21 Novembro 2022
No Egito, foi aprovado o aval histórico para um fundo para os estados mais vulneráveis, mas não houve um sinal claro sobre a redução das emissões. Entre os protagonistas estão a UE e o ditador egípcio, que sai fortalecido internacionalmente.
A reportagem é de Luca Fraioli, publicada por Repubblica, 20-11-2022. A tradução é de Luisa Rabolioni.
Era para ser uma COP "africana". E foi: são sobretudo as nações do hemisfério sul que comemoram o resultado desta 27ª Conferência das partes sobre o clima, que contou com 197 delegações reunidas durante duas semanas, entre o mar e o deserto de Sharm el-Sheikh. Eles comemoram o histórico sinal verde para a instituição de um fundo de Perdas e danos (Loss and damage), dinheiro a ser utilizado para remediar os danos e as perdas causados pelo clima nos países em desenvolvimento mais vulneráveis.
Marco histórico porque foi alcançado após trinta anos de discussões, nas quais os países desenvolvidos, que têm o ônus de alimentar o fundo por serem considerados responsáveis pelas emissões de CO2 que desencadearam a emergência climática desde o início da era industrial, sempre o haviam freado.
Em vez disso, em Sharm, para não voltar para casa com um fracasso completo, eles deram aval ao mecanismo financeiro para as Perdas e danos, mas com duas condições: que os beneficiários sejam apenas as nações mais vulneráveis os eventos climáticos extremos, e que a plateia de doadores seja estendida também àquelas potências econômicas que ainda não estão formalmente entre os países desenvolvidos, como a China, por exemplo.
No texto final aprovado na madrugada de domingo, após a enésima noite de negociações, os pedidos ocidentais foram concretizados, mas a definição dos critérios que vão estabelecer quem terá de contribuir para o fundo e quem poderá usufruir foi adiado: uma comissão ad hoc trabalhará arduamente e apresentará um relatório no ano que vem na COP28 em Dubai.
O que falta, porém, é um sinal claro para a redução das emissões de gases de efeito estufa, como se tivéssemos nos concentrado apenas em tratar os efeitos (os danos) em vez de reduzir as causas (o aumento da temperatura). É verdade que pela primeira vez as fontes renováveis são mencionadas no texto final de uma COP, mas isso é feito ao lado de "energia de baixa emissão", expressão ambígua que pode ser o cavalo de Troia para a sobrevivência a longo prazo dos combustíveis fósseis. Mesmo o compromisso de não ultrapassar os 1,5 graus de aumento de temperatura em relação à era pré-industrial sai enfraquecido dessa COP27, relegado como está no capítulo "Ciência" e não no capítulo muito mais operacional "Mitigação", que deveria ter tornado mais incisivas as medidas para reduzir as emissões.
A síntese mais eficaz é aquela divulgada na madrugada de ontem pelo secretário-geral da ONU, António Guterres: “Saúdo a decisão de instituir um fundo de Perdas e danos e de o tornar operacional no próximo período. Não será suficiente, mas é um sinal político absolutamente necessário para reconstruir a confiança quebrada. No entanto, nosso planeta ainda está no pronto socorro. Precisamos reduzir drasticamente as emissões agora, e esse é um problema que não foi abordado. A COP27 terminou com muitas tarefas e pouco tempo”.
Para perceber se as tarefas de casa vão ser feitas, e de forma proveitosa, é necessário relembrar quem foram os principais protagonistas da Conferência e que papel desempenharam. Do seu entusiasmo ou da sua frustração dependerão os resultados da luta contra as alterações climáticas nos próximos anos: quem o aceitou torcendo o nariz, por exemplo, poderia boicotar o comitê recém-criado, adiando indefinidamente a entrada em vigor do fundo de Perdas e danos. Que passaria sim para a história, mas como uma vitória de Pirro.
A delegação do Cairo, chefiada pelo chanceler Sameh Shoukry, alcançou seu objetivo. Impôs, pela primeira vez em uma COP, as Perdas e Danos como prioridade na agenda de trabalho, conseguindo angariar o sim ao relativo fundo. Por fim, manteve o ponto sobre a mitigação, atenuando a ambição de cortes de emissões comemorada um ano atrás em Glasgow. Duas manobras que podem dar ao Egito um papel de liderança na África e garantir-lhe o reconhecimento dos vizinhos petro-estados: só a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos doaram cerca de 22 bilhões de dólares ao país de Al Sisi no ano passado. A tática negocial utilizada foi a do esgotamento: dias de negociações inconclusivas, com documentos vagos, e depois uma aceleração final quando o prazo regulamentar já havia expirado. A essa altura, as delegações se viram em uma encruzilhada: sancionar o fracasso da COP27 ou aceitar as condições do Cairo.
Protagonista absoluta das negociações, graças ao chefe da delegação Frans Timmermans e à equipe alemã, liderada pela Ministra do Exterior de Berlim, a Verde Annalena Baerbock, e pela Enviada Especial para o Clima Jennifer Morgan, ex-diretora do Greenpeace Internacional. É também graças à Alemanha que o "não europeu" a Perdas e danos se tornou um sim condicional. Mas a frustração de Timmermans por ter cedido sem receber nada em troca sobre as reduções de emissões ficou evidente em seus comentários finais: “Aceitamos este acordo com relutância. Temos orgulho de ter contribuído para resolver o problema de Perdas e danos, mas perdemos uma oportunidade e muito tempo sobre as reduções de emissões, em comparação com a COP26 de Glasgow. Estamos em 1,2 graus de aquecimento e vimos os efeitos que isso já está provocando. A solução não é financiar um fundo, mas investir nossos recursos para reduzir drasticamente a liberação de gases de efeito estufa na atmosfera”.
Discrição nas horas cruciais da COP27, talvez devido ao isolamento a que foi forçado o enviado especial do clima de Washington, John Kerry, que testou positivo para Covid. Mas o ceticismo que os EUA sempre expressaram sobre o Perdas e danos deve ter contado principalmente. Os Estados Unidos se juntaram à Europa, convencidos, porém, de que a verdadeira partida climática será disputada frente a frente com Pequim, após o diálogo entre as duas superpotências ser retomado no G20 em Bali.
Com menor destaque que na COP26 de Glasgow, no entanto, Pequim conseguiu manter unida a frente do G77+China, um grupo de 134 países, a maioria países em desenvolvimento, apesar das tentativas ocidentais de "seduzir" os mais vulneráveis com intervenções econômicas ad hoc. Junto com o Egito, a China sai da COP27 como paladina do hemisfério sul do mundo. E, no entanto, surgiu o problema em Sharm: Pequim é uma potência econômica ou não? E se sim, por que não contribui para o financiamento climático tanto quanto os ricos?
Mais de 600 lobistas de gás e petróleo foram contados na COP27, evidentemente interessados em defender seu negócio, apesar do fato de que a ciência indica claramente que o caminho a seguir é o adeus mais rápido possível aos combustíveis fósseis. Graças à crise energética europeia e ao jogo paralelo entre sauditas, emirados e egípcios, podem se dizer satisfeitos. Talvez sejam eles os verdadeiros vencedores de Sharm el-Sheikh.
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COP27 de Sharm, balanço final: o sucesso do fundo para países danificados e o triunfo de Al Sisi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU