26 Julho 2022
Delírio golpista do “capitão” se acentua. Centrão e militares mantêm silêncio enigmático. Bloquear ataques à democracia exigirá mobilizar frentes suprapartidárias em defesa das eleições, pela paz na campanha e por respeito à soberania popular, escreve Jean Marc von der Weid, em artigo publicado por Outras Palavras, 21-07-2022.
Os acontecimentos se precipitam e cada dia tem a sua agonia. A mais recente foi a declaração explícita da intenção de golpe feita por Bolsonaro na esdrúxula reunião com uma parte do corpo diplomático há alguns dias.
Não foi uma novidade o que disse o energúmeno. Apenas reafirmou o que vem dizendo repetidas vezes desde que assumiu a presidência e até antes disso. O que mudou para provocar tanta repercussão? Claro que um público de embaixadores não é o mesmo do que o do curralzinho do Alvorada. Mas porque este espetáculo grotesco e ridículo, considerado como vexame internacional, deu origem a tanta repercussão? A mídia convencional deu muito destaque e meteu o pau no presidente, apontando o crime de responsabilidade e afirmando que “se o Brasil fosse um país sério”, se não fosse uma “republiqueta de bananas”, se fosse “uma democracia de verdade”, o presidente estaria impichado ou, pelo menos, respondendo por seus crimes. Será que o tom virulento usado na Globo News ou na CNN e, menos agressivamente, nos grandes jornais pautou a opinião pública? É curioso que vários militantes de esquerda assumiram um tom de desespero e rugiram por reações radicais, greves gerais, povo nas ruas, movimentos pelo impeachment. Peraí! Ninguém sabia das intenções de Bolsonaro?
Deixando de lado uma certa histeria, para mim incompreensível, o episódio tem duas leituras. Uma foi o fiasco nacional e internacional. Outra foi uma estranha ausência dos três ministros militares. Notada por poucos e não apontada nas análises da grande mídia pelo menos até agora (4h da tarde de quarta-feira, 20/7) esta ausência seria, segundo nota da Bela Megale, uma recusa dos capos das FFAA em se comprometer com o presidente em sua exposição golpista ao mundo. Seria preciso confirmação de convite para confirmar a ausência como recusa. Se for verdade, e Megale acrescenta que há um “desconforto” entre a generalada mais estrelada da ativa com o movimento golpista do presidente, este ato pode significar uma explícita ruptura entre Bolsonaro e as “suas” FFAA, pelo menos no nível dos generais de três estrelas. Embora não tenha havido confirmação de uma recusa de comparecimento dos ministros militares, circula na grande mídia a notícia de que três generais do Alto Comando do Exército entraram em contato com o STF para indicar que as posições de Bolsonaro e do Ministro da Defesa sobre as eleições não exprimem a posição das FFAA. Trata-se de fato da maior importância pois indica que os arreganhos de Bolsonaro não contarão com apoio militar. Um elemento-chave da manobra golpista estaria desmontado, mais uma vez, pelo menos no nível do Alto Comando.
Por outro lado, circulam outras histórias (que não tem a ver com este evento) apontando a intenção, não só da generalada, mas do corpo de oficiais como um todo, de não aceitar Lula como presidente. As duas informações são totalmente contraditórias ou estaríamos diante não de uma intenção de golpe, mas de duas, uma de Bolsonaro e outra das FFAA.
Nesta hipótese, as FFAA não apoiariam Bolsonaro em seus arreganhos, mas tomariam medidas para que o seu sucessor não seja Lula. A questão é como isto seria possível, a não ser que tenham a intenção de dar o chamado “golpe clássico”, fechando o Congresso e o Supremo e botando a tropa na rua.
Todo golpe alternativo ao clássico passa pelo Congresso, tanto o golpe de Bolsonaro como o golpe da generalada. E falar do Congresso é falar de Lira e do Centrão. Lira comporta-se claramente como um cúmplice de Bolsonaro. Ao contrário de Pacheco, que fez uma condenação impecável ao ato do presidente (embora esquecendo de falar em crime de responsabilidade), Lira recusou-se a um pronunciamento. Em off, Lira reclamou da bobajada de Bolsonaro e disse ter tentado dissuadir o presidente, mas não quis reafirmar de público que o assunto das urnas já está decidido pelo Congresso, em votação por ele presidida no ano passado. Ou seja, Lira mantém um pé na canoa de Bolsonaro, mas será que vai assumir o risco e a responsabilidade de tratorar a Câmara para anular ou adiar as eleições? Tudo dependerá das circunstâncias.
Em uma situação de crise social e política, com o país em tumulto e conflito, Lira pode apoiar a emenda que Bolsonaro não deixará de encaminhar, pedindo medidas de exceção, seja qual for a forma que elas tomarem. Mas também pode achar que o preço de apoiar o golpe seja muito alto, sobretudo se as FFAA ficarem fora do jogo.
Lira está fazendo tudo para ganhar força parlamentar nas eleições e, para ele, a derrota eleitoral de Bolsonaro não é o fim do mundo, sobretudo se o Centrão sair ampliado na Câmara e no Senado. Mesmo com Lula presidente, Lira sabe que o seu bloco poderá ter força para atrapalhar muito o governo e, portanto, terá condições de negociar sua neutralidade e até o seu apoio, em troca de vantagens como o orçamento secreto, por exemplo. Ou seja, por mais que seja canalha e cúmplice dos piores desmandos de Bolsonaro, Lira atua como um político parlamentar com interesses mesquinhos, mas dentro da manutenção de um papel preponderante para um Congresso que ele pretende manter dominado.
Lira pode ser o ponto chave do golpe de Bolsonaro, mas as condições terão que ser muito favoráveis (crise, pressão das FFAA, que parece duvidosa pelas últimas informações) para que ele o faça. Se as FFAA tirarem o tapete de Bolsonaro, não vai ser Lira a defender o energúmeno. Mas ele poderá negociar com a generalada uma “solução institucional” para a crise provocada pelas tentativas golpistas de Bolsonaro, afastando este último e o Lula. Lembram de 1961? O golpe parlamentarista que permitiu a posse de Jango? A dificuldade neste caso seria o fato de que Lula não poderia tomar posse, por pressão das FFAA. Se Lula não renunciar para facilitar o jogo e permitir a posse de Alkmim, a solução institucional ficaria inviabilizada ou o Congresso teria que impichar o Lula, coisa bem mais complicada depois dele sair eleito e provavelmente consagrado nas urnas. Mas são especulações para o futuro, embora ele esteja logo ali na esquina.
Voltando ao presente, a “bobajada” de Bolsonaro não está só custando um papel de idiota entre os diplomatas, imprensa e governos estrangeiros. Ele cumpre um papel execrável frente a opinião pública nacional. Mais de 30 organizações, sobretudo na área jurídica, incluindo entidades do judiciário, do ministério público, da polícia federal, de advogados, de academias de direito além de outras de outra natureza, como a ABI, se manifestaram com muita veemência. São entidades de grande representatividade, escapando da bolha de esquerda. Há poucas manifestações de outras áreas ou não tiveram a mesma visibilidade. Falo das áreas sindical, estudantil, de professores, cientistas, religiosos, empresários, artistas, entre outras. Era a hora de vir com tudo, generalizando e multiplicando os pronunciamentos. Mas a primeira reação espontânea, pois que claramente não há uma força política estimulando-a, foi impressionante. Será possível ampliar este movimento? Se ele não está acontecendo espontaneamente esta ampliação desejável poderá ser estimulada a surgir? Quem pode assumir o papel de articulador deste processo?
Desde logo quero me separar dos que propõe mais do que manifestos neste momento. A operação a ser feita é político-midiática, buscando tanto os canais convencionais como os das redes sociais. Não há fôlego nem liderança para puxar manifestações de rua pelas eleições, pelo apoio ao TSE e pelo respeito aos resultados das urnas. Seria ótimo, mas não me parece viável. Manifestações pelo respeito às eleições teriam que ser puxadas por frentes suprapartidárias para terem significado mais do que de candidatos puxando a brasa para sua sardinha, cada um por si. E frentes deste tipo não me parecem possíveis no quadro atual da campanha eleitoral.
Já seria muito bom se os candidatos não bolsonaristas fossem capazes de lançar um manifesto em comum defendendo a manutenção das eleições e pelo fim da violência na campanha. Isto é algo que o Lula poderia fazer, junto com Tebet, Ciro e Janone e outros nanicos. Alguém devia dar esta ideia aos partidos da frente lulista, ou ao próprio Lula, pois parece que ela não ocorreu a ninguém.
Por outro lado, estes mesmos partidos da frente lulista deveriam tomar a iniciativa de juntar todos os não bolsonaristas do Congresso em um manifesto pela manutenção das eleições, etc. Esta iniciativa pública permitiria que partidos como o PL do presidente Bolsonaro reafirmem (ou não) o que votaram no ano passado ou se desmoralizem politicamente. Um vídeo do Valdemar Costa Neto defendendo o voto maciço do PL contra o voto impresso e afirmando a excelência das urnas eletrônicas circula amplamente nas redes sociais. Seria o caso de cobrar dele e do Lira, que também defendeu as urnas eletrônicas, que se posicionem em relação às ameaças de Bolsonaro. Dificilmente vão fazê-lo, mas mesmo o silêncio vai ser um desgaste político. Mais uma vez alguém devia levar esta ideia ao PT, PSB, PCdoB, PSOL e outros.
Quem pode articular este movimento de opinião contra a ameaça às eleições e pela paz na campanha? As entidades da sociedade civil que, no passado, assumiram a liderança do movimento pelas Diretas Já, não tem mais o mesmo peso, embora tenham ainda muita respeitabilidade. ABI, OAB e CNBB hoje não tem hoje dirigentes com o dinamismo e a vontade política para assumir a vanguarda deste tipo de iniciativa. Elas podem ser importantes coadjuvantes, mas não atores principais. Os partidos não deveriam, explicitamente, tomar a frente desta campanha pois logo se instalaria a divisão em função dos interesses eleitorais. Também podem ser coadjuvantes importantes, mobilizando suas áreas de influência na sociedade civil, mas deixando a liderança com entidades mais plurais.
Quem então? Grupos da “esquerda do zap” são bons think thanks, produtores de informação e de análises, mas tem pouco impacto enquanto capacidade de mobilização. Estes grupos, como os partidos, têm maior ou menor capacidade de articulação da sociedade civil e deveriam usar esta capacidade para fortalecer esta campanha, mas não os (nos) vejo tomando a frente.
Nucleadores de reações políticas mais amplas que estão fazendo ou se propondo a fazer algo em relação aos arreganhos recentes do energúmeno são, a meu conhecimento, apenas dois.
Um é o movimento Fora Bolsonaro, que mobilizou e coordenou as manifestações do ano passado, que no seu auge chegaram a reunir 700 mil pessoas em perto de 400 cidades. É uma ampla articulação de esquerda e com muita dificuldade de sair da “bolha”. Foi e é importantíssima como instrumento mobilizador deste campo, mas não tem perfil, estilo nem vocação para atrair bases menos ideológicas.
O outro é o Pacto Pela Democracia, que reúne perto de 200 organizações bastante diversas nos seus objetos e dimensões. Tem características mais amplas do ponto de vista político, sem uma marca explícita de esquerda. O PPP tem mostrado capacidade de reunir apoios amplos para os manifestos que difundiu, relativos ao centro das nossas preocupações atuais, a defesa das eleições e da paz na campanha eleitoral.
Penso que todos os militantes que hoje se reúnem em tantos sites e grupos de zap deveriam buscar reforçar estas duas iniciativas de modo a não dispersar mais forças com a multiplicação de grupos de intervenção.
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Para desarmar o caos bolsonarista - Instituto Humanitas Unisinos - IHU