15 Setembro 2022
O cardeal John Olorunfemi Onaiyekan, que nasceu em 29 de janeiro de 1944 em Kabba e atualmente está no Estado de Kogi, na Nigéria, foi bispo e depois arcebispo de Abuja de 1992 a 2019. Em 2012, foi criado cardeal. No mesmo ano, a Pax Christi International concedeu-lhe o Prêmio da Paz em Bruxelas. E nesse mesmo ano, foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz, em reconhecimento pelo seu trabalho na promoção da harmonia religiosa, da paz e da justiça na África. Ele é o fundador da Fundação Cardeal Onaiyekan para a Paz (COFP). Foi convidado de honra do 20º Congresso da Associação Pan-Africana de Exegetas Católicos, que foi realizado no Foyer de l'Unité, em Souillac.
Em entrevista concedida ao jornal Le Mauricien esta semana, ele fala sobre sua visão da questão ambiental, mas também da Igreja Católica na África e do diálogo entre cristãos e muçulmanos em seu país.
A entrevista é publicada por Le Mauricien, 11-09-2022. A tradução é do Cepat.
Você foi convidado de honra do congresso organizado pela Associação Pan-Africana de Exegetas Africanos. Pode falar sobre a razão de ser desta associação?
Esta questão foi levantada entre nós. Esta associação foi criada na década de 1980. Quando foi criada, éramos todos jovens sacerdotes que estudavam na Europa. Na religião católica, a Bíblia é um tema do nosso programa de estudos. Há aqueles que estudam teologia dogmática, aqueles que estudam o culto e outros campos, como a filosofia. É, portanto, uma associação africana de biblistas católicos.
Sabemos que existem organizações internacionais de biblistas e quase todos os países têm sua organização de biblistas.
Pensamos que seria bom ter uma organização africana na qual pudéssemos trocar ideias e que possibilitasse avaliar o que estávamos fazendo como biblistas inseridos no contexto local como sacerdotes e professores. A maioria de nós ensina em seminários. Alguns na universidade. Nós nos conhecemos muito bem. Nosso único problema é que temos pouquíssimas publicações.
Nós, africanos, não somos necessariamente escritores. Somos Story Tellers (contadores de histórias) e estamos mais orientados para a oralidade. Pelo fato de que não escrevemos, algumas pessoas podem pensar que não refletimos. Não queríamos que nossos colegas, em Roma ou em qualquer outra parte do mundo, pensassem que nada estava acontecendo em nossa região. Nós conseguimos porque publicamos os resultados das nossas reuniões. Nossos trabalhos e artigos são publicados em uma revista científica praticamente a cada dois anos. Isso permite, àqueles que queiram, saber o que pensam os africanos. Também temos publicações online. Ao mesmo tempo em que apreciamos nossa cultura africana da oralidade, percebemos que precisamos ter uma literatura.
Não somos biblistas para nós mesmos. Agora existem seminários africanos em várias capitais africanas. Os estudantes e seminaristas estudam as escrituras tão bem, se não melhor, do que se estivessem nas capitais ocidentais. Temos nossa própria identidade. É bom saber que a Bíblia não foi escrita por africanos, nem por alemães ou outros europeus. Vem da antiga tradição judaica. Nós temos o Antigo Testamento e o Novo Testamento. É um livro ao qual todos recorrem para se inspirar e para interpretar. Contém elementos comuns nos quais os cristãos também se encontram, independentemente do país em que vivem.
No entanto, um cristão da Nigéria pode não ter as mesmas interpretações que um cristão italiano. Somos diferentes, embora professemos a mesma fé. Houve um tempo em que as únicas vozes que eram respeitadas na religião católica eram as dos europeus. Isso mudou. O papa quer que todos ouçam a todos. Devemos, portanto, escutar também o que os prelados africanos têm a dizer, incluindo os das Ilhas Maurício. Estamos, pois, em um mundo globalizado. O que não significa que temos que fazer a mesma coisa. Deus não errou em nos criar diferentes. Isso dá uma dimensão positiva da globalização. Ou seja, um mundo onde todos possam apreciar os outros e ouvi-los. Os africanos têm sua própria formação intelectual e cultural, o que influencia nossa leitura da escrita.
Que conexão faz entre os estudos bíblicos e o meio ambiente?
O meio ambiente é um problema de primeira grandeza e ao mesmo tempo complexo que inclui diferentes aspectos. Nenhuma área do conhecimento pode pretender lidar com esta questão sozinha. Ela tem uma dimensão histórica, política e científica. Há também o que pode ser considerado uma dimensão ideológica.
Como biblistas, queremos saber o que a Bíblia diz sobre o nosso meio ambiente e fazer com que seja conhecido. Demonstramos que a Bíblia definitivamente tem muito a dizer sobre nosso meio ambiente. Fala da criação do mundo por Deus. É uma ideia universal, e não apenas dos cristãos.
Todas as religiões acreditam que Deus é o criador do mundo. A Bíblia diz claramente que Deus criou o mundo e viu que era bom. Ele criou os homens e as mulheres, e viu que o mundo era muito bom.
Se Deus criou um mundo, como explicar que sua obra se deteriorou. Encontramos as explicações na Bíblia e, infelizmente, são os seres humanos os responsáveis por isso e são os primeiros culpados. Deus deu aos seres humanos a inteligência e deu-lhes o mandato para governar o mundo. Ele não pediu a eles para destruí-lo. Hoje vemos as consequências do consumo excessivo, dos resíduos lançados ao mar e que matam a fauna e a flora marinhas. O lixo de outras pessoas pode acabar nas nossas praias. Mas o mundo é a nossa casa comum, como assinala o Papa Francisco.
Eu sabia que não tínhamos o direito de destruir o meio ambiente. Devemos preservá-lo para as gerações futuras. Aqueles que estão sujando nosso planeta devem tomar medidas para limpar a sujeira. Esse é um elemento de justiça. Esses danos ao meio ambiente causam, como vemos, desastres naturais, enchentes, aquecimento global, tempestades violentas, etc.
Quando nossos líderes forem a Paris ou ao Egito, como será o caso este ano... essas pessoas importantes que falam grande devem perceber que o problema da ecologia não deve ser resolvido apenas por discussões políticas. Eles terão que levar em consideração a dimensão espiritual, bem como as palavras de sabedoria dos religiosos de todas as religiões. Esperamos que os resultados das discussões, como aquelas que temos aqui, cheguem aos ouvidos daqueles que falam ao mais alto nível político. No entanto, antes de chegar a esse nível, existem as pessoas comuns, como você e eu.
Você acha que seus trabalhos devem ser levados ao conhecimento daqueles que participarão dos trabalhos da COP 27, que será realizada em Sharm El Sheikh, no Egito, no próximo mês?
Sei que a Igreja Católica, através da Santa Sé do Vaticano, estará presente com força. Os católicos e as organizações religiosas estão muito interessados nessas discussões e fazem o possível para transmitir suas mensagens. Estou certo de que o representante das Ilhas Maurício nesta conferência terá em conta o que todas as organizações religiosas das Ilhas Maurício dizem sobre este assunto. Não há nada de errado no fato de representantes de países que dizem que o mundo em que vivemos foi criado por Deus e que devemos ouvi-lo para saber como sua criação deve ser tratada. Esta é uma realidade.
Incomoda-o o fato de que os países, incluindo os PIED, vão a estas conferências principalmente para obter os fundos necessários para financiar medidas contra os efeitos das mudanças climáticas, etc.?
Isso faz parte da solução que consiste em mobilizar os meios para mitigar os efeitos das mudanças climáticas, especialmente nos países africanos, e pelos quais não somos os principais responsáveis. Os religiosos podem trazer a dimensão ética e da justiça a esta situação. Não é justo que as populações das grandes potências econômicas pensem que podem se dar ao luxo de ter um estilo de vida elevado às custas das populações africanas, dos pequenos países insulares ameaçados de extinção devido ao aumento do nível das águas. O que é trágico.
Durante muito tempo, as pessoas negaram o efeito das atividades humanas sobre o meio ambiente. Agora elas tomaram consciência de que as atividades humanas, que estão sob nosso controle, são responsáveis por mais de 90% do que vemos. Isso significa que se não fazemos nada não é porque não possamos fazer nada, é porque não queremos fazer nada.
Portanto, trata-se de uma questão de responsabilidade. Você não tem o direito de fazer qualquer coisa que vá machucar outra pessoa só porque acha que é do seu interesse. Os políticos das grandes potências econômicas têm dificuldades em lidar com esse tipo de problema porque suas populações estão sempre pedindo que façam mais. Aqueles que fazem campanha sobre o tema da ecologia e que defendem padrões de vida mais baixos para a sobrevivência do resto do mundo correm o risco de perder a eleição.
Você é reconhecido em todo o mundo como um homem de paz. Você foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz e recebeu o Prêmio Pax Christi. Entretanto, as informações que nos chegam são de conflitos e guerras na África. O que pensa da situação no continente?
Infelizmente, esta é uma situação em que nos encontramos. Porque o mundo sofre da falta de paz. E aqueles de nós que têm voz para se manifestar pela paz devem fazê-lo e devem agir. Sou cardeal e só posso falar. Não posso tomar decisões políticas ou pegar em armas. A única coisa que posso fazer, se vejo, por exemplo, corrupção em massa, é dizer que está errado.
Cada pessoa tem seu papel a desempenhar. É o caso do meu país, a Nigéria. No momento em que meu nome foi proposto junto com o do partido islâmico para o Prêmio Nobel da Paz, estávamos avançando, principalmente no que diz respeito ao diálogo entre cristãos e muçulmanos.
Lamento dizer que hoje, dez anos depois, em geral, a situação se agravou, em grande parte devido às atividades de organizações terroristas, que afirmam ser organizações religiosas. Isso complica as relações entre os dois principais grupos religiosos na Nigéria, os cristãos e os muçulmanos.
É triste e, como homem de paz, é-me difícil pregar a paz na minha catedral, em Abuja, como era há dez anos. Significa que tenho que falar mais alto e encontrar pessoas que queiram falar mais alto sobre a paz. Graças a Deus, no plano global, estamos progredindo.
O Papa acaba de encontrar o Grande Imã do Egito. Ele teve uma excelente visita a Abu Dhabi, onde conversaram sobre a fraternidade humana. Isso quer dizer que somos seres humanos e somos todos irmãos e irmãs. A ideia de irmãos e irmãs indica que somos todos filhos de Deus, independentemente de nossas religiões.
Você também é o responsável pela Fundação Cardeal Onaiyekan para a Paz (COFP). Pode nos falar sobre essa fundação?
Na Nigéria, é necessário adotar uma abordagem multinível das relações inter-religiosas. As relações ao nível da cúpula e das bases, onde as populações se misturam facilmente, vão muito bem.
É no nível intermediário que surge o problema. É por isso que a fundação trabalha principalmente com líderes religiosos intermediários, como os pastores e os imãs, que fazem muito barulho. Nós temos um programa para eles. Após um ano de formação, há um melhor entendimento mútuo. Isso facilita o diálogo inter-religioso e intercultural. Em um nível micro, muito pode ser feito. Isso não significa que os políticos que manipulam as populações vão parar com seu trabalho sujo. Mas graças a essa formação, terão cada vez menos sucesso em fazê-lo.
Nas Ilhas Maurício, temos o Conselho das Religiões que reúne diferentes líderes religiosos. Que conselho poderia dar a eles sobre o diálogo inter-religioso, que ainda não é fácil?
Nas Ilhas Maurício, você tem o privilégio de ter as principais religiões do mundo, especialmente o cristianismo, o hinduísmo e o islamismo, para citar algumas. Na Nigéria, o cristianismo e o islamismo representam metade da população de 220 milhões de pessoas em proporções iguais. Portanto, temos cerca de 100 milhões de cristãos vivendo ao lado de 100 milhões de muçulmanos no mesmo país, nos mesmos mercados, nos mesmos partidos políticos e no mesmo governo. O Presidente da República é muçulmano e o vice-presidente, cristão. As duas religiões estão representadas no Parlamento e no governo. Esta é a realidade da vida na Nigéria.
Não devemos esquecer que essa convivência funciona bem apesar dos desafios que surgem e que mais interessam aos meios de comunicação. Estes últimos dão a impressão de que os membros do Boko Haram estão prontos para atirar nos cristãos. Isso tem algo de verdadeiro e ao mesmo tempo é falso. É preciso saber que o Boko Haram diz respeito a uma minoria muito pequena de pessoas na Nigéria e não representa a comunidade islâmica. Além disso, não são apenas os cristãos que são suas vítimas; eles matam mais muçulmanos do que cristãos. De vez em quando eles atingem um alvo cristão ou um líder, matam-no, tiram uma foto e a postam nas redes sociais. Isso dá a impressão de que eles estão massacrando cristãos. O que não é verdade.
Devo dizer-lhe que há muitas boas notícias que nos permitem trabalhar juntos, mas que não são conhecidas e difundidas. Sempre haverá extremistas em ambas as religiões. Devemos ignorá-los e continuar o diálogo com os outros, que são numerosos, que concordam em continuar a trilhar o caminho juntos.
Qual é a situação da Igreja Católica na África?
Durante a última década, a fé cristã fez progressos consideráveis. É verdade que houve um crescimento da população. Isso não quer dizer que as religiões tradicionais tenham desaparecido porque os valores e as culturas dessas religiões são encontrados em uma religião como o cristianismo. Eu sou iorubá. Meu pai sempre me ensinou que Olorum me ama. Olorum é o nome de Deus. Isso significa que nosso povo sempre identificou seu Deus com o Deus dos cristãos. Não precisávamos jogar fora o Deus deles para olhar para outro Deus. Isso nunca aconteceu.
Deste ponto de vista, digo que temos boas notícias. Dito isto, alguém poderia pensar que teria um bom efeito na forma como os países africanos são governados. Infelizmente, não é o caso. A religião cristã contribuiu com a civilização da África através da educação. Muitos líderes africanos foram educados em universidades católicas. No entanto, é deplorável que não adotem uma atitude cristã no âmbito do governo, isto é, colocando-se a serviço da população, da verdade, da justiça e da honestidade. Isso é o que buscamos, mas não vemos acontecer.
Infelizmente, suas vantagens pessoais têm precedência sobre os benefícios das pessoas comuns. O poder que eles têm não é usado para o progresso da população, mas para seus interesses pessoais. Pelo contrário, muitas vezes estão em conluio com estrangeiros que vêm explorar nossos recursos naturais em detrimento dos autóctones. Existem muitos exemplos na Nigéria, no Congo e outros lugares para a indústria petrolífera e os minerais raros. Nada é feito para impedir que os operadores poluam o meio ambiente. Isso é inaceitável!
Como cardeal, conte-nos sobre as profundas mudanças que o Papa Francisco quer trazer para a Igreja Católica?
Para nós, a Igreja não é apenas uma organização como o governo. É uma instituição que acreditamos firmemente ter sido estabelecida por Jesus e sua missão continua ao longo de mais de 2.000 anos. Ela experimentou todas as formas de cenários bons e ruins. Vimos lideranças boas e ruins. Isso não mudou a crença básica de que a Igreja não é apenas um assunto humano.
Quaisquer que sejam as mudanças feitas pelo papa, nós as encaramos como positivas. O Papa Francisco está interessado no fato de que cada católico deve sentir que está envolvido nos assuntos da Igreja. É nesse sentido que ele está tomando medidas práticas para reorganizar a máquina da Igreja. Não tenho motivos para acreditar que não esteja indo na direção certa. Afinal, eu fui um dos cardeais que votou nele.
Você poderia ter sido eleito papa?
Eu era candidato. Cada cardeal normalmente é candidato.
A escravidão ocupa um lugar importante na identidade dos mauricianos. Como nigeriano, qual é a sua opinião sobre essa questão?
Temos duas maneiras de ver as coisas. Uma primeira abordagem foi que nossos ancestrais foram removidos à força para serem transportados para os Estados Unidos, para serem explorados como escravos. Eles nunca se recuperaram dessa história trágica.
Há também outra dimensão. Os homens brancos que exploravam os escravos nunca foram para a África. Somos nós, homens negros, que escravizamos uns aos outros. Somos nós africanos que vendemos nossos irmãos para serem tratados como escravos. Infelizmente, isso não parou. Até hoje, nossos irmãos são vendidos por dinheiro. Os problemas que enfrentamos hoje não se devem à escravidão, mas à governança.
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Nigéria. “O problema da ecologia não é apenas uma questão política”. Entrevista com o cardeal John Onaiyekan - Instituto Humanitas Unisinos - IHU