13 Setembro 2022
"A primeira forma de bem comum que os seres humanos conheceram é a relação, o estar juntos, o pensar juntos no que é bem comum e não apenas bem individual. Sem ecossistema relacional não há caminho de humanização, e sem passar pelo bem comum não há política que seja um bem para toda a polis", escreve Enzo Bianchi, monge italiano e fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por La Repubblica, 12-09-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Estamos em plena campanha eleitoral e justamente como monge não posso deixar de observar e de ouvir as vozes - sobretudo os gritos - que se elevam numerosas de todas as partes envolvidas. Não entro na arena política, mas depois de ouvir ou ler os protagonistas constantemente me pergunto: “Para onde foi, o que aconteceu com o conceito de bem comum? Por que está tão ausente?”.
A mesma pergunta foi feita por François Flahault, diretor do Centro de Pesquisa em Artes e Linguagem de Paris, em um livro que é significativamente intitulado Où est passé le bien commun?
O conceito de "bem comum" é um conceito essencial para a convivência, para a qualidade de vida na polis.
A expressão é composta por duas palavras: "bem" e "comum". “Bem” é o que gostaríamos para nós mesmos e o que desejamos para as pessoas a quem estamos ligados, o que nos permite viver plenamente. "Comum" deriva da palavra latina communis que indica uma tarefa a ser realizada juntos e ao mesmo tempo um dom compartilhado. "Bem comum" não é, portanto, simplesmente um patrimônio que temos em comum, algo material ou imaterial possuído e compartilhado, mas o conjunto das condições de vida que favorecem o bem-estar, a humanização de todos: também a democracia, a cultura, a beleza são bens comuns. Como afirmou Stefano Rodotà, “há bens que expressam os direitos inalienáveis dos cidadãos. Estes são os 'bens comuns': do direito à vida, ao bem primário da água, ao conhecimento na rede”.
O destinatário natural do bem comum não é mais o indivíduo, mas a pessoa.
"Bem comum", é preciso lembrar, é um conceito formulado no século XIII, na hora do surgimento do Ocidente, quando na esteira da herança grega chegou-se a compreender que como a rede das relações precede o indivíduo- pessoa, assim a unidade do corpo precede os membros que o compõem. De modo que o bem de cada um implica uma noção do bem comum que o precede e no qual possa se definir.
Infelizmente, esse conceito de bem comum foi posto de lado em favor de uma concepção individualista e utilitária da sociedade e aos poucos se impondo a ideia de que a organização política se justifica pelo fato de garantir aos membros de uma coletividade os direitos individuais de que seriam dotados previamente à sua existência social.
Assim, o bem comum deu lugar ao interesse geral, concebido como a soma dos interesses individuais.
Marcel Gauchet escreveu: “Na sociedade atual, afirma-se que no início da história havia apenas indivíduos, e por isso não se pode imaginar uma sua coexistência solidária. É, portanto, urgente pensar, em vez disso, no que os une e o que devem fazer juntos!”.
A primeira forma de bem comum que os seres humanos conheceram é a relação, o estar juntos, o pensar juntos no que é bem comum e não apenas bem individual. Sem ecossistema relacional não há caminho de humanização, e sem passar pelo bem comum não há política que seja um bem para toda a polis.
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O bem comum e a política. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU