17 Setembro 2022
Por um lado, as doenças são experiências de um mal sem culpa. Por outro, há doenças das quais carregamos toda a responsabilidade.
O comentário é do teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma. O artigo foi publicado em Come Se Non, 13-09-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Todo doente sente que está vivendo uma injustiça. Em toda doença grave, experimentamos uma desordem que não provocamos e que, por isso, nos faz mais mal do que o pecado.
No entanto, o episódio que quero contar parece evidenciar outro tipo de responsabilidade e outro tipo de pecado, intimamente ligado à doença e do qual devemos denunciar politicamente a culpa.
Entrei no novo quarto da minha terceira transferência para o hospital e o encontrei deitado no leito ao lado do meu: um jovem africano. Eles me acomodaram no meu leito, organizei minimamente a mesa de cabeceira e, depois, quando o quarto ficou vazio de enfermeiros, me apresentei.
Ele me respondeu com calma, com uma calma quase seráfica. Disse que vinha da Guiné e que não podia caminhar. Tínhamos, portanto, o mesmo problema, mas com raízes bem diferentes. Não lhe perguntei mais nada diretamente, mas fui auxiliado pelo contínuo aparecimento de enfermeiros e médicos que cuidavam dele: enquanto isso, entendi que, no dia seguinte, ele deveria ser operado.
Depois, quando os dois médicos chegaram e lhe pediram que ele assinasse também uma liberação, entendi melhor: ele não podia caminhar porque a coluna não o suportava mais. Ele tinha tuberculose óssea muito grave. No dia seguinte, com uma longa operação, eles colocariam nele uma série de parafusos ao longo de toda a parte superior da coluna vertebral, para que pudesse suportar o peso e permitir que as pernas caminhassem.
Mas a parte mais interessante, não estritamente médica, ainda estava por vir, porque os médicos perguntaram por que ele chegou a essas condições. Então, ele disse coisas realmente impressionantes: tem 24 anos, está na Itália há oito anos e sempre colheu, no norte ou no sul, frutas e legumes nos campos.
De acordo com o que ele contou, porém, o problema não era tanto o trabalho duro, mas sim o fato de dormir na beira dos campos, senão até dentro do próprio campo. À noite, com as mudanças de temperatura, com a geada, com o orvalho, para depois trabalhar em condições realmente desumanas, encontrava-se com a coluna naquele estado.
Por um lado, as doenças são experiências de um mal sem culpa. Por outro, há doenças das quais carregamos toda a responsabilidade: acima de tudo, ela pesa sobre quem explora esse trabalho sem garantir condições de vida aos operários; em segundo lugar, pesa sobre as comunidades, que conhecem bem essas dinâmicas e se calam; depois, pesam sobre a classe política, que só sabe falar contra os “coronéis” quando há pelo menos quatro ou cinco mortos, e, além disso, tolera essas formas desumanas de exploração, que falam no rosto de menino desse filho da Guiné.
Hoje ele foi operado. Quase esculpiram uma cruz nas suas costas. Essa cruz o libertará para caminhar, mas o impedirá de voltar a fazer aquele trabalho.
Esse mundo em que vivemos pode infligir cruzes de morte e depois ter lugares capazes de doar cruzes de salvação. É um paradoxo, que devemos abordar de forma diferente. A pergunta sobre as origens do mal continua em aberto, mas, nesses casos, é evidente que o interesse cego de nações chamadas “ricas” pode garantir o mal de tantos filhos de nações pobres.
Há aí uma injustiça que grita ao céu e que devemos ouvir especialmente quando não caminhamos por um motivo totalmente diferente, misterioso, desconhecido, inapreensível.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O mal sem culpa e as injustiças dos homens. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU