07 Novembro 2022
No voo de retorno do Bahrein, Francisco falou sobre a Ucrânia e os muitos conflitos do mundo. Ele falou de sua amizade com o Grão Imame de Al-Azhar, da importância de dar direitos e igualdade às mulheres, dos migrantes nos navios, dos abusos de crianças. E aos católicos alemães disse: "A Alemanha já tem uma grande Igreja evangélica, eu não gostaria de ter outra".
A entrevista é publicada por Vatican News, 06-11-2022.
Santidade, durante esta viagem ao Bahrein, o senhor falou dos direitos fundamentais, inclusive das mulheres, da sua dignidade, do direito a ter o seu espaço na esfera social e pública e encorajou os jovens a terem coragem, a fazerem barulho, a irem adiante por um mundo mais justo. Vista a situação aqui perto, no Irã, com as manifestações desencadeadas por algumas mulheres e por muitas jovens que querem mais liberdade, o senhor apoia este empenho das mulheres e dos homens que pedem para terem direitos fundamentais, que se encontram também no documento sobre a Fraternidade Humana?
Mas devemos dizer a verdade. A luta pelos direitos da mulher é uma luta contínua. Porque, em alguns lugares, a mulher consegue ter uma igualdade com os homens. Mas em outros lugares não consegue. Não? Eu me lembro nos anos 50 no meu país, quando houve a luta pelos direitos civis das mulheres, para que as mulheres pudessem votar. Porque até os anos 50 mais ou menos só os homens podiam votar no meu país. E penso nesta mesma luta nos Estados Unidos, famosa, pelo voto feminino. Mas por que – me questiono – a mulher deve lutar assim para manter os seus direitos? Há uma lenda – não sei se é uma lenda – sobre a origem das joias da mulher – talvez uma lenda – que explica a crueldade de muitas situações contra a mulher. Diz-se que a mulher carrega tantas joias porque em algum país – não lembro, talvez seja um fato histórico – havia o hábito que quando o marido se cansava da mulher, lhe dizia “vai embora!” e ela não podia voltar para pegar nada. Tinha que ir embora com aquilo que tinha consigo. E por isso acumulavam ouro para pelo menos terem alguma coisa. Dizem que esta seja a origem das joias. Não sei se é verdade ou não, mas a imagem nos ajuda.
Os direitos são fundamentais: mas por que hoje, hoje, no mundo não podemos parar com a tragédia da infibulação nas meninas? Isto é terrível. Hoje. Que exista esta prática, que a humanidade não consiga eliminar isto que é um crime, um ato criminoso! As mulheres, segundo dois comentários que ouvi, ou são material descartável - é feio, não? - ou são “espécie protegida”. Mas a igualdade entre homens e mulheres ainda não existe universalmente, e existem esses episódios: que as mulheres são de segunda classe ou menos. Devemos continuar a lutar, porque as mulheres são um dom. Deus não criou o homem e depois lhe deu um cachorrinho para se divertir. Não. Criou os dois, iguais, homem e mulher. E aquilo que Paulo escreveu em uma das suas cartas sobre a relação homem-mulher, que hoje nos parece antiquado, naquele momento foi tão revolucionário que escandalizou sobre a fidelidade homem e mulher. (Disse): o homem cuide da mulher como da própria carne. Naquele momento, isto foi uma coisa revolucionária. Todos os direitos da mulher vêm desta igualdade. E uma sociedade que não é capaz de colocar a mulher no seu lugar não vai adiante. Temos a experiência (disto).
No livro que escrevi “Voltemos a sonhar”, na parte sobre a economia por exemplo: existem mulheres economistas neste momento no mundo que mudaram a visão econômica e são capazes de levá-la avante. Porque têm um dom diferente. Sabem administrar as coisas de outro modo, que não é inferior, é complementar. Uma vez tive um colóquio com uma chefe de governo, uma grande chefe de governo, uma mãe com vários filhos que teve um sucesso muito grande em resolver uma situação muito difícil. E eu lhe disse: diga-me, senhora, como fez para resolver uma situação tão difícil?
E ela começou a mover as mãos assim, em silêncio. Depois me disse: como fazemos (nós) as mães. A mulher, para resolver um problema, tem o próprio caminho, que não é o do homem. E ambos os caminhos devem trabalhar juntos: a mulher igual ao homem trabalha pelo bem comum com aquela intuição que as mulheres têm.
Vi que, no Vaticano, toda vez que uma mulher entra para fazer um trabalho no Vaticano, as coisas melhoram. Por exemplo, a vice-governadora do Vaticano é uma mulher, a vice-governadora é uma mulher e as coisas mudaram bem. No Conselho para a Economia, havia seis cardeais e seis leigos, todos homens. Mudei os leigos e coloquei um homem e cinco mulheres. E esta é uma revolução porque as mulheres sabem encontrar o caminho certo, sabem ir adiante. E agora coloquei Mariana Mazzucato, na Pontifícia Academia para a Vida. Ela é uma grande economista dos Estados Unidos, (a coloquei) para dar um pouco de humanidade a isto.
As mulheres trazem a sua contribuição. Não devem se tornar como os homens. Não. São mulheres e nós precisamos delas. E uma sociedade que cancela as mulheres da vida pública é uma sociedade que empobrece. Empobrece. Igualdade de direitos, sim. Mas também uma igualdade de oportunidades. Igualdade de (possibilidades) para ir avante, porque, do contrário, se empobrece. Creio que com isto disse aquilo que globalmente é preciso fazer. Mas ainda falta caminhar, porque existe este machismo.
Eu venho de um povo machista. Os argentinos somos machistas, sempre. E isso é ruim, mas depois recorremos às mães que são aquelas que resolvem os problemas. Mas este machismo mata a humanidade. Obrigado por ter me dado a oportunidade de dizer isto, (algo) que levo muito no coração. Lutemos não só pelos direitos, mas porque é preciso ter mulheres na sociedade que nos ajudem a mudar".
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“O machismo mata a humanidade”, afirma o Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU