20 Dezembro 2022
O Ministério Público Federal no Pará informou nesta quinta-feira (15) que os frigoríficos do estado que ainda não são signatários do acordo que proíbe a compra de gado de fazendas com desmatamento ilegal serão alvo de ação na Justiça para que se responsabilizem pelos danos causados ao meio ambiente.
A reportagem é de Cristiane Prizibisczki, publicada por o((eco)), 15-12-2022.
A ação do MPF contra frigoríficos não signatários do acordo faz parte de uma série de novas medidas que serão adotadas pelo órgão no âmbito do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) da Carne, em vigor no estado desde 2009. O Pará possui 49 frigoríficos com volumes relevantes de venda, sendo que 13 deles ainda não assinaram o Termo.
No total, o estado contabilizou 3,5 milhões de cabeças de gado para abate e exportação entre julho de 2019 e julho de 2020. Para avaliar se esta carne está livre de desmatamento, trabalho escravo ou não vem de áreas legalmente protegidas, o Ministério Público no Pará realizou o 4º ciclo de auditorias do TAC da Carne e encontrou que 94% dos frigoríficos estão em conformidade com as normas do acordo.
O número representa um avanço em relação à auditoria realizada em 2020 – com resultados divulgados em 2021 –, quando 90% das empresas estavam em conformidade.
No quarto ciclo de auditorias, o total de animais comercializados por empresas auditadas – por amostragem – representou 67% do volume do mercado no Pará, o que significa 2,3 milhões de animais.
Apesar do bom resultado, a auditoria contém algumas ressalvas: 11 empresas signatárias com volume de carne relevante não apresentaram suas auditorias. De acordo com o MPF/PA, análise preliminar realizada em conjunto com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) mostrou que se tais empresas fossem analisadas, a inconformidade entre elas seria de 33,5%. Tais números não entraram no resultado geral do 4º ciclo.
As empresas que ainda não assinaram o acordo também representam um entrave na busca de toda a legalidade da cadeia paraense de carne. Somadas, elas são responsáveis por um volume de mais de 485 mil animais. Na auditoria automática realizada pela UFMG, que também não entrou nos resultados do 4º ciclo, 23,8% estão inconformes.
Dentre as não signatárias do TAC da Carne no Pará está a gigante Marfrig. Segundo o procurador Ricardo Negrini, a auditoria realizada pela empresa ainda está em curso, por isso os resultados não entraram nesta rodada.
“A empresa nunca tinha feito auditoria no Pará do TAC do MPF, ela fazia por outro acordo, com outras regras. Mas agora ela está fazendo e, como o processo dela começou um pouco depois, ainda não terminou e não temos resultados para apresentar hoje, mas teremos mais um volume razoável que será acrescentado”, disse Negrini, durante apresentação dos resultados.
Em outras ocasiões, a Marfrig já se manifestou publicamente dizendo que não é signatária do TAC no Pará porque já teria assinado o TAC da pecuária em Mato Grosso, envolvendo toda a Amazônia Legal.
A empresa se refere ao compromisso voluntário de zerar o desmatamento, chamado Compromisso Público da Pecuária. Ele foi proposto pelo Greenpeace também em 2009 e assinado pela JBS, Marfrig e Minerva.
Por falar em JBS, pelo segundo ano consecutivo a empresa figurou entre as piores no ranking realizado pelo MPF. Segundo o Ministério Público, cerca de 16,73% do gado comercializado pela empresa no Pará é proveniente de área com desmatamento ou contém outras ilegalidades. Isso representa um volume de 93.734 cabeças de gado. Na auditoria do ciclo anterior, a inconformidade da empresa foi de 32%.
Assim como no ano passado, a JBS manifestou discordância quanto à aplicação das regras do Ministério Público e garantiu que o índice de irregularidades foi bem menor.
A celeuma gira em torno de uma discussão técnica do TAC: o MPF usa dados de monitoramento de 2008 – considerando que o Termo de Ajustamento coloca como data de corte dia 1 de agosto de 2008.
Os protocolos do Ministério, no entanto, falam em “PRODES 2009” (base de dados do INPE que é utilizada nas auditorias) e é nessa expressão que a empresa se baseia: ela justifica que não contou os dados de 2008 porque o termo fala em dados de 2009.
“O MPF não concorda com esta justificativa. O critério do TAC sempre foi a data base de desmatamento, a partir de agosto de 2008, sem que a gente restrinja as bases que serão utilizadas. Cabe à empresa, no momento de fazer a compra, verificar qual a data do desmatamento na fazenda [fornecedora]”, diz Negrini.
De qualquer forma, diz o procurador, a menção ao Prodes 2009 foi retirada do texto do compromisso. “Não é nosso objetivo restringir qual base [de dados será utilizada nas auditorias], o objetivo é dizer a partir de qual período o desmatamento tem que ser bloqueado”.
O procurador afirma ainda que, mesmo que os dados de 2008 fossem retirados da análise, a empresa teria cerca de 9% de inconformidades. A nota de corte estabelecida pelo MPF nas auditorias deste ano é 7%. Empresas com mais do que essa quantidade de compras inconformes são consideradas irregulares.
Além da JBS, outras três empresas amargaram as piores posições no ranking de ilegalidades: Frigorífico Aliança teve 47,3 % de inconformidade, Matadouro e Marchetaria Planalto, 21,7 %, e Frigorífico Altamira registrou 17,6% de compras inconformes.
Apesar das porcentagens de irregularidades maiores do que a apresentada pela JBS, esta empresa foi a que teve maior volume de gado ilegal comercializado: 93.734, contra cerca de 31 mil das outras três somadas. Juntas, estas quatro empresas comercializaram 124,6 mil cabeças de gado de áreas com desmatamento ilegal, provenientes de áreas protegidas, como Unidades de Conservação e Terras Indígenas, ou com trabalho análogo ao escravo.
Da esquerda para a direita: Pedro Burnier, gerente do Programa Pecuária na organização Amigos da Terra; Ricardo Negrini, procurador da República, e Gabriela Câmara, procuradora da República | Foto: MPF/PA
As auditorias do 4º Ciclo foram realizadas em 2021 e referem-se às transações feitas pelos frigoríficos entre julho de 2019 e julho de 2020. As empresas auditoras foram Grant Thornton, GeoMaster e BDO.
O TAC da Carne já tem 12 anos. Para especialistas no mercado da carne, o índice satisfatório seria 100% de cumprimento entre os frigoríficos. Aplicação de multas a todas as compras irregulares e penas maiores para quem regrediu no índice seriam medidas mais efetivas de combate às irregularidades, defendem.
O MPF, no entanto, está implementando novas medidas no protocolo. Além do ajuizamento de ações contra empresas sem TAC, de forma a obrigá-las a aderir ao acordo e responsabiliza-las pelo dano causado ao meio ambiente, o Ministério Público conta agora com um Comitê de Apoio ao TAC Pará, que oferece condições de análise de dados antes inacessíveis ao órgão.
“É importante buscarmos mecanismos para trazer informações não só com relação aos frigoríficos que estão no TAC, mas todos do estado. Atualmente, o que acontece é que aquele frigorífico que se esforça para aumentar a transparência, assinando o TAC e fazendo as auditorias, acaba tendo uma desvantagem em relação aos que não fazem auditoria, o que causa uma assimetria de informações e até uma concorrência injusta. O objetivo é trazer um ambiente de concorrência justa e simetria de informações”, diz o pesquisador Raoni Rajão, da UFMG.
Ibama e Secretaria de Meio Ambiente do Pará também farão trabalho conjunto para fiscalização prioritária das empresas sem auditoria e as empresas varejistas do estado receberão recomendações do MPF para implementação e fortalecimento das ações para gerenciamento de risco de desmatamento.
Os fornecedores indiretos, o grande calcanhar de aquiles da cadeia da carne, também estarão na mira do MPF. Eles serão alvo de auditorias automáticas por meio do programa Selo Verde. O Ministério Público também se comprometeu a estabelecer um cronograma para inclusão dos indiretos nos critérios de rastreamento.
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MPF no Pará vai obrigar na Justiça que frigoríficos rastreiem suas cadeias de suprimentos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU