Já se passaram 60 anos desde que tombaram o lutador do povo, um dos grandes líderes camponeses do Brasil e da Paraíba. João Pedro Teixeira foi covardemente assassinado a mando dos grandes latifundiários no dia 02 de abril de 1962.
A reportagem é de Cida Alves, publicada por Brasil de Fato, 02-04-2022.
Homem negro, camponês, pai de 11 filhos e esposo de Elizabeth Teixeira, vindo da pobreza rural, lutou por uma melhoria de vida para as famílias camponesas oprimidas pelos latifundiários.
Sua luta por justiça social, por reforma agrária, educação e direitos dos/as trabalhadores/as rurais levou ao seu assassinado, fazendo-o entrar para a história como um mártir da luta pela terra e um Herói da Pátria.
Na época em que fundou e organizou o movimento na Paraíba, os trabalhadores rurais sofriam todo tipo de abusos e desrespeito às suas famílias por meio de capangas: agressões, destruição da agricultura e rebanho e expulsão da terra.
Apenas em 1976 veio a se tornar realidade a primeira desapropriação de terra no município do Conde.
Assassinado em 1962, líder camponês paraibano é reconhecido como Herói da Pátria desde 2018 - Reprodução
O líder camponês João Pedro Teixeira nasceu em 04 de março de 1918, na cidade de Pilõezinhos, na época distrito de Guarabira/PB. Filho de arrendatário de nome homônimo, João Pedro Teixeira (pai) e Maria Francisca da Conceição (mãe), João Pedro teve uma irmã de nome Severina, que veio a falecer de tuberculose, na cidade de Sapé/PB, com pouco mais de 20 anos de idade.
Seu pai também era solidário à causa campesina, envolvendo-se em diversos conflitos pela causa. Um desses conflitos resultou em perseguição por parte dos latifundiários, obrigando-o a abandonar a família e fugir para não ser morto.
Com isso, João Pedro, a mãe e a irmã tiveram que mudar de lugar para fugir das perseguições. Em seguida, foi morar com os avós, e sua mãe e irmã foram para Guarabira. Com a morte dos avós, João Pedro foi morar com um tio em Massangana, na cidade de Cruz do Espirito Santo/PB, onde iniciou seus posicionamentos contra a exploração do povo Camponês.
Lá, vivenciou e aprofundou sua luta camponesa. Assim que atingiu maior idade, foi trabalhar na pedreira em Café do Vento, na época município de Sapé/PB e lá bem próximo conheceu Elizabeth Teixeira.
O pai de Elizabeth não aceitava a união dos dois pelo fato de João Pedro ser negro e pobre, e mesmo assim eles continuaram se relacionado e se casaram em julho de 1942.
Foram morar em Massangana e lá viveram de 1942 a 1944. Trabalhando numa pedreira, destacou-se como liderança, tornando-se líder dos operários e, em sua casa, iniciou as reuniões com os trabalhadores.
A partir dessas reuniões, criou-se o Sindicato dos Operários, e João Pedro foi eleito presidente. Não tardaram as perseguições, João Pedro já não conseguia emprego devido ao seu envolvimento com as causas dos trabalhadores, consequentemente, as dificuldades bateram à porta de sua família.
Em 1954, já com 6 filhas/os, João Pedro e Elizabeth Teixeira receberam a proposta de irem morar em Antas do Sono, zona rural de Sapé/PB.
Obra-prima do documentário brasileiro, Cabra Marcado para Morrer, de Eduardo Coutinho, completa 38 anos em 2022. O projeto, que teve início ainda nos anos 1960, retrata o assassinato de João Pedro Teixeira. As filmagens originais, contudo, foram interrompidas por causa do Golpe Militar de 1964. Apenas em 1980, Coutinho decidiu finalizar a produção, partindo à procura dos personagens — muitos ficaram clandestinos durante a repressão do governo ditatorial. A busca por D. Elizabeth Teixeira, viúva de João Pedro, e seus 10 filhos, dispersados por causa do golpe, é um dos nortes tomados pelo cineasta. | Imagem Reprodução
Na época, João Pedro já era conhecedor da experiência da Liga no Engenho Galileia e, com o avanço do latifúndio e suas práticas desumanas, não demorou para novamente se envolver na causa das famílias camponesas.
Suas ideias começaram a se espalhar pelos campos da várzea paraibana e também passou a ser procurado para orientar como se comportar diante das injustiças. Com isso, em 1955, em frente à casa de João Pedro e Elizabeth, em Antas do Sono, no município de Sapé, aconteceu o primeiro encontro dos camponeses de Sapé, já naquele momento com a presença de Nego Fuba (João Alfredo Dias) e Pedro fazendeiro (Pedro Inácio de Araújo).
A reação dos latifundiários foi imediata. Após saberem do acontecido, prenderam e espancaram João Pedro no outro dia. Surgiram novas estratégias de mobilização, encontros relâmpagos nas feiras, fazendas e outros lugares em Sapé.
Diante do aumento das pessoas que aderiram às ideias por serem vítimas dos maus-tratos dos proprietários de terra, em 1958, foi criada a Associação dos Lavradores Agrícolas de Sapé, mais conhecida como “Ligas Camponesas”, ficando João Pedro como vice-Presidente.
Com sua fama se espalhando por ter sido considerado um homem articulador, corajoso e que representava as 14 ligas camponesas da federação, João Pedro tornou-se um dos maiores inimigos dos latifundiários paraibanos.
Recebendo ameaça frequentemente de morte por todo seu histórico, não desanimou e continuou a fazer o que acreditava.
Em 02 de abril de 1962, João Pedro Teixeira foi até João Pessoa se reunir com os advogados e aproveitou para comprar livros para seus filhos. Ao voltar para casa, quando desceu do ônibus, na BR-230 que liga Sapé a João Pessoa, veio caminhando e, já próximo a sua casa, foi covardemente assassinado com três tiros nas costas, numa emboscada. Este crime aconteceu a mando do Grupo Várzea, como era conhecido e temido o grupo de fazendeiros latifundiários na época.
Elizabeth Teixeira só ficou sabendo do ocorrido na manhã seguinte e, ao se deparar com o corpo de seu companheiro, falou a seguinte frase: “João Pedro, por mais de uma vez, me perguntou se eu daria continuidade à sua luta e eu nunca te dei minha resposta. Hoje eu te digo, com consciência ou sem consciência de luta, EU MARCHAREI NA SUA LUTA, JOÃO PEDRO, PRO QUE DER E VIER.”
João Pedro Stédile, liderança nacional do MST, fala sobre os 60 Anos de Memória, Luta e Resistência: João Pedro Teixeira
João Pedro Teixeira estava à frente, ao lado de outros companheiros, de uma liga de trabalhadores rurais, da agricultura camponesa, que em 1962 já tinha sete mil afiliados. Sapé foi um dos núcleos onde as ligas eram mais importantes na luta pela reforma agrária, contra a violência rural, enfim, com uma pauta muito parecida com a pauta de hoje. É claro que são tempos diferentes, porém é uma pauta muito atual porque o Brasil pouco andou na questão da democratização do acesso à terra. E a violência se fazia presente como se faz presente hoje. João Pedro era uma dessas grandes lideranças e foi assassinado pelo grupo da Várzea, que, até hoje, tem expressão dentro da política da Paraíba”, comenta Ricardo Coutinho, ex-governador da Paraíba. Em sua gestão foi homologado o Memorial das Ligas Camponeses.
“Eu coloquei o Memorial nas mãos da sociedade civil organizada, ele funciona até hoje, e foi algo assim fundamental porque esse Memorial está lá permanentemente falando sobre as coisas que incomodam as elites nesse país e que vem desde a escravatura. E eu me lembro que na inauguração estava Dom José Maria Pires e tava a própria Elizabeth Teixeira. Em seguida, a gente fez um contorno rodoviário lá em Guarabira que eu também denominei de João Pedro Teixeira, já que ele tinha nascido há 20 minutinhos dali, e tudo isso pra poder deixar, ou para poder visitar e fazer renascer a própria história”, complementa Coutinho.
Para a presidenta do Memorial das Ligas e Lutas Camponesas esta é uma data para dar continuidade à organização da unidade dos povos do campo. “É um ano em que a gente precisa se unir para lutar contra quem nos oprime, lutar contra o agronegócio, contra as oligarquias que ainda se mantém sobre o povo campo camponês. Esse ano completa 60 anos do assassinato de João Pedro Teixeira, e é uma data emblemática porque faz 60 anos que não acontece a reforma agrária no nosso país. Elizabeth (Teixeira) sempre diz ‘como ela pode ser feliz se ainda não aconteceu a reforma agrária no nosso país?
[...] Como é que pode ficar bem se ainda existem muitos camponeses e camponesas, muitas famílias que estão no campo, mulheres e homens que não têm onde plantar, mesmo sendo agricultor e agricultora. Então esse ano vai ser um ano de denúncia, mas vai ser um ano também de anúncio, de anúncio da continuidade da organização da unidade dos povos do campo”, enfatiza Alane.
Liderança do MST na Paraíba, afirma que as ligas camponesas são a origem da luta pela terra no Brasil: “As ligas camponesas para nós do MST, é o nosso berço, o nosso Resgate, a luta heróica e histórica das ligas camponesas que aconteceram entre a década de 50 e 60. O reconhecimento foi internacional do grande movimento de massas em defesa da terra e da Democracia desse país.
O medo de que o povo camponês construísse a nossa soberania fez com que, inclusive, o vice-presidente Kennedy viesse abafar esse grande movimento de massas para que ele não se tornasse um grande movimento de construção da soberania Nacional do país. Portanto as ligas camponesas foi uma ameaça às oligarquias, ao poderio norte-americano, à submissão do Brasil, e e ele foi de extrema relevância na história, não só para a história do Brasil, mas do mundo”
Integrante do Movimento Atingido por Barragens (MAB), destaca que a luta pela terra é uma luta contra o poder econômico: “Queremos que os brasileiros e que todo o mundo saiba dessa história, desse líder camponês que enfrentou o grande latifúndio ali na região de Sapé, de Mari, e se expandiu pelo Brasil todo, porque as ligas camponesas, foi mais forte na Paraíba, mas também se expandiu pelo Brasil todo.
[...]E de maneira alguma podemos esquecer essa história deste e também de outros companheiros que se foram, que tombaram. João Pedro Teixeira, e mais recente teve muitos companheiros da CPT, do MST, do MAB. É muito importante essa data para que a gente possa entender que a luta não para. Ele dizia uma frase interessante: que a luta pela terra é igual a fogo de monturo, quando a gente pensa que o fogo não existe mais, aí é que ele está prestes a explodir.
E é assim que acontece, então a luta pela terra não é uma luta fácil porque é uma luta de poder econômico e político, as oligarquias que detém as terras pra explorar os trabalhadores, e sabemos que só com a luta pela terra é que vamos garantir dignidade humana, segurança alimentar, e eles não querem de maneira alguma que os trabalhadores e trabalhadoras tenham acesso a esse bem, esse patrimônio tão valioso para nós, que é a terra”, conclui Osvaldo.
Historiadora e Educadora Popular, professora do Centro de Educação da UFPB, diz que a memória histórica educa a sociedade: “São 60 anos do assassinato de João Pedro Teixeira, a maior liderança das Ligas Camponesas, no nordeste brasileiro. Fundador da Liga de Sapé, sua memória histórica educa os movimentos sociais do campo e da cidade. Educa a sociedade, para saber que se o campo não planta, a cidade não janta. E sem luta não teríamos campo, nem comida. Por isso, assim como Dona Elizabeth Teixeira, continuou a marchar em sua luta. Nós marcharemos em sua luta contra o latifúndio assassino do agronegócio. Todo apoio à luta pelo Memorial das Ligas Camponesas. Patrimônio histórico do povo e de nossa história”.
Coordenadora da CPT Nordeste II, do Estado da Paraíba, comenta sobre esse momento histórico: “O 2 de abril é um marco, é um dia de memória das lutas camponesas. Para mim, ele tem duas orientações importantes.
É dia de memória das Ligas dos Camponeses e da luta da pessoa de João Pedro Teixeira, como líder popular, da luta em defesa da reforma agrária e, como também, é um momento histórico porque ela precisa ser repetida para manter viva a história do grande movimento importante aqui no Nordeste, no Brasil, mas principalmente aqui no Nordeste, na nossa Paraíba. Manter viva essa memória para que os nossos filhos, nossos netos possam dar-lhe continuidade”
Neta de João Pedro e Elizabeth Teixeira, agradece a todos os companheiros/as que mantém a memória de João Pedro viva: ”Meu avô foi assassinado aos 44 anos de idade, covardemente, por tiros nas costas. Uma morte encomendada por latifundiários da região naquela época porque ele buscava, constantemente, os direitos dos trabalhadores do campo. Então a minha vó Elizabeth deu continuidade à luta dele após o assassinato.
Ela está viva mas não estará lá no ato porque atualmente ela está com 97 anos, então ela tem limitações físicas devido à idade, e não será possível, mas ela grava um vídeo agradecendo a todos os companheiros de luta. Ela que é símbolo de resistência na luta pela terra. A minha avó Elizabeth sempre esteve presente em todos os atos de denúncias de violação de direitos aos trabalhadores do campo, principalmente no que se refere a memória de João Pedro, mas infelizmente eu acredito que esse seja o primeiro que ela não vai comparecer. A família só tem agradecer a todos companheiros que mantém a memória de João Pedro viva”.