21 Julho 2021
"Se então se enfatizar o carácter único de um batismo administrado face ao juízo feito por quem detém a pá da separação definitiva (cf. Mt 3,12), parece convincente que se tratasse de um rito realizado de uma vez por todas", escreve Piero Stefani, filósofo, biblista, especialista em judaísmo e em diálogo judaico-cristão e ex-professor das universidades de Urbino e de Ferrara, em artigo publicado por Il Regno, 15-07-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
A parede do fundo do salão de honra do Palazzo dei Diamanti em Ferrara é caracterizada por um afresco de grandes dimensões (destacado e reproduzido na tela). A sua localização original era o refeitório do convento agostiniano de Santo Andrea. A obra, que data da terceira década do século XVI, é da autoria de Benvenuto Tisi da Garofalo; o autor do complexo programa iconográfico permanece desconhecido. O conteúdo da pintura é resumido pela expressão “Triunfo da Igreja cristã sobre a Sinagoga judaica” [1].
No centro da representação de fato há um crucifixo, seis braços emergem das pontas da cruz [2].
Cada braço desempenha uma função específica; em particular, um dos dois no alto à direita coroa a Igreja, enquanto um daqueles à esquerda atinge a sinagoga no coração.
A obra expressa visualmente uma teologia da substituição de tipo "econômico" [3]. Ela visa retratar uma irrevogável passagem de entregas. Uma "economia" (a do Antigo Testamento) terminou porque outra (a do Novo) começou. Aqueles que permaneceram apegados à fase anterior (a Sinagoga) [4] acabam sendo atingidos no coração.
O afresco também destaca aspectos que visam evidenciar o lado imitativo inerente à teologia da substituição. Ou seja, o novo é pensado com base no antigo. De fato, a expressão "Igreja novo Israel" (a que resume essa visão teológica) contém em si um componente substitutivo e imitativo. Em particular, na obra de Garofalo é necessário comparar o que está representado à esquerda do crucifixo com o que está à sua direita. De um lado, há um sacrifício feito por Aarão, um bode expiatório e uma circuncisão; do outro, um sacrifício eucarístico, uma confissão auricular e um batismo; os três sacramentos são, portanto, interpretados a partir de antigos modelos que eles substituem; trata-se de uma correlação que compromete o sentido autêntico a atribuir ao novo.
Batismo nova circuncisão? Se o corte na carne é um sinal da aliança (cf. Gn 17, 9-14), a água não poderia apresentar-se como sinal da nova aliança? Um trecho da carta aos Colossenses (cf. 2,11) fala de fato da circuncisão de Cristo realizada por meio do despojamento, não realizado por mãos humanas, do corpo da carne [5].
Trata-se evidentemente de uma retomada cristológica do tema da "circuncisão do coração" presente em Deuteronômio (10,16 e sobretudo 30,6) e em Jeremias (4,4).
Não há rito específico correspondente ao ditado. A circuncisão do coração diz respeito a todos os judeus, homens ou mulheres. Na expressão "circuncisão do coração" é o segundo termo que é mais qualificante. Em Colossenses não há referência ao batismo como uma nova circuncisão que substitui a anterior. Por causa da presença anatômica do prepúcio, o rito da circuncisão é apenas de relevância masculina. O "despojamento do corpo da carne" em Cristo (isto é, tornar-se nova criatura), por outro lado, diz respeito a todos os crentes, sejam homens ou mulheres.
O mesmo se aplica ao rito do batismo que, desde o início, era administrado tanto a homens como a mulheres. Este dado bastaria para deixar claro que a circuncisão não é uma prefiguração do ato de ser incorporado a Cristo através do batismo.
Nas primeiras comunidades de crentes em Jesus Cristo, houve muita discussão - e não raro de forma dura - sobre vários temas. Os escritos do Novo Testamento, principalmente o epistolário paulino, testemunham isso. Existem várias e substanciais indícios de que um tema muito debatido fosse o de batizar ou não os incircuncisos.
A este respeito, os Atos dos Apóstolos atribuem um papel até mesmo estratégico ao batismo do gentio Cornélio realizado por Pedro (cf. Atos 10,1-11,18). Portanto, é importante destacar que na documentação que chegou até nós, nunca tenha sido levantada a questão de se as mulheres também deveriam ser batizadas ou não. No que diz respeito aos três pares, explicitamente ligados ao batismo, segundo o qual em Cristo não há judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher (cf. Gl 3,28), apenas se atestam debates a respeito do primeiro. Está fora de questão que o ponto de partida de qualquer investigação reside no levantamento de problemas não dados como certos. Perguntar-se por que as mulheres foram logo batizadas se encaixa plenamente nesse âmbito. A resposta seria simples se o batismo remontasse a um rito de purificação. Nesse caso, é óbvio que diz respeito diretamente também as mulheres. As leis bíblicas e a práxis judaica existem para confirmar isso. No entanto, uma das regras básicas dos rituais de purificação é a necessidade de serem repetidos; isso acontece pela simples razão de que, na vida, sempre acabar reaparecendo situações passíveis de impureza. Por outro lado, uma das características peculiares do batismo, visto como participação na morte e ressurreição de Jesus Cristo (cf. Rm 6, 4), é que é administrado uma vez por todas. Sem deixar de lado o fato de que, em geral, os ritos de purificação são realizados pelo próprio sujeito, enquanto o batismo deve necessariamente ser recebido por outros.
Os campos de pesquisa sobre as origens do batismo são múltiplos: vão desde os ritos de iniciação presentes no mundo greco-romano [6], ao aparentemente mais provável precedente constituído pelo banho judaico dos prosélitos; de fato, tanto homens quanto mulheres de origem gentia devem ser submetidos a essa lavagem no ato de entrar na comunidade de Israel. Para muitos, esta última referência parece convincente; no entanto, isso acontece porque neles está à obra, mais ou menos conscientemente, um resíduo substitutivo. Em outras palavras, pensa-se na entrada na comunidade dos crentes em Jesus Cristo com base na entrada para fazer parte do povo de Israel. A analogia, porém, desmorona pelo fato de que o batismo também dizia respeito, desde o início, também aos crentes judeus que continuaram a ser e a se considerar parte do povo de Israel (os chamados judeu-cristãos). Na Epístola aos Gálatas os termos do acordo realizado em Jerusalém entre as "colunas" Tiago, Cefas e João de um lado e Paulo e Barnabé, do outro, são que estes últimos anunciassem ao "prepúcio" (ao se manter fiel à carta de Gal 2,7) e os primeiros fossem para o circuncisão (Gal 2,9). A qualificação franca, judaica e masculina dos dois grupos deixa claro que o batismo, que une os chamados por Israel e os gentios (cf. Rm 9,24), não deve ser pensado como substituição nem da circuncisão, nem do banho ritual reservado aos prosélitos Os Evangelhos falam do batismo de João; a este respeito, não é explicitamente declarado que tenha sido administrado apenas a homens; pelo contrário, a sua dimensão coletiva ("vieram a ele de toda a Judéia e todos os habitantes de Jerusalém"; Mc 1,5) sugere que também as mulheres estivessem presentes.
Se então se enfatizar o caráter único de um batismo administrado face ao juízo feito por quem detém a pá da separação definitiva (cf. Mt 3,12), parece convincente que se tratasse de um rito realizado de uma vez por todas. Por um lado, nos escritos do Novo Testamento, aquele batismo se distingue profundamente daquele realizado em nome de Jesus (cf. At 19,1-7), enquanto, por outro lado, os mandeus (popularmente conhecidos como "Cristãos de João Batista") [7] conhecem formas repetíveis de batismo purificador Em conclusão, do ponto de vista histórico, em relação ao nascimento do batismo realizado em nome de Jesus Cristo, ainda há muitos componentes a serem esclarecidos, embora não haja dúvida que as mulheres sempre tenha sido batizadas (cf. Atos 16, 4-5).
Este segundo e decisivo dato constitui uma realidade colocada para sempre no fundamento do sacerdócio universal dos fiéis. Qualquer discurso dedicado tanto à participação de toda a comunidade dos crentes na vida da Igreja (inclusive em sua modalidade sinodal) quanto aos ministérios abertos (ou preclusos) às mulheres deve partir da radical igualdade batismal de todos e todas em Cristo.
[1] Um quadro de tema semelhante, realizado pelo próprio Garofalo, está conservado no Hermitage em São Petersburgo.
[2] Trata-se da chamada cruz branquial.
[3] O “substitucionismo” econômico é aquele segundo o qual o desígnio de Deus na história da salvação prevê a passagem de Israel, grupo delimitado etnicamente, para a Igreja, grupo universal e inclusivo definido em base espiritual. Geralmente, o primeiro exemplo dessa visão costuma ser atribuída a Melitão de Sardi.
[4] Afirmar que os judeus sempre ficaram no Antigo Testamento é uma modalidade típica em que se apresenta o antijudaísmo cristão.
[5] Sempre válidas a este respeito as observações agudas de G.D. Cova, "Considerazioni su alcuni luoghi critici paolini" em E. Poli, P. Stefani (ed.), Pace sull’Israele di Dio. Contributi per una riflessione sulle relazioni Chiesa-Israele, Quaderni di San Sigismondo 4, Editrice Lo Scarabeo, Bologna 2003, 23-33.
[6] A tese foi apoiada por E. Stommel, "Christliche Taufriten und antike Badesitten", Jahrbuch für Antike und Christentum (1959) 2, 5-14. Devo as informações, como outras a que se alude nas linhas seguintes, ao amigo Enrico Norelli, a quem aqui agradeço.
[7] Cf. E. Lupieri, I mandei. Gli ultimi gnostici, Paideia, Brescia 2010.
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Batizados/as em Cristo. Uma igualdade radical entre homens e mulheres - Instituto Humanitas Unisinos - IHU