04 Fevereiro 2023
Em 2012, Andrés Torres Queiruga (Ribeira, A Coruña, 1941) recebia do Episcopado espanhol “uma notificação objetivamente desinformada e juridicamente injusta” sobre a sua obra. Apenas um ano depois, com a chegada do Papa Francisco, a mudança nas relações dos teólogos com a Doutrina da Fé passou a ser “tão evidente” que “todos nós a notamos”, reconhece, hoje, já como professor aposentado (da universidade civil, pois da eclesiástica foi pressionado a sair muito antes).
Antes e agora, o veterano teólogo galego mantém o seu compromisso de “não afirmar ou propor algo em que não acredite de verdade”, porque considera “muito claro que nisso se joga a credibilidade da fé e a honra da teologia”.
A entrevista é de José Luis Celada, publicada por Vida Nueva, 27-01-2023. A tradução é do Cepat.
Já faz uma década que a Comissão Episcopal para a Doutrina da Fé lhe pediu para “esclarecer” alguns aspectos de seu pensamento. Como tal “advertência” afeta o trabalho de um teólogo?
Pessoalmente, não me afetou, pois continuei com o meu compromisso teológico, buscando ajudar em uma exposição atualizada do Evangelho, como serviço à sua compreensão eclesial e ao seu anúncio em nossa cultura. Porque, na verdade, sem um mínimo de diálogo real e sem um exame sério de minha obra, foi dada uma versão superficial e falsa de meu pensamento.
Por isso, nem mesmo quis responder às perguntas que o documento fazia. Todas estavam vastamente respondidas para qualquer leitor sério de meus trabalhos (com isso não pretendo ter razão em tudo, mas quero dizer que, no caso de se iniciar um julgamento, que se cumpra a exigência elementar de uma discussão informada, objetiva e com diálogo real).
Lamento que a Comissão que funcionava naquele momento tenha levado o Plenário da Conferência a emitir uma notificação objetivamente desinformada e juridicamente injusta. Tentei respondê-la em um pequeno livro: Alguien así es el Dios en quien yo creo (Trotta, 2013). Discretamente, fiz uma indicação no prólogo, mas não sei se alguém tomou nota.
Externamente, sim, teve um efeito forte, que eu – um pouco inocente e muito despreocupado com esses juridicismos – não havia percebido até bem pouco tempo: a notificação teve uma enorme repercussão, dentro e fora da Espanha, para que parassem de me convidar para conferências ou congressos (em alguns casos, inclusive, com cancelamento).
Exatamente um ano depois, iniciava-se o pontificado de Francisco e, desde então, não se falou de condenações a teólogos. Observou a mudança? Sentiu-se mais livre na realização do seu trabalho?
A mudança é tão evidente que todos nós a notamos. Mas o meu trabalho continuou exatamente na mesma linha de sempre, mesmo quando, por razões que qualquer um pode intuir, tive que optar pelo ensino na universidade civil.
Nunca deixei de exercer a teologia como um serviço livre ao Evangelho. Posso errar, mas fiz o voto de não afirmar ou propor nada em que não acredite de verdade. Para mim, está muito claro que nisso se joga a credibilidade da fé e a honra da teologia.
Mais de uma vez, o Papa já sugeriu que nesses processos faltou o diálogo das autoridades eclesiásticas com os envolvidos. O que sobrou?
No meu caso, não quero generalizar, sobrou uma submissão a certas consignas e a “colaboração” de alguns teólogos que, em vez de esclarecer ou simplesmente de não contribuir para o processo (ninguém é obrigado a estudar minha obra), lançaram lenha ao fogo, até com a distorção grosseira de minha teologia.
Fiz um alerta no devido tempo, em algum artigo, inclusive indicando que se poderia incorrer em calúnia, por ser um assunto tão grave como é o compromisso e o ofício fundamental de uma pessoa. Contudo, não quis insistir, porque não considerava saudável entrar tão publicamente nessas pequenas misérias. A rabies theologica é uma péssima herança com a qual nunca quis me somar.
O que você pensava quando aquelas sentenças condenatórias apelavam ao argumento de “evitar a confusão no Povo de Deus”?
Que o Povo de Deus não é bobo e que, ao contrário, precisa de uma explicação compreensível e atualizada da fé, que lhe permita crer sem ter a sensação de estar confessando modos de interpretá-la que – no fundo e, talvez, sem se atrever a pensar nisso – resultam incríveis, às vezes, até o absurdo.
Já disse isso muitas vezes e, em algum livro, de maneira bem pronunciada. É parte fundamental da minha intenção. E devo confessar que, muitas vezes, me sinto muito mais compreendido e cordialmente interpretado pelos leitores ou ouvintes do que por alguns “especialistas”. (…)
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“Minha teologia quis ser um serviço livre ao Evangelho”. Entrevista com Andrés Torres Queiruga - Instituto Humanitas Unisinos - IHU