31 Outubro 2022
"A herança de Lula é um país altamente polarizado e conflituoso, onde a violência substituiu o diálogo, um elemento decisivo para que o país passe do papel para o agir", escreve Luis Miguel Modino, padre espanhol e missionário Fidei Donum.
Não sei se falar de sinodalidade na sociedade civil é um termo adequado, mas no Brasil de hoje, caminhar juntos, que é o que o termo sinodalidade significa, é uma urgência que não pode ser adiada.
Nas suas primeiras palavras, o presidente eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, que assumirá o seu terceiro mandato como presidente do país a 1 de janeiro, algo sem precedentes, disse que "não há dois Brasis. Somos um único país, um único povo, uma grande nação". De fato, o sentimento e o orgulho de ser brasileiro é algo tradicionalmente presente entre a população do país, apesar de uma parte da população ter querido apropriar-se de algo que nunca lhe pertenceu exclusivamente.
Neste contexto, Lula mostrou a sua determinação em governar para todos. Não podemos esquecer que, no final do seu segundo mandato, Lula tinha uma taxa de aprovação de 83%, um número recorde na história do país. Atingir essa figura parece utópico dada a situação atual do país, mas por um lado não lhe faltará apoio internacional, uma vez que os líderes das principais potências mundiais reagiram positivamente, e por outro lado o próprio Lula sempre foi um mestre da arte da negociação, como demonstra o fato do seu atual vice-presidente, Geraldo Alckmin, ter sido um dos seus principais adversários políticos no passado.
A herança de Lula é um país altamente polarizado e conflituoso, onde a violência substituiu o diálogo, um elemento decisivo para que o país passe do papel para o agir. O Brasil viveu recentemente cenas surrealistas, tais como o fato da deputada federal Carla Zambelli, na véspera do segundo turno, numa discussão com um apoiador de Lula o ter perseguido com um revólver na mão, ameaçando-o.
Uma polarização que, como aponta o Papa Francisco na sua encíclica Fratelli tutti, deriva do fato de que "em certos contextos, é comum acusar de populismo todos aqueles que defendem os direitos dos mais fracos da sociedade". Não escapa a ninguém, ou não deveria escapar a ninguém, que a defesa dos mais pobres foi uma prioridade nos oito anos do governo daquele que acaba de ser reeleito para o seu terceiro mandato.
Foi uma época em que a fome desapareceu de um país onde sempre esteve presente e voltou agora, atingindo hoje pelo menos 30 milhões de brasileiros, um número que tem vindo a crescer de forma constante nos últimos tempos. Cumpriu assim as palavras que proferiu no início desse primeiro mandato, em janeiro de 2003. "Se todos os brasileiros pudessem tomar café da manhã, almoço e jantar, eu teria cumprido a missão da minha vida", o que ele fez.
O que falta ao Brasil neste momento é "a melhor política ao serviço do verdadeiro bem comum", palavras pronunciadas pelo atual pontífice na sua última encíclica. O que está a acontecer, diz Francisco, é que "em vez disso, infelizmente, a política de hoje tende muitas vezes a tomar formas que dificultam a evolução para um mundo diferente".
Lula disse aos seus seguidores que é tempo de "restabelecer a paz entre aqueles que diferem", uma realidade que entrou na vida das próprias famílias, onde diferentes opções políticas provocaram fortes confrontos entre pessoas que partilham laços de sangue.
Já que falamos de sinodalidade, um termo religioso, não podemos ignorar o papel da religião no Brasil de hoje. De fato, o discurso religioso impôs-se como um elemento decisivo na campanha política para as eleições de 2022. Uma campanha e um projeto político onde o uso do nome de Deus em vão se tornou demasiado comum.
A posição oficial da Igreja Católica sempre deixou claro que não tem partido, mas tem lado, o lado dos pobres, das políticas públicas, da democracia, que tem sido o motivo de uma perseguição aberta a padres, religiosos, incluindo bispos. Até o Papa Francisco foi alvo de desqualificações pelo fato de na quarta-feira passada ter pedido a Nossa Senhora de Aparecida para livrar o Brasil do ódio, da intolerância e da violência.
Sem dúvida uma missão complicada, para a qual, como Lula pediu, a ajuda do povo, a colaboração de todos, é necessária. No final, todos nós que vivemos no Brasil somos desafiados a compreender e assumir que juntos somos mais e iremos mais longe.
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Lula e o Brasil, o grande desafio de viver novamente em sinodalidade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU