20 Julho 2022
"Dora María tem o temperamento da lutadora. Ela nunca deixou de acreditar naquilo por que lutou e continua lutando. Ainda hoje, enquanto aquele que traiu festeja sorridente os 43 anos da Revolução Sandinista", escreve Daniele Mastrogiacomo, jornalista, em artigo publicado por La Repubblica, 19-07-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Os familiares entregam ao El País as fotos que mostram como era e como está depois de 13 meses de detenção isolada no escuro: ela perdeu 15 quilos, sua pele reduzida a papel de seda.
Há imagens que dispensam palavras. Como a que retrata dois momentos da mesma pessoa, Dora María Téllez, retratada em junho de 2021 e como está agora. Após um ano de prisão especial em El Chipote, sede da Direção de Assistência Judicial do regime de Manágua, onde presos políticos são encarcerados, perseguidos e torturados. Em 13 meses ela perdeu 15 quilos, sua pele está reduzida a papel de seda, seu rosto está abatido e pálido. Ela está trancada em uma cela no escuro. Nunca vê a luz. Daniel Ortega e sua esposa Rosario Murillo, embriagados de seu poder absoluto, a mantêm assim por vingança, puro sadismo. Ela concorreu à última eleição presidencial com outros seis ex-sandinistas. O novo sátrapa tinha medo de perder. Ele os tirou do caminho, sem muitos escrúpulos. Todos na prisão.
Retrato falado da comandante guerrilheira Dora María Téllez depois de permanecer 400 dias na prisão. (Foto: Reprodução | Brasil de Fato)
Ortega sabe bem quem é Dora María. Não uma prisioneira qualquer, mas uma figura histórica da revolução sandinista. Uma heroína. Hoje ela está com 66 anos. Em 18 de julho de 1979, ela tinha 23 anos. Ela era uma jovem estudante de medicina. Decidiu se juntar à resistência. Determinada e orgulhosa, com o mesmo olhar que mostra agora. Lutou bravamente, liderando uma coluna de sandinistas. É também graças a ela que a longa guerra contra a ditadura termina com a fuga, à noite, de Anastácio Somoza a bordo de um avião. Participou do assalto ao Palácio Presidencial. Depois, enquanto os sandinistas comemoram a tomada de Manágua, se deslocou com sua coluna a 93 quilômetros de distância. Assedia León, uma cidade estratégica para o que resta do exército do ditador. Ela conseguirá conquistá-la dando a virada definitiva a um regime brutal e corrupto.
Torna-se um mito, uma lenda. Ela é conhecida como Comandante Dois, a segunda na escala da hierarquia militar revolucionária. Durante anos colaborou com a primeira junta sandinista. Ela sugere, aconselha, volta a estudar medicina. Todos se lembrarão dela por seus cabelos curtos, boné na cabeça, rifle na mão enquanto estudava os mapas pouco antes do ataque final a León. Com outros seis ex-conselheiros sandinistas ela foi presa e encarcerada pelo novo casal de ditadores. Dois dos muitos que formavam as fileiras do exército de libertação. Com acusações ridículas. Inventadas. "Traição, violação da integridade nacional".
Muitos outros, jornalistas, professores, intelectuais, comentaristas, fugiram para a Costa Rica, enquanto outros acabaram na prisão durante a série de ondas repressivas que Ortega desencadeou contra aqueles que ameaçam seu poder absoluto. Justamente ele, uma figura de segundo plano, transformado em herói pela solidariedade internacional, cínico e habilidoso em galgar os degraus da política até se tornar o senhor absoluto do país.
Por outro lado, também deixou morrer na prisão aqueles que o libertaram durante o assalto à prisão onde havia sido preso por Somoza: o general reformado Hugo Torres, o Comandante Um. Ele também foi trancado numa cela sob a acusação de traição, privado de sono, comida e dos remédios de que precisava, fez com que fosse transferiu para o hospital enquanto pedia ajuda. Ele expirou antes de chegar lá.
A notícia foi um verdadeiro choque para a Nicarágua. E chegou também a Dora María. "Ela caiu em depressão", contam agora os parentes ao El País, a quem entregaram a foto exclusiva para lançar a campanha "Retratos que falam": fotos em vez de palavras para denunciar o massacre criminoso cometido pelo casal de ditadores. “Seja humano!” é o grito lançado por quem quer fazer alguma coisa para libertar os 47 detentos já condenados a penas entre 8 e 14 anos. A reação de Ortega foi vergonhosa: "São filhos da p* do imperialismo."
A Comandante Dois não cede. Ela resiste à tortura, a todas as privações a que é submetida. "O que mais a faz sofrer é a falta de luz", contam os parentes que recolheram os testemunhos de quem conseguiu vê-la, para conversar com ela por poucos minutos, sempre sob o olhar dos guardas prisionais que têm ordens para dobrá-la. "Ela não consegue mais ver nem as costas de sua mão. É uma enterrada viva." Mas Dora María tem o temperamento da lutadora. Ela nunca deixou de acreditar naquilo por que lutou e continua lutando. Ainda hoje, enquanto aquele que traiu festeja sorridente os 43 anos da Revolução Sandinista.
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Nicarágua, o triste destino da revolucionária Téllez: a lendária “Comandante Dois” abandonada em uma cela por Ortega - Instituto Humanitas Unisinos - IHU