20 Julho 2022
"O grande Padre da Igreja, entre 419 e 420, arruma um suntuoso quadro de argumentações, tanto racionais quanto de exegese bíblica, substancialmente em torno de dois pontos capitais."
O comentário é do cardeal italiano Gianfranco Ravasi, prefeito do Pontifício Conselho para a Cultura, em artigo publicado por Il Sole 24 Ore, 17-07-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Padre da Igreja. O santo reafirmou sua natureza incorpórea por ser criada por Deus, mas suspendeu o juízo sobre sua transmissão aos homens Neque negant se scire quod sciunt et confitentur se nescire quod nesciunt. Como é seu hábito, Santo Agostinho gosta de ser um malabarista da palavra: nessa frase com um golpe de espátula linguística traça o perfil dos verdadeiros mestres que "não negam saber o que sabem e confessam que não sabem o que não sabem". Essa afirmação está encastoada no tratado De anima (IV, 11,15), nascido de uma polêmica com um jovem leigo, um certo Victor, que havia criticado um panfleto agostiniano sobre o tema da origem das almas (talvez seja a Epístola 190).
O grande Padre da Igreja, entre 419 e 420, arruma um suntuoso quadro de argumentações, tanto racionais quanto de exegese bíblica, substancialmente em torno de dois pontos capitais. O primeiro diz respeito à reafirmada certeza sobre a natureza incorpórea da alma que é criada por Deus, enquanto em segundo lugar o santo suspende o juízo sobre a "origem das almas que são dadas a cada um dos homens" (como ele escreverá em uma sucessiva "resenha" de seu texto nas Retractationes, ou seja, "novos tratados" ou retomadas).
O texto, que agora é oferecido com o original em latim, é muito exigente em sua leitura também porque os quatro "livros", ou partes, têm destinatários diferentes: o primeiro para Renato, um monge que lhe enviara o panfleto do adversário, o segundo para Pietro, um presbítero conquistado pelas teses do jovem Victor, a quem são reservados os dois últimos "livros". No entanto, fica em aberto o tema mais delicado da introdução/transmissão da alma, já abordado por Tertuliano, o autor cristão do primeiro tratado sobre a alma que havia proposto o chamado "traducianismo", segundo o qual a alma era transmitida dos pais para os filhos com a geração.
Agostinho, que também era tentado a aproximar-se dessa tese para tornar coerente sua doutrina do pecado original, nas citadas Retrações reiterará sua hesitação: "Quanto à origem da alma, eu sabia que ela foi feita para ser unida ao corpo, mas eu não sabia então, como não sei agora, se descende do primeiro homem ou se é continuamente criada singularmente para cada indivíduo.”
Neste ponto, já que voltamos à antiga literatura cristã, tentemos passar do Ocidente africano de Agostinho para o Oriente de alguns séculos depois. Estamos, de fato, na Grécia, na virada dos séculos VIII e IX, nas encostas do Monte Olimpo da Bitínia, na atual Turquia asiática, no mosteiro de Saccudion. Ali havia se reunido quase toda uma família constantinopolitana: o protagonista, Teodoro, o Estudita que apresentaremos, seu pai, dois irmãos e seu tio materno. À porta daquele oásis de silêncio contemplativo, a história logo bateu com imperadores, rainhas, bispos e sobretudo o eco dos intensos duelos típicos da época bizantina. Assim, Teodoro foi forçado ao exílio três vezes, jogado aqui e ali por uma polêmica na qual ele se erguia como um baluarte espiritual.
Estamos, de fato, na época das lutas iconoclastas em que as razões teológicas, muitas vezes frágeis, eram desfraldadas em apoio a motivações políticas muito mais sólidas e encorpadas. Ele, que havia sido o autor de solenes catequeses para seus monges, foi assim obrigado a elaborar três Refutações contra os iconoclastas que aparecem pela primeira vez em nossa língua por Antonio Calisi, um diácono da Eparquia (diocese) de rito bizantino de Lungro (Cosenza), povoada por ítalo-albaneses.
Se quiséssemos amarrar a reflexão tão ramificada de Teodoro em torno de um eixo, poderíamos dizer que é a Encarnação de Cristo, Deus com rosto humano, que justifica a legitimidade do ícone e, portanto, de toda a arte cristã.
Já São Paulo definia Cristo como a "imagem (eikôn) do Deus invisível" (Colossenses 1,15). O ícone traça e concretiza justamente essa qualidade e faz "nossos olhos se voltarem para o rosto daquele que, embora seja Deus, assumiu os traços de uma existência humana própria", como comenta Calisi. Nós gostaríamos, no entanto, de concluir esta breve evocação de uma figura pouco conhecida da Igreja Oriental (sobre o tema iconológico muito mais famoso foi São João Damasceno, anterior a ele de um século) citando outro de seus textos presente em uma sugestiva antologia de passagens dos Padres da Igreja sobre uma prática cristã fundamental, especialmente em nossos dias.
É o próprio título da coletânea, emprestado de uma frase da Carta aos Hebreus do Novo Testamento (13,2), que a revela: "Não te esqueças da hospitalidade". Pois bem, Teodoro na entrada da hospedaria de seu mosteiro em Saccudion havia gravado este epigrama:
"Venham, entrem sob o teto que vos acolhe, vós, viajantes cansados, recebam minha hospitalidade: um pão inspirado que nutre o coração, uma doce bebida derramada em abundância, vestes que afastam o frio. Tudo isso, amigos, me foi doado gratuitamente entre os dons mais abençoados por meu Senhor Jesus, cheio de riquezas. Abençoem aquele que nutre o universo e para mim, em troca, ofereçam apenas uma oração para que lá em cima, acolhido como hóspede, me seja concedido entrar no seio de Abraão.”
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Agostino em busca da alma. Artigo de Gianfranco Ravasi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU