18 Novembro 2022
Um dos milhões de "trabalhadores estrangeiros", a mão de obra que chegou em Doha para construir os estádios, fala sobre condições, formas de contratação, horários e salários: "Vi um trabalhador morrer, mas graças à Copa do Mundo agora estão falando de nós".
A reportagem é de Matteo Pinci, publicada por Repubblica, 17-11-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Ele é um dos milhões de trabalhadores estrangeiros, os migrantes do trabalho que chegaram em Doha e que construíram com suor e muitas vezes sangue os estádios nos quais o Catar celebrará em poucas horas sua festa da Copa do Mundo. Quando ele se conecta conosco de Kathmandu, Devaraj está com um amigo, Baharat, que ele conheceu nos dormitórios no Catar. Ele fala inglês, mas tem uma intérprete ao seu lado, para garantir que se faça entender.
Antes de começar a contar, ele coloca na cabeça seu palpali topi, típica touca nepalesa, roxa e rosa. Voltou do Catar no início de 2022, tinha saído no final de 2018: sua função era a segurança nos canteiros de obras dos estádios Al Wakrah e Al Khor. "Uma vez um colega sofreu um acidente ali." Ele faz uma pausa e continua: "Era um eletricista, estava trabalhando no subsolo de um estádio. Não sei se ele esqueceu de desligar a energia, mas enquanto trabalhava foi atingido de repente por um forte choque elétrico. Ele morreu na hora, assim." Um dos milhares de mortes no trabalho - pelo menos 6.500 segundo as investigações dos últimos anos, mas as denúncias são mais que o dobro - que mancharam a corrida do Catar rumo ao pontapé inicial da Copa do Mundo. Um sinal de quão pouco a segurança era garantida. E o quanto o cansaço podia pesar.
"Às vezes tínhamos que trabalhar doze horas, às vezes não tínhamos feriados, nem mesmo por doença. E se estivéssemos doentes, ainda tínhamos que ir trabalhar. Se alguém não aparecia, mesmo que não estivesse bem, o empregador imediatamente cortava o salário". Rebelar-se? Péssima ideia: a associação sindical ainda é proibida no Catar: "Além disso, os empregadores não gostam de ter pessoas que protestam. Se tivéssemos protestado, teríamos sido demitidos ou a polícia poderia ter nos prendido."
Pelo menos o jantar estava garantido? "Sim. Mas se ao voltar do trabalho chegávamos atrasados para o jantar, não podíamos comer. E se alguém reclamasse, a empresa dizia que iria demiti-lo." Enquanto fala, a intérprete nepalesa intervém: "São problemas comuns a todos os trabalhadores, eu acho. Não?" Na verdade, não, nós explicamos a ela. Sorri constrangida. “A certa altura – continua Devaraj – a empresa reduziu os salários e depois deixou de pagar por tempo. Depois começou a mandar alguns trabalhadores para casa: por isso decidi voltar”. Até porque mudar de emprego era impossível sem autorização por escrito da empresa: "No Catar, se a empresa não te der o Noc, o certificado de não objeção, você não pode ir trabalhar em outra empresa ou em outro país. É o sistema da Kafala".
Aqui está, o sistema da Kafala: um controle quase total das empresas locais sobre o emprego e a imigração de trabalhadores estrangeiros. E que prevê que os chamados “custeios” para chegar ao país. "Para ir trabalhar lá tive que pagar uma empresa de recrutamento, a Manpower: 100.000 rúpias nepalesas". São cerca de 750 euros. "Quando desembarquei em Doha tinha pessoal deles esperando: primeiro tiraram meu passaporte. Depois me levaram para uma sala, tipo escritório. Depois de dois dias comecei a trabalhar".
É inútil questionar se valeu a pena. "Não havia muitas oportunidades no Nepal e custava menos ir para o Catar do que em outros países", continua Devaraj, "antes da Copa o salário médio era de 800, 900 riais, mas logo após o anúncio da realização do Mundial os salários mundiais aumentaram de 200 ou 300 riais".
Estamos falando de valores entre os 210 e os 240 euros mensais. Aqueles com famílias tinham pouca escolha. "Eu ganhava 1.000 riais por mês, mas se trabalhasse 12 horas por dia, chegaria a 1.200": são menos de 300 euros por mês. Em troca de uma vida difícil, quatro pessoas amontoadas em apartamentos de 25 metros quadrados, incluindo cama e guarda-roupa: "Dormia em um campo para trabalhadores em Sanaya, depois em Al Khor. Entre nós conversamos sobre os problemas, principalmente com os colegas que trabalhou comigo e com outros trabalhadores nepaleses que viviam no mesmo campo".
E a Fifa? “Acho que os organizadores deveriam se empenhar para defender os direitos dos trabalhadores, lutar por eles, porque quando os trabalhadores, os empregados, têm problemas, devem poder fazer valer suas razões perante a Justiça do Trabalho. Hoje, porém, a Justiça do Trabalho sempre se pronuncia em favor dos empregadores, e quando se recorre é a mesma coisa. São problemas ainda não resolvidos”. Houve pequenas melhorias. "Sim, mas não muitos, para ser honesto. Mas pelo menos com a Copa do Mundo, os sindicatos internacionais conseguiram trazer à atenção global os direitos daqueles que trabalham naquele país. E as condições em que fomos tratados por anos".
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Do Nepal ao Catar, a voz dos invisíveis: “Assim os novos escravos morreram trabalhando para a Copa do Mundo” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU