio à agricultura familiar e à agroecologia e de promoção da segurança alimentar e nutricional elaboradas por organizações, coletivos e movimentos sociais que compõem a Articulação Nacional de Agroecologia.
Cartaz da Romaria da Terra 2023 (Foto: Marco Weissheimer)
O Rio Grande do Sul é um dos Estados com maior protagonismo nesta área e sediará no primeiro trimestre uma série de eventos que, ao mesmo tempo, pretendem celebrar a resistência dos últimos anos e planejar o presente e o futuro. Entre eles destacam-se a 45ª Romaria da Terra (que na edição deste ano está fortemente vinculada à agenda da agroecologia), a VI Festa da Semente Crioula, a 20ª Festa do Arroz Agroecológico e a inauguração da Unidade de Produção de Bioinsumos.
A agroecologia será um tema central na 45ª edição da Romaria da Terra, que será realizada dia 21 de fevereiro, no Assentamento Integração Gaúcha, localizado a cerca de 17 km de Porto Alegre, no município de Eldorado do Sul. O tema geral da Romaria esse ano é “Terra e Pão – em defesa dos territórios e produção da vida”.
Nos dois dias que antecedem a Romaria da Terra, 19 e 20 de fevereiro, ocorrerá o Acampamento dos Povos da Terra em Romaria, que terá protagonismo da juventude do campo, com representações de todo o Estado.
Durante esses dois dias, os participantes do Acampamento debaterão uma série de temas associados ao tema geral da Romaria: relações com o território, como a moradia, o bem viver, a resistência, a soberania e a defesa do meio ambiente, das águas, florestas e da produção de alimento saudável, livre de agrotóxicos, a defesa da vida, a garantia de saúde, educação, sustentabilidade, comunhão e a solidariedade entre os povos.
Foto: divulgação
O município de Seberi sediará no dia 11 de março a VI Festa da Semente Crioula, reunindo agricultores e agricultoras de toda a região noroeste do Rio Grande do Sul. Junto com a Festa da Semente Crioula ocorrerá a 1ª Feira Regional da Economia Solidária, ambos os eventos na sede da Cooperbio.
Além de celebrar a importância das sementes crioulas para a agroecologia, o evento contará com programação durante todo o dia com palestras, debates, culto ecumênico, entrega de mudas medicinais, troca de sementes, almoço camponês e apresentações culturais.
Com um trabalho que vem crescendo nas últimas décadas no RS, os guardiões e guardiãs de sementes crioulas vêm resgatando e preservando não só sementes, mas também saberes e práticas agroecológicas que buscam diminuir a dependência da agricultura em relação aos atuais pacotes tecnológicos das grandes empresas transnacionais do setor, marcados pelo uso intensivo de agrotóxicos e outros insumos químicos.
A VI Festa da Semente Crioula é organizada pela Cooperativa Mista de Produção, Industrialização e Comercialização de Biocombustíveis do Brasil (Cooperbio), com apoio do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e da Associação Nacional da Agricultura Camponesa (ANAC), entre outras entidades.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) promove no dia 17 de março, no Assentamento Filhos de Sepé, em Viamão (RS), a 20ª Festa da Colheita do Arroz Agroecológico. A edição deste ano tem um significado especial: em 2023, o MST-RS comemora sua 20ª festa da colheita e mais de dez anos de liderança no ranking de maior produtor de arroz orgânico do Brasil e da América Latina, segundo levantamento do Instituto Riograndense do Arroz (Irga).
O Grupo Gestor do Arroz Orgânico, do MST, estima colher na safra 2022/2023 cerca de 16.111 toneladas de arroz orgânico, totalizando aproximadamente 322.235 sacas de 50 kg cada, numa área total plantada de 3.200 hectares. Essa produção ocorre em 22 assentamentos da Reforma Agrária, localizados em nove municípios das regiões Metropolitana, Sul, Centro Sul e Fronteira Oeste do Estado. Ela envolve o trabalho de 352 famílias, organizadas em sete cooperativas da Reforma Agrária: Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da Região de Porto Alegre (Cootap), Cooperativa de Produção Agropecuária Nova Santa Rita (Coopan), Cooperativa de Produção Agropecuária dos Assentados de Tapes (Coopat), Terra Livre, Cooperativa dos Produtores Orgânicos de Reforma Agrária de Viamão (Cooperav), Cooperativa de Produção Agropecuária dos Assentamentos de Charqueadas (Copac) e Sete de Julho.
Ainda no dia 17 de março, o MST-RS inaugura a Unidade de Produção de Bioinsumos Ana Primavesi, iniciativa proposta no Curso Nacional de Bioinsumos: conhecimentos da teia alimentar do solo, ocorrido em junho de 2022, no Instituto Josué de Castro, no Assentamento Filhos de Sepé, em Viamão. Segundo Dioneia Ribeiro, produtora de arroz orgânico e integrante do Grupo Gestor de Arroz Agroecológico, do MST, a Cootap decidiu começar a produzir o próprio insumo para melhorar a fertilidade do solo e ter estratégias de redução de custo nas propriedades das famílias. A unidade de produção de bioinsumos, acrescenta a agricultora, trará algumas garantias para os produtores e produtoras do MST, como o aumento da produção, autonomia na produção de bioinsumos e acesso a novas tecnologias para as famílias assentadas.
Para a safra 2022/2023 do arroz orgânico o uso desse bioinsumo foi implementado em duas áreas de pesquisa, em 28 hectares. Já para a próxima safra, 2023/2024, os bioinsumos estarão em toda a produção do arroz orgânico dos assentamentos em Viamão, totalizando cerca de 1126 hectares.
Outra iniciativa do MST para 2023 é ampliar a Rede de Armazéns do Campo, criada há seis anos. Especializada em produtos da Reforma Agrária Popular, essa rede está presente hoje em 38 cidades do país. Ao todo, são 44 pontos de comercialização, sendo 24 lojas físicas e 20 voltadas para comercialização online. O objetivo é abrir mais 25 unidades em 2023. Em Porto Alegre, o Armazém do Campo está localizado na rua José do Patrocínio, 888.
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Arroz orgânico, sementes crioulas, bioinsumos: agroecologia inicia 2023 com força no RS - Instituto Humanitas Unisinos - IHU